LEITURA
Na
Victoria Station, em Londres, embarco no trem com destino a Dover e de lá para
Calais a fim de tomar o trem para Paris onde passarei para o Expresso Oriente.
A rota exótica promete ser imprevisível: o trem cortará a Europa até Istambul
com destino à Ásia, passando por Ancara, Teerã, Cabul... Bem, trata-se
de uma viagem literária que faço conduzida por Paul Theroux (1941), pois não
teria condições financeiras para uma empreitada – mesmo de trem – de ida e para
a Ásia volta por trajetos diferentes.
Professor
de Literatura Inglesa e escritor, Paul Theroux conta com maestria a viagem que
ele fez em 1975 em seu livro “O Grande Bazar Ferroviário – De trem para a
Ásia”. Nada de roteiros de viagens, com indicações do que fazer, onde comer ou
o que ver. “A viagem é a meta em si.” – escreve ele citando Michael Frayan
(1933), que por sua vez parafraseia Marshall McLuhan (1911-1980).
Theroux
adora trens (eu também) e ele narra a viagem de ida e volta para a Ásia por
rotas distintas, retratando viajantes e suas diferentes culturas, pintando as
paisagens e contando histórias saborosas de suas andanças por lugares pouco
conhecidos em busca de uma passagem de trem, suas esperas em estações nos locais
mais improváveis ou descrevendo as populações que vivem à margem das ferrovias.
Seus eventuais companheiros de viagem parecem saltar de contos de ficção. Falam
de sonhos, frustrações, do cotidiano, de sexo e de política. Ou não falam,
apenas aparecem e ficam ao seu lado. A passagem pelo Vietnã parece ter
desconcertado o americano, afinal, as tropas dos EUA haviam se retirado no ano
anterior. Se a beleza do país o comove, a destruição física e moral a que os
norte-americanos levaram o país o chocam profundamente.
Minha
primeira viagem de trem aconteceu no verão de 1960, quando minha avó Maria Luíza
me levou para um passeio por Minas Gerais. Naquela época, a Central do Brasil
já estava decadente. Experiência inesquecível. As janelas amplas eram uma tela
em contínua mudança; nos corredores do vagão, os passageiros se movimentavam em
todas as direções e se renovavam também a cada parada. Uma agradável sensação
de pertencer a um lugar e esse lugar ir a outros lugares. O prazer da viagem de
trem deixou marcas profundas. Voltei a subir num trem no verão de 1975,
novamente para Minas; mas no inverno de 1983, o destino foi Corumbá, onde
passei a pé para Porto Suarez, na Bolívia, para pegar o “trem da morte”, numa
viagem que lembra um pouquinho as aventuras de Theroux em alguns países
asiáticos. Trem bom mesmo (como dizem nossos vizinhos mineiros) só conheci na
Europa em 1993 e, atualmente, são muito melhores.
Como
diz o escritor americano “(...) as ferrovias são irresistíveis bazares,
serpenteando perfeitamente nivelados qualquer que seja a paisagem, melhorando
seu estado de ânimo com sua velocidade sem jamais derramar seu drinque. O trem
pode inspirar segurança em lugares muito desagradáveis – muito diferente dos
suores de pânico provocados pelos aviões, do odor nauseabundo dos ônibus de
longa distância, ou da paralisia que aflige os passageiros de automóveis. Se um
trem é grande e confortável, pouco importa seu destino: um assento num canto
basta e você pode ser um daqueles viajantes que permanecem em movimento em cima
dos trilhos, e nunca chegam nem sentem que precisam chegar – como aquele homem
de sorte que passa a vida nos trens da ferrovia italiana porque é aposentado e
tem um passe livre”.
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