quinta-feira, 29 de setembro de 2016

QUEM É QUEM?

Você vai caminhando pelo Pacaembu e tropeça com um misterioso Wendel Wikie. Ou em uma esquina da Praça da República se depara com um solitário Araújo. Quem serão essas pessoas que mereceram ter seus nomes em ruas da cidade? Dar nomes de pessoas a logradouros públicos é uma escolha de péssimo gosto exceto quando se trata de heróis nacionais e locais; porém, como esta é uma opção nacional, poderia ser pelo menos educativa ou informativa. As placas deveriam conter uma pista sobre a identidade do cidadão porque a fama é efêmera e, quase sempre a geração seguinte não tem ideia da importância daquele nome que ele coloca (ainda) em envelopes ou serve de referência para sua movimentação pela cidade. 
O ideal é que abaixo da identificação do logradouro se colocasse nome completo, data de nascimento e morte, no que se destacou o personagem: político, escritor, médico, advogado futebolista, atleta etc. No Rio de Janeiro observei várias placas com esse sistema.
Wendel Wikie (1892-1944), por exemplo, foi um político republicano dos Estados Unidos, que perdeu as eleições presidenciais de 1940 para Franklin D. Roosevelt. O presidente encarregou-o de uma missão diplomática cujo resultado originou o livro “One World”, que se tornou um best seller. Os vereadores paulistanos na época atribuíram-lhe uma praça.
O Araújo da Vila Buarque é Luís José Ferreira de Araújo (1841-1876), um capixaba que se radicou em São Paulo depois de se formar em Direito no Largo de São Francisco; ele foi político e proprietário de terras. Casou-se com Joaquina Angélica da Silva, filha do primeiro e único barão de Tietê, José Manuel da Silva (1793-1877), que presidiu interinamente por três vezes a Província de São Paulo. A rua com o nome dele está situada em terras que lhe pertenceram. (Fonte: Dicionário de ruas de São Paulo, Arquivo Público de São Paulo.)

Bom mesmo é passar por ruas como a Boa Vista (Centro), das Flores (Sé), dos Perdões (aclimação), Poesia, Ametista (Liberdade), Saturno (Aclimação), Sol (Tremembé) Pitangas (Vila Maria), Poeta Aprendiz (Cidade Ademar), das Orquídeas (Perus) entre tantas outras. Há bairros quase temáticos. Pedras preciosas, por exemplo, encontram-se nas ruas da Aclimação; aves em Indianópolis; madeiras, no Jabaquara; muitos heróis de 1932 estão no Butantã (MMDC – Martins, Miragaia, Dráuzio e Camargo). E assim a cidade vive!


  
O bom exemplo carioca.


quarta-feira, 28 de setembro de 2016

PASSEIO PAULISTANO

Às vezes tudo dá errado, mas acaba de forma perfeita. Queria ir à Avenida Mercúrio, mas acabei do lado oposto, nas imediações do Parque D. Pedro II. O jeito é caminhar. Um taxista me diz que devo seguir o gradil depois da banca de jornal, pois é logo à frente a passagem para a tal avenida. Depois da banca não há sinal de gradil, mas sigo na direção indicada e me vejo em meio à zona cerealista do mercado. Uma mistura estranha de odores – cebolas, abacaxis, cenouras, batatas e os miasmas do rio Tamanduateí etc. Lá vem um rapaz puxando um carrinho transbordando de jaca, desviando aqui e ali de caixotes, pedestres e sacos de lixo. Difícil acreditar que ali é a Avenida do Estado.
Enfim, alcanço a Avenida Mercúrio, o gradil e o canal fétido em que transformaram o antigo rio... Chego ao Palácio das Indústrias onde funciona o Museu Catavento (em bom português: cata-vento). Oh! Céus! Está lotado de crianças. As escolas públicas vêm desenvolvendo um importante programa de visitas a museus e galerias de arte. E o Museu Catavento é perfeito para um dia especial de aprendizado e diversão. Fui pelo invólucro (arquitetura) e gostei muito do conteúdo (as quatro seções – Universo, Vida, Engenho e Sociedade).
A volta é mais longa, com direito a uma Heiken no Mercado para garantir o fôlego e enfrentar o mar de gente que se movimenta pela ladeira Porto Geral ávida por uma boa compra na Rua 25 de Março e adjacências. Na calçada abarrotada de vendedores de quinquilharia, acabo me refugiando na velha Igreja Ortodoxa Antioquina da Anunciação de Nossa Senhora onde bato um ligeiro papo com o rapaz que cuida do templo gracioso e discreto naquela babel paulistana. Uma terça-feira e tanto!
 
