quarta-feira, 27 de julho de 2016

CENDRARS E O BRASIL
                             
Basta folhear um livro sobre a produção intelectual do início do século XX para encontrar o nome de Blaise Cendrars, escritor, poeta, designer e, principalmente, viajante. Cendrars é o pseudônimo de Frédéric Louis Saucer, nascido na Suíça em 1887. A primeira viagem foi em 1906 com destino a Moscou e depois rumou para a China, retornando depois à Suíça para frequentar a universidade. Em 1911 viajou para Nova York e em 1912 instalou-se em Paris, onde lançou o livro “Os homens novos” e em seguida “Páscoa em Nova York”, um poema de 30 páginas, em que anuncia o modernismo.
Cendrars se naturalizou francês em 1916, foi voluntário na Legião Estrangeira, durante a I Guerra Mundial (1914-1918) e perdeu o braço direito. Na Paris fervilhante dos anos de 1920, conheceu Tarsila do Amaral e Oswald de Andrade. Tornaram-se amigos e é impossível deixá-lo de fora da história do modernismo brasileiro.
Parece até conta de mentiroso, mas ele visitou o Brasil sete vezes. Apaixonou-se pelo país tropical e pelas possibilidades que ele oferecia. O texto abaixo é um excerto da narrativa da sua viagem ao Brasil em 1924, patrocinada por Paulo Prado. Cendrars descreve a chegada ao porto de Santos. 

 A bombordo

O porto
Nenhum ruído de máquina nenhum assobio nenhuma sirena
Nada se mexe nenhum homem à vista
Nenhuma fumaça sobe nenhum penacho de vapor
Insolação de um porto inteiro
Nada mais do que o sol cruel e o calor que cai do céu e que sobe da água um calor alucinante
Nada se mexe
No entanto aqui existe uma cidade atividade uma indústria
Vinte e cinco cargueiros de dez nações diferentes estão no cais carregando café
Duzentas gruas trabalham silenciosamente
(De binóculo se percebem os sacos de café que viajam sobre tapetes rolantes e elevadores contínuos
A cidade está escondida atrás de hangares achatados e grandes depósitos retilíneos de metal ondulado)
Nada se mexe
Esperamos horas
Ninguém vem
Nenhuma barca deixa a costa
Nosso navio parece derreter a cada minuto e afundar lentamente no calor espesso e balançar e ir a pique



“ETC... ETC... (Um livro 100% brasileiro)”, do suíço Blaise Cendrars (nascido Frédéric Louis Saucer, 1887-1961). O texto faz parte da descrição da chegada dele a Santos nos anos vinte do século passado. 

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