domingo, 24 de julho de 2016

ACHADOS NA ESTANTE
Arrumar estantes de livros é um problema. Agradável, mas em geral demora dias. Tudo porque acabo encontrando meio escondido nas últimas fileiras um amigo que não via fazia tempo; outro de que quase me esquei e alguns que esperam este encontro com a paciência que só eles têm. Assim paro para ler, reler ou folhear os livros, o que torna a tarefa mais suave, porém, sem data definida para terminar. Foi assim que reencontrei estas afirmações que transcrevo, propondo até uma adivinhação: você conhece o autor delas?  
I - “Na verdade (...), nada me agrada tanto como praticar com pessoas de idade; pois as considero como viajantes que percorreram um longo caminho, o qual eu talvez tenha de percorrer também. Por isso acho necessário informar-me com elas se a estrada é lisa e fácil ou áspera e cheia de dificuldades.”  
Cézanne: autorretrato.
II – “Os homens da minha idade reúnem-se muitas vezes; somos pássaros da mesma plumagem, como diria o velho provérbio; e nessas reuniões o tom geral da conversa é: não posso comer, não posso beber; lá se foram os prazeres da mocidade e do amor; outrora se vivia bem, mas isso já passou e a vida já não é a vida. Alguns se queixam das desconsiderações que recebem dos próprios parentes e desfiam tristemente a cantilena de todos os males que a velhice lhes traz. Mas quer me parecer (...) que essas pessoas culpam a quem realmente não é culpado. Porque se a velhice fosse a causa eu, que também sou velho, e todos os demais que o são sofreríamos a mesma coisa. (...).  A verdade é que essas queixas, bem como as que são feitas contra parentes, devem ser atribuídas à mesma causa; e esta não é a velhice, e sim o caráter dos homens; pois aquele que tem um natural tranquilo e bem humorado não sentirá o peso dos anos, e ao que não é assim não só a velhice, mas a própria juventude é pesada.”
Este é um diálogo entre Sócrates (469-399 a.C.) e seu anfitrião em ceia que antecede um festival, narrado por Platão (428-348 a.C) em A República. E acreditamos que o mundo mudou...


Platão – Diálogos – A República, tradução de Leonel Vallandro. Coleção Universidade.


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