Uma paisagem enganosa. No fundo o centro histórico.

Palácio das Indústrias.
  
Era uma vez um rio...

Igreja Ortodoxa Antiioquina.



Endereço: Av. Mercúrio, s.n.
Horário: das 9 às 16h (permanência até 17h).
Ingresso: R$ 6. Estudantes, aposentados e idosos: R$ 3. Aos sábados, gratuito para todos.

Estacionamento: R$ 10 por até 4 horas.

domingo, 25 de setembro de 2016

PINTURA E HUMOR

Nunca deixe os rapazes sozinhos em casa!

Os fumadores, obra do pintor flamengo David Teniers, o Jovem (1610-1690),



sexta-feira, 23 de setembro de 2016


COZINHEIRO NACIONAL

Os programas de culinária na TV fazem sucesso porque praticamente vários canais têm um de acordo com a audiência – popular ou sofisticada. E todos impulsionam a indústria alimentícia, vendendo de forma velada ou explícita produtos culinários ou utensílios de cozinha. Na telinha, Olivier Anquier a bordo de um fusca (re)descobriu a nossa culinária tradicional, um retrato da miscigenação que resultou na cultura brasileira.
Nesse cenário nada é mais irritante do que mestres-cucas de estúdio que dizem bowl ou fouet para lá e para cá. Abaixo o pedantismo. Eu prefiro usar mesmo tigelas e batedores. É muito entediante quando tentam contar histórias sobre pratos que elaboram, esbanjando no diet ou light. Especialmente depois que se conhece a obra de Câmara Cascudo (1898-1986) ou de Gilberto Freyre (1900-1987) sobre alimentação. O folclorista e o sociólogo deitam e rolam no tema.
Feijoada, leitão pururuca, moquecas, vatapá, arroz de carreteiro, tacacá, baião de dois, sururu... Quem não provou ou pelo menos ouviu falar dessas iguarias? Mas no princípio as coisas eram bem diferentes.
O Cozinheiro Nacional foi primeiro livro a reunir pratos e quitutes elaborados apenas com bichos e frutas das matas brasileiras. A obra publicada em meados do século XIX é atribuída a Paulo Salles, que trabalhava na Editora Garnier, no Rio de Janeiro. Freyre conta que o naturalista inglês Hasting Charles Dent (1855-1909), que esteve no Brasil coletando plantas e insetos, leu o livro e se surpreendeu com a quantidade de receitas exóticas de assados e guisados de toda espécie de bicho brasileiro. A obra também assombrou o médico e etnólogo alemão Karl Von den Steinen (1855-1929), que viajou pelo Brasil.
Hoje quem se aventurasse a provar a maioria daquelas receitas teria sérios problemas com o IBAMA e ambientalistas em geral, porque quase toda a bicharada citada está sob as leis de proteção ambiental. Felizmente. O consumo da carne de alguns animais é até compreensível em uma época em que os alimentos eram escassos e a caça ainda uma alternativa para a sobrevivência.  
Cascudo relaciona e comenta algumas receitas publicadas no livro e entre elas destacam-se: macaco cozido com bananas; irara, onça e tamanduá assados; cobra frita; anum assado ou ensopado; caramujos recheados e tanajura frita. Da minha infância, lembro-me de uma amiga da família, que vivera no Amazonas, contando sobre a popularidade da carne de macaco na região. A simples ideia para mim já é repugnante.
Anchieta (1534-1597) apreciava carne de tamanduá; o entomólogo inglês Henry Walter Bates (1825-1892), que esteve pelo Brasil, provou e achou que parecia com carne de ganso. Cobra frita é um prato muito apreciado, segundo Câmara Cascudo e “é a (carne) da cascavel a mais delicada e eficaz”. Interessante é o caso da receita de anum, ave que vive de carrapatos e cheira muito mal, mas o atrativo desse prato é a superstição: “para conquistar a moça amada, comer coração de anum”.
Tanajura (a fêmea da saúva) frita é prato de paulista e que lhe valeu muita zombaria; porém, quem provou da iguaria diz que o gosto assemelha-se ao do camarão. “Quase todos os naturalistas que visitaram o Brasil no século XIX provaram a tanajura com gabos” – afirma o folclorista. O pitéu era comum também em outros estados.

