Um frio escandaloso, mas reclamar do quê? É inverno. O sábado amanheceu com o jeito paulistano das crônicas de Guilherme de Almeida (1890-1969). Cinzento e uma garoa fina cai silenciosa. Tão silenciosa que o sabiá madrugador ensaiou uma cantoria e desistiu; um passarinho indiscreto diz lá do seu ninho “bem-te-vi”, mas logo cala o bico e arrepia as penas para se proteger do vento. Café quentinho, o pão no ponto e inicio os planos para devolver os livros na biblioteca sem congelar no caminho. Desisto do ônibus depois de uma longa espera ao lado de vizinhos encolhidos que consultam o aplicativo dos transportes. Prefiro a surpresa ou alívio do aparecimento do monstrinho subindo a ladeira. Metrô quase vazio, ao contrário dos corredores do Centro Cultural São Paulo. O pessoal da dança está em plena atividade – rapazes e moças ensaiam coreografias mirabolantes em frente aos vidros que refletem imagens juvenis. Três jovens observam um dançarino que, não fosse o entorno, diria que estava em convulsões – preconceito de uma senhora que viveu os tempos em que Elvis foi mal visto e Chubby Checker, incompreendido. Mas havia novidade no pedaço, que vai deixando para trás o vazio daqueles dias sombrios da pandemia. À primeira vista pareciam um bando de cangurus saltando pelo corredor próximo à biblioteca. Deve ser um novo esporte saltar por aí com as duas pernas ao mesmo tempo, separadas e flexionadas. Penso com meus botões que os cangurus fazem há isso há milhares de anos, mas em solo macio, nas pradarias australianas que habitam. Cimento não me pareceu adequado para esses saltos. Enfim, escolhi os livros e voltei para casa abastecida para as tardes frias que a meteorologia promete. No final da tarde, dois passarinhos no parapeito da janela me espiavam através da vidraça, ansiosos por sua quirera antes de se recolherem...
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