“Venho por meio destas mal traçadas linhas...”
Era assim que os professores ensinavam as crianças a escreverem cartas. O
aprendizado incluía preencher o envelope, que sempre dizia muito sobre o
remetente. Boa caligrafia era essencial para que o carteiro não se confundisse
e o destinatário ficasse vaidoso por ter um correspondente com uma bonita
letra. Escrevi muitas cartas em minha vida, felizmente sem o chavão de
abertura; porém, enviei poucas por ter preguiça de ir ao Correio. O tempo
passava, o assunto perdia o interesse e a carta ia para o lixo em vez de seguir
seu destino.
Lembrei-me do fato por
causa do Concurso Internacional de Redação de Cartas
para Jovens, que é promovido anualmente pela União Postal Universal (UPU),
sediada em Berna, na Suíça, para incentivar a criatividade de crianças e
adolescentes enquanto melhoram os conhecimentos linguísticos. O público alvo:
estudantes de até 15 anos idade. O tema deste ano é desafiador: “Imagine que você é uma carta que viaja no
tempo. Que mensagem você quer deixar para seus leitores?”.
A história do Brasil
registra duas cartas fundamentais para a nação: uma escrita por um homem e
outra por uma mulher. A primeira é de Pero Vaz de Caminha ao rei D. Manuel em
1500 e que se constitui numa certidão de nascimento do Brasil. A segunda foi
escrita pela princesa Leopoldina a D. Pedro (1798-1834), incentivando-o a
proclamar a independência do Brasil em setembro de 1822.
Entretanto,
as pessoas preferem coisas mais amenas como, por exemplo, as cartas de amor. As
cartas de amor, contudo, podem ser muito reveladoras quando lidas por olhos
estranhos e curiosos muito tempo depois que o escrevinhador (a) e a amada (o) morreram.
O amor do advogado e político romano Cícero (106 A.C-43 A.C) pela
esposa Terência ficou registrado na correspondência: “... eu na verdade desejo
vê-la quanto antes, vida minha, e morrer nos seus braços...”
O rei da Inglaterra Henrique VIII, um verdadeiro barba azul,
assinou uma carta de amor à Ana Bolena (a amante que transformou em esposa após
repudiar a rainha) dizendo que “A mão que lhe escreve é a de um homem que, por
vontade própria, foi, é e sempre será seu”. A mesma mão que assinou a sentença
de morte por decapitação de Ana algum tempo depois.
Enfim, todos em algum momento expõem os sentimentos (paixão ou
amor?) por um homem ou uma mulher. Nada demais. Quem imaginaria um lado
romântico em Voltaire cuja paixão de juventude por Olympe o levou a fugir para
Paris? Ou no sisudo Franz Kafka, que amou Felice Banes embora não tenham se
casado. Olavo Bilac teve sua Amélia com quem não casou. Rui Barbosa
(1849-1923), um noivo apaixonado como mostram suas missivas para a jovem Maria
Augusta (1855-1947), levou a moça ao altar e viveram felizes (quem sabe?).
Por falar em D. Pedro I em sua correspondência resplandece uma
carta (mais um bilhete) à amante Domitila de Castro (1797-1867) que vale a pena
transcrever:
“Cara
Titília
Foi
inexplicável o prazer que tive com as suas duas cartas.
Tive
arte de fazer saber a seu pai que estava pejada de mim (mas não lhe fale nisto)
e assim persuadi-lo que a fosse buscar e a sua família, que não há de cá morrer
de fome, muito especialmente o meu amor, por quem estou pronto a fazer
sacrifícios. Aceite abraços e beijos...
Deste
seu amante que
Suspira
pela ver cá o
Quanto
antes,
O
demonão.”
O amor também não resistiu aos deveres de Estado e D. Pedro
I, viúvo, a repudiou para casar-se com dona Amélia de Leutchtenberg (1812-1873).
Mas
como escreveu o poeta Fernando Pessoa/Álvaro de Campos:
TODAS
AS CARTAS de amor são
Ridículas.
Não
seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.
Também
escrevi em meu tempo cartas de amor,
Como
as outras,
Ridículas.
As
cartas de amor, se há amor,
Têm
de ser
Ridículas.
(...)
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