SANTOS,
9 DE JANEIRO DE 1967.
Foi mais um dia de verão ardente em
Santos. Morávamos na Rua da Constituição, na Vila Nova. A tarde terminara com
um jantar simples – apenas eu e minha avó. Às vezes, como naquela noite de
domingo, aparecia Dona Henriqueta, amiga de longos anos, que morava na Rua
Marechal Pego Júnior. Elas conversavam sobre os problemas domésticos; se fosse
durante a semana, assistiam a alguma novela (acho que era “Angústia de Amar”,
de Dora Cavalcanti, com Eva Vilma) ou nos domingos, como aquele, se entretinham
com o programa da moda, enquanto se abanavam loucamente com seus leques
coloridos.
Depois
de passar mais uma tarde folheando os livros para o vestibular, eu ficava por
perto e quando o programa terminava servia um café passado na hora com alguma
coisa gostosa – uma fatia de bolo, alguma bolacha especial... Como sempre Dona
Henriqueta se despediu por volta das 22 horas. Voltava a pé para casa que era
grande como a nossa e com um quintal por onde circulavam cães, galos e galinhas
amigavelmente. Vivia sozinha. A filha, o genro e os netos adolescentes moravam
na praia.
Minha avó recolheu seus badulaques – leque,
crochê, livro de rezas... Hora de dormir. Teria sido mais uma noite que se
perderia na memória, mas acordamos com um estrondo terrível que nos envolveu, sacudiu
a casa. Foi tudo rápido – trovão? Mas logo em seguida (ou simultaneamente?)
algo caiu sobre minha cama. O lustre! Então, o que acontecia? Fui para o quarto
de minha avó. Ela já está de pé e se dirigia para as janelas que se abriram com
a explosão e juntas espiamos a rua e à direita vimos o céu tingido de vermelho.
“O Gasômetro?” – perguntou sem se preocupar com resposta, pois eu não fazia
ideia do que poderia ter acontecido. Em minutos a rua estava cheia de gente que
andava rapidamente, corria, gritava, chorava e falava sem parar. Muitos de
pijama, outros com roupas de baixo e jamais vou me esquecer do homem enrolado
na cortina do boxe.
Não
havia energia. No escuro tentei avaliar o que ocorrera. Havia vidro por todos
os lados. Desci até a garagem. A porta de entrada estava deslocada e só não
fora arrombada pelo impacto da explosão por causa da tranca de ferro que a
protegia já que não se confiava nas fechaduras.
Lembro que em meio de todo aquele caos
resolvemos fazer um cafezinho e, munidas de vela, procuramos na despensa uma
espiriteira para acender o fogo, pois a partir daquele dia não teríamos mais
gás de rua...
O Reservatório
de Gás da Cidade de Santos – Serviços de Eletricidade e Gás S/A, composto de
cinco tanques com capacidade de
1.658 m³ cada um, explodiu às três horas e três minutos do dia 9 de janeiro de 1967,
destruindo dezenas de casas e danificando centenas de imóveis da vizinhança. O
gasômetro ficava na Rua Marechal Pego Júnior, 114. A explosão teria sido
causada por um conjunto de fatores: um cabo de alta tensão, uma faísca e um
vazamento de gás causado por falta de manutenção. O resultado final: cerca de
trezentos feridos. Surpreendentemente, não houve relato de mortes. O prédio do Comando da Artilharia de
Costa e Antiaérea da 2ª Região Militar (CACAAe/2), na Avenida Conselheiro
Nébias, 210, teve as estruturas abaladas e posteriormente foi demolido.
Dona
Henriqueta sobreviveu, mas perdeu a casa e foi morar com a filha na orla da
praia. Nós perdemos a visita agradável daquela senhora de cabelos branquinhos
que sempre tinha uma história divertida do seu dia a dia.
Fotos: José Dias Herrera, A Tribuna.
http://www.novomilenio.inf.br/santos
4 comentários:
Uma pérola a sua crônica, Hilda, como todas as outras: um tom especial, uma coloração única e um jeito pitoresco que são sua marca registrada. Muito obrigada pela leitura.
Para nós também foi uma madrugada inesquecível. No domingo havíamos recebido parentes em casa para comemorar o aniversário do meu irmão Osmar. Havia um quê de ansiedade no ar porque na manhã de segunda Osmar se mudaria para São Paulo, para iniciar um estágio na Light. O que aconteceu de madrugada lembra muito sua bela descrição. Ah... morávamos na Brás Cubas, esquina de Pêgo Júnior.
Inesquecível mesmo. Acho que o seu irmão não imaginava uma despedida de Santos tão barulhenta. Vocês moravam ainda bem perto do Gasômetro.
Muito obrigada, amiga. Suas palavras são um grande incentivo. Beijos.
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