França e Brasil têm uma história regada a
batalhas e amores, consolidada por laços culturais. Antes que Pedro Álvares
Cabral desembarcasse aqui, os franceses já frequentavam estas terras tropicais
para extrair bateladas de pau-brasil. Enquanto espanhóis e portugueses, no
século XVI, se dedicavam ao processo “civilizatório” dos nativos a partir da
cristianização, os franceses (e os holandeses) se empenhavam em planos mais
refinados.
O primeiro começou a ser implantado em 1555,
com a fundação da França Antártica na baía de Guanabara, onde desembarcaram
André Thevet (1534-1611) e Nicolas Durant de Villegagnon (1510-1571). Uma
demonstração do bom gosto francês. Thevet escreveu a “História de uma viagem
feita à terra do Brasil”, que se tornou um sucesso editorial – em cem anos teve
sete edições em francês e algumas em latim. Os tupinambás caíram de amores pelo
charme francês. E os franceses, pelas nativas. Belas e liberais. Afinal, ao
contrário dos portugueses que os escravizavam, os franceses os tratavam bem e
logo formaram uma aliança que rendeu muitos embates para os lusitanos.
O segundo plano foi a implantação em 1612 da
França Equinocial, no Maranhão, e que resultou na fundação da cidade de São
Luís. A expedição francesa foi comandada por Daniel de La Touche. Mais uma vez
a aventura rendeu boa literatura: os padres capuchinhos Claude d’Abeville e
Yves d’Evreux escreveram dois livros importantes – o primeiro, “História dos
padres capuchinhos na Ilha do Maranhão e terras circunvizinhas” e o segundo,
“Viagem ao Norte do Brasil feita nos anos de 1613 e 1614”.
É difícil imaginar que o Brasil deve muito a
Napoleão Bonaparte (1769-1821). Quando as tropas francesas ameaçaram a
soberania portuguesa, o príncipe João reuniu a corte e parte da real biblioteca
portuguesa e, numa moderna arca de Noé, mudou de Lisboa para Salvador; porém,
logo mudou para o Rio de Janeiro. Na solidão dos trópicos, ele se tornou rei:
D. João VI. Com a queda de Napoleão, restabeleceram-se as relações comerciais
com a França e por que não convidar um punhado de ilustres franceses para
abrilhantar a corte?
O grupo que desembarcou no Rio em março de
1816 era mais poderoso do que o encabeçado por Thevet e Villegagnon – vinha
para conquistar corações e mentes. A missão francesa, organizada e chefiada por
Joachim Lebreton (1760-1819), era composta pelos pintores Jean-Baptiste Debret
e Nicolas-Antoine Taunay e o filho Félix, ainda aprendiz; arquiteto Auguste
Montigny e seus assessores Charles Lavasseur e Louis Ueier; escultor Auguste-Marie
Taunay; músico Sigismund Neukomm; gravador Charles-Simon Pradier; mecânico
François Ovide; ferreiro Jean-Baptiste Leve; serralheiro Nicolas Magliori
Enout. Vieram também dois peleteiros – Pelite e Fabre; dois carpinteiros –
Louis-Jean Roy e o filho Hypollite. Alguns meses depois vieram o escultor Marc
Ferrez e o gravador Zéphyrin Ferrez. O resultado da missão francesa foi bastante
positivo e teve reflexos na formação dos artistas brasileiros mais importantes
dos anos que se seguiram.
No século XX, nova leva de franceses
invadiria o Brasil, mais precisamente São Paulo. Em 1906 o governo paulista fez
um acordo com a França para a reformulação da Força Pública, o que deu origem à
Missão Militar Francesa de Instrução da Força Pública, comandada
pelo coronel Paulo Balagny. O militar ministrou o primeiro curso de armeiro do
estado, foi responsável pela introdução oficial no Brasil do boxe, esgrima e
ginástica sueca. A missão atuou entre 1906 e 19014 e 1919 e 1924.
São Paulo perdeu a guerra Constitucionalista
em 1932, mas venceu politicamente quando Vargas cedeu e indicou para presidência
do estado Armando de Salles Oliveira que investiu na criação da Universidade de
São Paulo (USP) porque, na percepção do grupo constitucionalista do qual ele
fazia parte, o desenvolvimento seria alcançado por meio da educação. “De São Paulo não sairão mais guerras civis
anárquicas, e, sim, 'uma revolução intelectual e científica', suscetível de
mudar as concepções econômicas e sociais dos brasileiros”, nas palavras de
Sérgio Milliet (1898-1966). Assim, o
governo paulista não investiu em projeto privado, mas público e, portanto,
democrático. A USP foi fundada em 1934.
Como desenvolver essa universidade? Mais uma
vez a inspiração foi a França de onde vieram o etnógrafo Claude Lévi-Strauss
(1908-2009), o historiador Fernand Braudel (1902-1995) e o sociólogo Roger
Bastide (1898-1974), responsáveis pela formação de grandes pesquisadores,
professores e intelectuais brasileiros. A USP, atualmente, é a mais importante
universidade do país.
Mas foi em meados do século passado que um
francês alto e narigudo deixou os brasileiros bem aborrecidos. Tudo começou em
1961, quando barcos pesqueiros franceses invadiram águas territoriais
brasileiras em busca de lagostas, gerando um incidente internacional. Franceses
e brasileiros indignados. Os dois países mobilizaram suas forças navais, o
presidente Charles de Gaulle (1890-1970) empinou o nariz e decretou que “o
Brasil não é um país sério”. E logo apareceu “A Marcha da Lagosta”, uma paródia
do hino francês:
Larga esta lagosta
![]() |
O Rio de Debret. |
Nenhum comentário:
Postar um comentário