ACHADOS NA ESTANTE
Arrumar estantes de livros é um problema. Agradável, mas em geral demora
dias. Tudo porque acabo encontrando meio escondido nas últimas fileiras um
amigo que não via fazia tempo; outro de que quase me esquei e alguns que
esperam este encontro com a paciência que só eles têm. Assim paro para ler,
reler ou folhear os livros, o que torna a tarefa mais suave, porém, sem data
definida para terminar. Foi assim que reencontrei estas afirmações que
transcrevo, propondo até uma adivinhação: você conhece o autor delas?
I - “Na verdade
(...), nada me agrada tanto como praticar com pessoas de idade; pois as
considero como viajantes que percorreram um longo caminho, o qual eu talvez
tenha de percorrer também. Por isso acho necessário informar-me com elas se a
estrada é lisa e fácil ou áspera e cheia de dificuldades.”
Cézanne: autorretrato. |
II – “Os homens
da minha idade reúnem-se muitas vezes; somos pássaros da mesma plumagem, como
diria o velho provérbio; e nessas reuniões o tom geral da conversa é: não posso
comer, não posso beber; lá se foram os prazeres da mocidade e do amor; outrora
se vivia bem, mas isso já passou e a vida já não é a vida. Alguns se queixam
das desconsiderações que recebem dos próprios parentes e desfiam tristemente a
cantilena de todos os males que a velhice lhes traz. Mas quer me parecer (...)
que essas pessoas culpam a quem realmente não é culpado. Porque se a velhice
fosse a causa eu, que também sou velho, e todos os demais que o são sofreríamos
a mesma coisa. (...). A verdade é que
essas queixas, bem como as que são feitas contra parentes, devem ser atribuídas
à mesma causa; e esta não é a velhice, e sim o caráter dos homens; pois aquele
que tem um natural tranquilo e bem humorado não sentirá o peso dos anos, e ao
que não é assim não só a velhice, mas a própria juventude é pesada.”
Este é um
diálogo entre Sócrates (469-399 a.C.) e seu anfitrião em ceia que antecede um
festival, narrado por Platão (428-348 a.C) em A República. E acreditamos que o mundo mudou...
Platão – Diálogos – A República, tradução de
Leonel Vallandro. Coleção Universidade.
Nenhum comentário:
Postar um comentário