 
                          

“Tradições de família” de Morgan Weisting (1964), um pintor californiano que se tornou conhecido por reproduzir cenas do cotidiano dos pioneiros norte-americanos.
 









"Cozinha de roça", do mineiro Rui de Paula (1961).

quinta-feira, 22 de setembro de 2016

POETAS E PRIMAVERA 

PRAÇA DA SÉ.

VELHAS ÁRVORES
Olha estas velhas árvores, mais belas
Do que as árvores moças, mais amigas,
Tanto mais belas quanto mais antigas,
Vencedoras da idade e das procelas...
O homem, a fera e o inseto, à sombra delas
Vivem, livres da fome e de fadigas:
E em seus galhos abrigam-se as cantigas
E os amores das aves tagarelas.
Não choremos, amigo, a mocidade!
Envelheçamos rindo. Envelheçamos
Como as árvores fortes envelhecem,
Na glória de alegria e da bondade,
Agasalhando os pássaros nos ramos,
Dando sombra e consolo aos que padecem!
Olavo Bilac

CHUVA DE PRIMAVERA

Vê como se atraem
nos fios os pingos frios!
E juntam-se. E caem.
Guilherme de Almeida. (Haikai)


SEGUE O TEU DESTINO
Segue o teu destino,
Rega as tuas plantas,
Ama as tuas rosas.
O resto é a sombra
De árvores alheias (...)
Fernando Pessoa

sábado, 17 de setembro de 2016

CASA DE MÁRIO

CASA DE MÁRIO
(Casas paulistanas)


“Na rua Aurora eu nasci
Na aurora de minha vida
E numa aurora cresci.

No largo do Paissandu
Sonhei, foi luta renhida,
Fiquei pobre e me vi nu.

Nesta rua Lopes Chaves
Envelheço, e envergonhado
Nem sei quem foi Lopes Chaves.

Mamãe! me dá essa lua,
Ser esquecido e ignorado
Como esses nomes da rua.”

       Joaquim Lopes Chaves nasceu em Jacareí (SP) em 15 de janeiro de 1833, era filho do barão de Santa Branca, comendador Francisco Alves Chaves e de Gertrudes Lopes Chaves. Formou-se em Direito no Largo de São Francisco, residiu em Taubaté, onde iniciou carreira política. Mas não foi a política que o tornou famoso em todo o Brasil, mas o fato de em 1916 ter seu nome atribuído a uma rua paulistana onde residiu um extraordinário morador que a cantaria em prosa e verso: Mário de Andrade (1893-1945).  
A rua do Bom Retiro já existia desde o final do século XIX, quando Mário nasceu, mas as casas de esquina datam da segunda década do século XX. A família Andrade morou na Rua Aurora (onde Mário nasceu) e no Paissandu. Em 1921 Maria Luísa de Andrade, a mãe de Mário, vendeu o imóvel do Paissandu e comprou as duas casas da Rua Lopes Chaves. Mário, tios e primos instalaram-se na casa da esquina (hoje nº 546). Ele só deixou a casa quando foi trabalhar no Rio de Janeiro (1938-1942) e como disse em uma crônica premonitória (por assim dizer) de 1931: "Saí desta morada que se chama ‘O Coração Perdido’ e de repente não existi mais".  
Mário de Andrade morreu na casa que tanto amava. Na tertúlia que organizava em 25 de fevereiro de 1945 subiu correndo as escadas em busca de alguma preciosidade para mostrar aos amigos, sentiu-se mal e nem houve tempo para socorro. Ele imprimiu sua personalidade à casa que se tornou um ponto de encontro de intelectuais. A ideia do mobiliário surgiu quando, folheando uma revista alemã, viu o trabalho do arquiteto Bruno Paul (1874-1968). Desenhou os móveis do escritório e mandou fazer em madeira de lei no Liceu de Artes e Ofícios.

