quinta-feira, 13 de julho de 2017

BRASIL FRANCÊS

França e Brasil têm uma história regada a batalhas e amores, consolidada por laços culturais. Antes que Pedro Álvares Cabral desembarcasse aqui, os franceses já frequentavam estas terras tropicais para extrair bateladas de pau-brasil. Enquanto espanhóis e portugueses, no século XVI, se dedicavam ao processo “civilizatório” dos nativos a partir da cristianização, os franceses (e os holandeses) se empenhavam em planos mais refinados.
Villegaignon,  Mural de Oswaldo Carvalho,
 Palácio de São Joaquim (RJ).
O primeiro começou a ser implantado em 1555, com a fundação da França Antártica na baía de Guanabara, onde desembarcaram André Thevet (1534-1611) e Nicolas Durant de Villegagnon (1510-1571). Uma demonstração do bom gosto francês. Thevet escreveu a “História de uma viagem feita à terra do Brasil”, que se tornou um sucesso editorial – em cem anos teve sete edições em francês e algumas em latim. Os tupinambás caíram de amores pelo charme francês. E os franceses, pelas nativas. Belas e liberais. Afinal, ao contrário dos portugueses que os escravizavam, os franceses os tratavam bem e logo formaram uma aliança que rendeu muitos embates para os lusitanos. 
O segundo plano foi a implantação em 1612 da França Equinocial, no Maranhão, e que resultou na fundação da cidade São Luís. A expedição francesa foi comandada por Daniel de La Touche. Mais uma vez a aventura rendeu boa literatura: os padres capuchinhos Claude d’Abeville e Yves d’Evreux escreveram dois livros importantes – o primeiro, “História dos padres capuchinhos na Ilha do Maranhão e terras circunvizinhas” e o segundo, “Viagem ao Norte do Brasil feita nos anos de 1613 e 1614”.
É difícil imaginar que o Brasil deve muito a Napoleão Bonaparte (1769-1821). Quando as tropas francesas ameaçaram a soberania portuguesa, o príncipe João reuniu a corte e parte da real biblioteca portuguesa e, numa moderna arca de Noé, mudou de Lisboa para Salvador; porém, logo mudou para o Rio de Janeiro. Na solidão dos trópicos, ele se tornou rei: D. João VI. Com a queda de Napoleão, restabeleceram-se as relações comerciais com a França e por que não convidar um punhado de ilustres franceses para abrilhantar a corte?
Debret:
O grupo que desembarcou no Rio em março de 1816 era mais poderoso do que o encabeçado por Thevet e Villegagnon – vinha para conquistar corações e mentes. A missão francesa, organizada e chefiada por Joachim Lebreton (1760-1819), era composta pelos pintores Jean-Baptiste Debret e Nicolas-Antoine Taunay e o filho Félix, ainda aprendiz; arquiteto Auguste Montigny e seus assessores Charles Lavasseur e Louis Ueier; escultor Auguste-Marie Taunay; músico Sigismund Neukomm; gravador Charles-Simon Pradier; mecânico François Ovide; ferreiro Jean-Baptiste Leve; serralheiro Nicolas Magliori Enout. Vieram também dois peleteiros – Pelite e Fabre; dois carpinteiros – Louis-Jean Roy e o filho Hypollite. Alguns meses depois vieram o escultor Marc Ferrez e o gravador Zéphyrin Ferrez. O resultado da missão francesa foi bastante positivo e teve reflexos na formação dos artistas brasileiros mais importantes dos anos que se seguiram.
No século XX, nova leva de franceses invadiria o Brasil, mais precisamente São Paulo. Em 1906 o governo paulista fez um acordo com a França para a reformulação da Força Pública, o que deu origem à Missão Militar Francesa de Instrução da Força Pública, comandada pelo coronel Paulo Balagny. O militar ministrou o primeiro curso de armeiro do estado, foi responsável pela introdução oficial no Brasil do boxe, esgrima e ginástica sueca. A missão atuou entre 1906 e 19014 e 1919 e 1924.
São Paulo perdeu a guerra Constitucionalista em 1932, mas venceu politicamente quando Vargas cedeu e indicou para presidência do estado Armando de Salles Oliveira que investiu na criação da Universidade de São Paulo (USP) porque, na percepção do grupo constitucionalista do qual ele fazia parte, o desenvolvimento seria alcançado por meio da educação. “De São Paulo não sairão mais guerras civis anárquicas, e, sim, 'uma revolução intelectual e científica', suscetível de mudar as concepções econômicas e sociais dos brasileiros”, nas palavras de Sérgio Milliet (1898-1966). Assim, o governo paulista não investiu em projeto privado, mas público e, portanto, democrático.  A USP foi fundada em 1934.
Como desenvolver essa universidade? Mais uma vez a inspiração foi a França de onde vieram o etnógrafo Claude Lévi-Strauss (1908-2009), o historiador Fernand Braudel (1902-1995) e o sociólogo Roger Bastide (1898-1974), responsáveis pela formação de grandes pesquisadores, professores e intelectuais brasileiros. A USP, atualmente, é a mais importante universidade do país.
Mas foi em meados do século passado que um francês alto e narigudo deixou os brasileiros bem aborrecidos. Tudo começou em 1961, quando barcos pesqueiros franceses invadiram águas territoriais brasileiras em busca de lagostas, gerando um incidente internacional. Franceses e brasileiros indignados. Os dois países mobilizaram suas forças navais, o presidente Charles de Gaulle (1890-1970) empinou o nariz e decretou que “o Brasil não é um país sério”. E logo apareceu “A Marcha da Lagosta”, uma paródia do hino francês:

Larga esta lagosta
Deixa de areia
Senão vai dar coisa feia
Faço uma proposta pra você (pour quoi?)
Faço um acordo de irmão
Traga uma francesa pra mim
E leve tudo, leve até o camarão.

Outra paródia:

Você pensa que lagosta é peixe?
Lagosta não é peixe, não!
Peixe é bicho que nada,
Crustáceo não nada, não!
Pode faltar tudo ao brasileiro:
Arroz, feijão e pão.
Mas a lagosta é nossa,
De Gaulle não bota a mão.
Pode mandar vaso de guerra,
Disto até acho graça:
Por causa da lagosta,
Até eu vou sentar praça.

A imprensa tratou de criar a famosa guerra da lagosta, que na verdade nunca houve.
Et vive la France! E viva o Brasil!

 Semana francesa.

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