domingo, 25 de agosto de 2024

ANGÉLICA

Quem trafega da avenida Angélica para a avenida Paulista provavelmente ignora que isso se tornou possível porque uma senhora, nascida no século XIX, achou que seria uma boa ideia. Ela era dona da área e viu na Paulista, inaugurada em1891, o futuro da cidade.

Maria Angélica Souza Queiroz (1842-1929), filha de Francisco Antônio de Souza Queiroz, barão de Souza Queirós, e de Antônia Eufrosina de Campos Vergueiro, nasceu em Rio Claro. Cresceu na fazenda São Jerônimo em Limeira, recebeu uma educação esmerada e passava temporadas em São Paulo na chácara localizada na atual avenida São Luís. Casou-se aos 20 anos com o primo Francisco de Aguiar Barros, filho do barão de Itu, mudando para a chácara do marido, na rua Alegre (Brigadeiro Tobias), no bairro de Santa Ifigênia. O casal teve dez filhos: o primeiro foi Francisco, que nasceu em Itu em 1863, seguiram-se: Bento, Maria Angélica, Leonarda, Alfredo, Antônia, Guiomar, Paula, Raul e Beatriz.

Com tantos filhos, Francisco adquiriu então a chácara das Palmeiras, uma propriedade formada em 1849; comprada em 1860 pelo médico dinamarquês Germano Frederico Borghoff que cultivou nela cinco mil pés de chá, um pomar de pêssegos e uvas; ele também criava vacas leiteiras e ainda vendia o capim que nascia naturalmente na propriedade. Após enfrentar problemas financeiros, Borghoff pôs a propriedade em leilão em 1874, e quem arrematou foi Domingos Marques da Silva Ayrosa, dono da “Padaria das Famílias” (Rua do Comércio, 15. O novo proprietário também teve muitos problemas para manter a chácara e a colocou à venda, quando foi adquirida por Francisco de Aguiar Barros.

Num mapa atual, a sede da chácara era na esquina da Alameda Barros com a rua Albuquerque Lins, onde se encontra a capela de São Vicente de Paulo, mas o perímetro do terreno era delimitado pelas atuais ruas das Palmeiras, Conselheiro Brotero, avenidas Higienópolis e Angélica. Não achei muitas informações sobre a vida do casal até 1890, quando Francisco morreu vítima de um problema cardíaco. Viúva e muito rica, Angélica seguiu o exemplo de sua “vizinha” Veridiana: resolveu construir um palacete e contratou o arquiteto alemão Matheus Haussler, autor dos projetos da casa de Elias Antônio Pacheco e Chaves (Campos Elíseos) e da Hospedaria dos Imigrantes. Haussler não deixou por menos: inspirou-se no Palácio de Charlottenburg (Alemanha). A construção ficava em posição elevada e era cercada de jardins. Angélica mudou para a nova residência em 1893 e doou a casa da chácara das Palmeiras para a Associação das Damas da Caridade de São Vicente de Paulo que tratou de lá instalar um orfanato para meninas e um externato para ambos os sexos.

Surpreendentemente, esta senhora inicia urbanização da região por suas terras, abrindo as primeiras ruas do que se tornou o bairro de Santa Cecília. A primeira a ser criada (1895) foi a Avenida Viúva Barros (Angélica), apenas o trecho entre a rua das Palmeiras e a esquina da Jaguaribe.  Da mesma época é o primeiro trecho da rua Barão de Tatuí e uma transversal que foi denominada Alameda Barros. Foi um projeto bem sucedido que se estendeu por anos. A Câmara promoveu um acordo entre Angélica e o negociante Martinho Bouchard para que dividissem as despesas de obras de um dos empreendimentos; em 1901 ela pediu, e obteve isenção, total dos impostos por cinco anos para todos os terrenos situados na Alameda Barros, Rua São Vicente de Paulo, Avenida Angélica e nas demais “ruas que abrir desta Avenida em direção à cidade”. E assim Angélica continuou a abrir ruas às quais foi dando o nome de seus familiares: Baronesa de Itu (tia avó), Alameda Barros (marido) e amigos Conselheiro Brotero, Basílio Machado e Gabriel dos Santos entre outros.

            Das três grandes senhoras paulistas, Angélica contribuiu, sem dúvida, de forma decisiva para a configuração do bairro de Santa Cecília e entorno. Em 1898, a avenida Angélica era considerada uma das mais formosas da cidade, como afirmou o vereador Serafim Leite.

Maria Angélica Souza Queiroz faleceu em 1929.


Foto Wikipedia: Maria Angélica com a filha Angélica. 

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