sexta-feira, 1 de janeiro de 2016

LEITURA
Na Victoria Station, em Londres, embarco no trem com destino a Dover e de lá para Calais a fim de tomar o trem para Paris onde passarei para o Expresso Oriente. A rota exótica promete ser imprevisível: o trem cortará a Europa até Istambul com destino à Ásia, passando por Ancara, Teerã, Cabul... Bem, trata-se de uma viagem literária que faço conduzida por Paul Theroux (1941), pois não teria condições financeiras para uma empreitada – mesmo de trem – de ida e para a Ásia volta por trajetos diferentes.
Professor de Literatura Inglesa e escritor, Paul Theroux conta com maestria a viagem que ele fez em 1975 em seu livro “O Grande Bazar Ferroviário – De trem para a Ásia”. Nada de roteiros de viagens, com indicações do que fazer, onde comer ou o que ver. “A viagem é a meta em si.” – escreve ele citando Michael Frayan (1933), que por sua vez parafraseia Marshall McLuhan (1911-1980).
Theroux adora trens (eu também) e ele narra a viagem de ida e volta para a Ásia por rotas distintas, retratando viajantes e suas diferentes culturas, pintando as paisagens e contando histórias saborosas de suas andanças por lugares pouco conhecidos em busca de uma passagem de trem, suas esperas em estações nos locais mais improváveis ou descrevendo as populações que vivem à margem das ferrovias. Seus eventuais companheiros de viagem parecem saltar de contos de ficção. Falam de sonhos, frustrações, do cotidiano, de sexo e de política. Ou não falam, apenas aparecem e ficam ao seu lado. A passagem pelo Vietnã parece ter desconcertado o americano, afinal, as tropas dos EUA haviam se retirado no ano anterior. Se a beleza do país o comove, a destruição física e moral a que os norte-americanos levaram o país o chocam profundamente.
Minha primeira viagem de trem aconteceu no verão de 1960, quando minha avó Maria Luíza me levou para um passeio por Minas Gerais. Naquela época, a Central do Brasil já estava decadente. Experiência inesquecível. As janelas amplas eram uma tela em contínua mudança; nos corredores do vagão, os passageiros se movimentavam em todas as direções e se renovavam também a cada parada. Uma agradável sensação de pertencer a um lugar e esse lugar ir a outros lugares. O prazer da viagem de trem deixou marcas profundas. Voltei a subir num trem no verão de 1975, novamente para Minas; mas no inverno de 1983, o destino foi Corumbá, onde passei a pé para Porto Suarez, na Bolívia, para pegar o “trem da morte”, numa viagem que lembra um pouquinho as aventuras de Theroux em alguns países asiáticos. Trem bom mesmo (como dizem nossos vizinhos mineiros) só conheci na Europa em 1993 e, atualmente, são muito melhores. 
Como diz o escritor americano “(...) as ferrovias são irresistíveis bazares, serpenteando perfeitamente nivelados qualquer que seja a paisagem, melhorando seu estado de ânimo com sua velocidade sem jamais derramar seu drinque. O trem pode inspirar segurança em lugares muito desagradáveis – muito diferente dos suores de pânico provocados pelos aviões, do odor nauseabundo dos ônibus de longa distância, ou da paralisia que aflige os passageiros de automóveis. Se um trem é grande e confortável, pouco importa seu destino: um assento num canto basta e você pode ser um daqueles viajantes que permanecem em movimento em cima dos trilhos, e nunca chegam nem sentem que precisam chegar – como aquele homem de sorte que passa a vida nos trens da ferrovia italiana porque é aposentado e tem um passe livre”.


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