quinta-feira, 20 de junho de 2024

HÁ POESIA NO INVERNO

 

O inverno no Hemisfério Sul começa hoje no final da tarde. Em São Paulo, as temperaturas amenas de outono continuam. Dias ensolarados e secos... A garoa paulistana parece fato da memória dos mais velhos. Mudanças climáticas, dizem, num tom conformado preocupante.

Aqui, vão as reflexões de Fernando Pessoa (1888-1935), como Alberto Caeiro, com uma tela de Claude Monet (1840-1926) em que o artista capta a beleza da neve em que se destaca a pega-rabuda, ave comum no hemisfério Norte.


"A Pega" (1898), óleo sobre tela de Claude Monet, Museu d'Orsay, Paris.


QUANDO ESTÁ FRIO no tempo do frio, para mim é como se estivesse

agradável

Quando está frio no tempo do frio, para mim é como se estivesse agradável,

Porque para o meu ser adequado à existência das coisas

O natural é o agradável só por ser natural.

Aceito as dificuldades da vida porque são o destino,

Como aceito o frio excessivo no alto do Inverno—

Calmamente, sem me queixar, como quem meramente aceita,

E encontra uma alegria no facto de aceitar—

No facto sublimemente científico e difícil de aceitar o natural inevitável.

Que são para mim as doenças que tenho e o mal que me acontece

Senão o Inverno da minha pessoa e da minha vida?

O Inverno irregular, cujas leis de aparecimento desconheço,

Mas que existe para mim em virtude da mesma fatalidade sublime,

Da mesma inevitável exterioridade a mim,

Que o calor da terra no alto do Verão

E o frio da terra no cimo do Inverno.

Aceito por personalidade.

Nasci sujeito como os outros a erros e a defeitos,

Mas nunca ao erro de querer compreender demais,

Nunca ao erro de querer compreender só com a inteligência.

Nunca ao defeito de exigir do Mundo

Que fosse qualquer coisa que não fosse o Mundo.

Alberto Caeiro (Heterônimo de Fernando Pessoa, 24-10-1917).

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