O ABAJUR LILÁS
Francês já foi a língua estrangeira mais falada no Brasil e só foi
suplantada pelo inglês após a II Guerra, quando a predominância norte-americana
se estabeleceu no Ocidente. Falar francês era elegante e os galicismos se
infiltraram no Português, enlouquecendo professores como Dona Zulmira Campos (Liceu
Feminino Santista), que os varria das redações com sua assustadora caneta vermelha.
Vamos galicismar:
Madama depois de
fazer a maquilagem – batom vermelho vivo e um toque de ruge nas bochechas – vestiu
o tailleur marrom, depois apanhou o mantô para enfrentar o frio incomum. Sonhou
por um momento com o calor e se lembrou do maiô que vislumbrara em uma vitrina
meses atrás. Toalete completa. Antes de sair desligou o abajur. O chofer,
encostado ao chassi do carro, a esperava junto à porta do chalé.
Dona Zulmira teria me dado zero, depois de uma descompostura. A garota
teimosa poderia ter continuado a descrição.
O destino de
madama era um cabaré ou boate, onde sonhava saborear um champanhe, aproveitar o
bufê e flertar com o aviador de brevê novo e pincenê antigo, muito chique em
seu paletó de percalina, que ela conhecera dias antes. O garçom a receberia com
um buquê de rosas e a levaria para a mesa especial de onde poderia admirar a
cantora que fazia jus ao cachê e à corbelha com que era saudada ao fim de cada
apresentação.
A essa altura a mestra teria realmente desmaiado – tanto pelos galicismos
quanto pelo cabaré, ambiente pouco recomendado para adolescentes. Ao se
recuperar, certamente, enviaria a fedelha para a diretoria, recomendando uma
séria conversa com os responsáveis. Dona Zulmira costumava verificar todos os
dias a lição de casa das garotas, que abriam os cadernos sobre as carteiras
para ela colocar o visto enquanto ia dizendo que seus olhos sempre batiam nos
erros. Ameaça apavorante para todas. Foi uma ótima professora. Hoje estaria
assombrada com os anglicanismos que invadem a vida de todos nós...
(Semana
francesa.)
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