O inverno
no Hemisfério Sul começa hoje no final da tarde. Em São Paulo, as temperaturas
amenas de outono continuam. Dias ensolarados e secos... A garoa paulistana parece
fato da memória dos mais velhos. Mudanças climáticas, dizem, num tom conformado
preocupante.
Aqui,
vão as reflexões de Fernando Pessoa (1888-1935), como Alberto Caeiro, com uma
tela de Claude Monet (1840-1926)
em que o artista capta a beleza da neve em que se destaca a pega-rabuda, ave comum
no hemisfério Norte.
QUANDO ESTÁ FRIO no tempo do frio, para mim é como se
estivesse
agradável
Quando está frio no tempo do frio, para mim é como se
estivesse agradável,
Porque para o meu ser adequado à existência das coisas
O natural é o agradável só por ser natural.
Aceito as dificuldades da vida porque são o destino,
Como aceito o frio excessivo no alto do Inverno—
Calmamente, sem me queixar, como quem meramente aceita,
E encontra uma alegria no facto de aceitar—
No facto sublimemente científico e difícil de aceitar o
natural inevitável.
Que são para mim as doenças que tenho e o mal que me
acontece
Senão o Inverno da minha pessoa e da minha vida?
O Inverno irregular, cujas leis de aparecimento desconheço,
Mas que existe para mim em virtude da mesma fatalidade
sublime,
Da mesma inevitável exterioridade a mim,
Que o calor da terra no alto do Verão
E o frio da terra no cimo do Inverno.
Aceito por personalidade.
Nasci sujeito como os outros a erros e a defeitos,
Mas nunca ao erro de querer compreender demais,
Nunca ao erro de querer compreender só com a inteligência.
Nunca ao defeito de exigir do Mundo
Que fosse qualquer coisa que não fosse o Mundo.
Alberto Caeiro (Heterônimo de Fernando Pessoa, 24-10-1917).
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