O NAVIO FANTASMA
Nada
como uma boa história sobre navegação. Poderia começar com o tradicional “era
uma vez”, mas não se trata de ficção por mais inacreditável que pareça. O vapor
Baychimo foi construído na Suécia em
1914, tinha o casco de aço e pesava 1.332 toneladas. A Companhia da Baía de
Hudson (Canadá), a proprietária, usava o navio para coleta e transporte de
peles vendidas por caçadores inuítes (esquimós) na costa da Ilha Vitória. (Hoje,
nada ecológico.)
A
rota do Baychimo cobria uma das zonas
de navegação mais traiçoeiras do planeta e compreendia 3.200 km pelo mar de
Beaufort. Em 6 de julho de 1931, o navio partiu de Vancouver para mais uma
viagem. O comandante era John Cornwell, que levava uma tripulação de 36 homens.
Ninguém esperava um mar de rosas, pois dificuldades sempre havia.
O
Baychimo chegou à Ilha Vitoria sem
problemas e com os porões cheios de peles, Cornwell iniciou o retorno a
Vancouver. O inverno, entretanto, começara mais cedo. As águas do mar começaram
a se congelar e em 30 de setembro restara naquela região apenas uma pequena
passagem navegável, que no dia 1º de outubro foi totalmente obstruída. O gelo
fechou-se em torno do vapor, que ficou imobilizado em frente a uma aldeia do
Alasca, onde a companhia de navegação construíra cabanas junto ao litoral para
os funcionários. O comandante ordenou que os homens fossem para os abrigos em
terra e assim eles caminharam sobre o mar gelado por um quilômetro. Uma aventura e tanto, mas todos conseguiram
chegar.
Dois
dias depois saíram das cabanas para descobrir que o gelo soltara o vapor, que
estava livre. A tripulação só teve tempo de correr para embarcar e aproveitar a
boa sorte para ir a toda velocidade em direção oeste. Mas três horas depois
novamente as águas congelaram e o banco de gelo (banquisa) imobilizou o Baychimo outra vez. Só no dia 8 de
outubro o gelo se quebrou.
A
viagem estava se tornando um sério problema com blocos de gelo cada vez mais
ameaçadores. Em 15 de outubro a empresa enviou dois aviões para socorrer os
homens, mas o comandante e 14 tripulantes ficaram na embarcação. Como sabiam
que a situação poderia demorar até um ano, construíram um abrigo sobre a
banquisa a cerca de um quilômetro da costa. Na noite de 24 de novembro, caiu
uma terrível tempestade de neve e a tribulação do Baychimo ficou acuada em seu refúgio até a tormenta passar. Quando
saíram, os homens descobriram que o navio havia desaparecido sob uma montanha
de neve. Não havia traço da embarcação. O jeito era voltar, mas alguns dias
depois um esquimó caçador veio informar que vira o navio a cerca de 70 km dali,
a sudoeste.
O
esquimó guiou a tripulação ao local, onde encontraram a embarcação novamente
presa no gelo. Cornwell teve que se conformar em retirar a parte mais preciosa
da carga antes de abandonar o navio para sempre. O resgate veio do céu.
Meses
depois chegou à Companhia, em Vancouver, a notícia de que os esquimós haviam
visto o Baychimo a centenas de
quilômetros do ponto onde fora abandonado. Em março de 1931 um caçador e
explorador, Leslie Melvin, que viajava de trenó redescobriu o cargueiro
flutuando perto da costa. Esteve a bordo e constatou que a carga deixada ainda
continuava lá. Passaram-se alguns meses e desta feita foram pesquisadores de
petróleo que viram o navio, subiram a bordo para constatar que ele continuava
bem (vazio). Em março de 1933, o vapor havia voltado ao local em que fora
abandonado. Desta vez os visitantes foram os esquimós que o avistaram, mas
foram surpreendidos por uma tempestade e ficaram dez dias abrigados no Baychimo sem comida.
A
Companhia da Baia de Hudson continuou recebendo por muito tempo relatos sobre o
destino desse navio indomável, que singrou sozinho, literalmente, os mares da
região. O vapor foi avistado ainda em agosto de 1933, julho de 1934, setembro
de 1935, 1939. Esquimós, exploradores, comerciantes e aviadores o observaram
navegando sozinho pela região ártica. Ele foi visto pela última vez em 1969
entre o cabo Yci e a ponta Barrow preso mais uma vez numa banquisa.
A
fantástica trajetória desse verdadeiro navio fantasma foi contada pelo
jornalista e escritor inglês David Gunston, em artigo publicado na revista Correio da UNESCO, (Ano 19 – 1991: O Navio Fantasma).