Nunca foi rico, mas reuniu um acervo importante, afundando-se muitas vezes em dívidas para conseguir livros e obras de arte. A parte mais importante das coleções dele encontra-se no Instituto de Estudos Brasileiros da USP – manuscritos, biblioteca e coleção de artes visuais, além de peças do mobiliário e sua máquina de escrever. Depois de passar por restauro, a casa da Lopes Chaves foi reaberta ao público ano passado, quando se completaram 70 anos da morte do antigo morador. Para a ocasião foi organizada a exposição permanente “A morada do coração perdido”, com objetos pessoais. Particularmente tocante é a saleta onde se encontra o piano (belo) de candelabros. Na parede lateral externa da casa foi colocada uma silhueta de Mário de Andrade, baseada no desenho da artista norte-americana Beatrix Sherman (1894-1975), que se acha no IEB. O trabalho artesanal foi feito em chapa de metal, mede sete metros de altura e pesa 300 quilos.



Oficina Cultural Casa Mário de Andrade: Rua Lopes Chaves, 546 – Barra Funda
. Metrô: Estação Marechal Deodoro. Aberta de terça a sábado das 10 às 18 horas.
Entrada gratuita.



quinta-feira, 15 de setembro de 2016

MERCADO DE PINHEIROS

Nos últimos anos o Largo da Batata mudou muito. O nome popular tem origem na época em que comerciantes do interior vinham para São Paulo vender seus produtos no Mercado de Pinheiros, conhecido popularmente como “mercado dos caipiras”. Muitos preferiam expor os produtos na área próxima e daí logo surgiu o “largo da batata”. Naqueles tempos, o mercado de Pinheiros era na área em que hoje se esparrama a Avenida Faria Lima e foi inaugurado em 10 de agosto de 1910.
Com a expansão do bairro, o mercado foi transferido para novo endereço (Rua Pedro Cristi, 89) e começou a funcionar em 1º de março de 1971 e em 2006 sofreu uma reforma. O prédio atual simples, com arquitetura funcional, tem dois andares que abrigam 39 boxes, onde se encontram instalados empório, mercearia, quitanda, laticínios, açougue, peixaria, avícola e floricultura. Uma curiosidade: duas casas comercializam aves vivas (galinhas, faisões, patos, perus) além de porquinhos-da-índia e coelhos. Há também restaurantes (um de comida peruana) e lanchonetes – bastante disputados na hora do almoço, e um estacionamento gratuito com 60 vagas.

O Mercado funciona de segunda a sábado das 8 às 18 horas. Próximo da Estação Faria Lima do Metrô – Linha Amarela.
E por falar em mercado...
“Obra de arte” na calçada da Estação Paraíso do metrô. Um horror.


quarta-feira, 14 de setembro de 2016

HISTÓRIA E TURISMO

Colombo nunca chegou perto do que é hoje o território dos Estados Unidos, mas os espanhóis foram os primeiros exploradores do território, deixando uma trilha de violência e sangue contra a população nativa. Juan Ponce de León (1460-1521), que já acompanhara Colombo em uma de suas viagens ao Novo Mundo, foi o primeiro. Em 1513, aportou na Costa Rica de onde partiu em busca de terras e ouro ao norte do Caribe e foi nessa viagem que chegou à costa de “la Florida”. A procura pela famosa fonte da juventude é um dos mitos que os professores e guias turísticos insistem em reproduzir.

Em 1528 chegou à Florida Álvar Nuñez Cabeza de Vaca, aliás, um nome que os brasileiros conhecem (ou deveriam) porque também passou pelo sul do país a caminho de Assunção. A história de Cabeza de Vaca não deve nada à saga de Ulisses. Fazia parte da expedição de quinhentos homens comandada por Pánfilo de Narváes e da qual, após tornados, naufrágios e desencontros, sobraram apenas Cabeza de Vaca, Andrés Dorante, Allonso del Castillo e Estevan, um escravo mouro. Os quatro homens iniciaram a jornada na região que hoje corresponde a Tampa (Florida), percorrendo a pé e nus mais de dezoito mil quilômetros em direção à Cidade do México, passando pela baía de Pensacola, a região de New Orleans e do estado do Texas, atravessando o deserto de Coahuila.

Passaram fome, encontraram o apoio dos nativos, mas também foram escravizados por algumas tribos. A aventura transformou Álvar Cabeza de Vaca, que chegou ao México com a certeza de que os espanhóis deveriam tratar com respeito os indígenas. Consideraram-no louco. Voltou para a Espanha sob suspeita, escreveu um livro contando a odisseia e foi enviado à América do Sul anos depois com nova missão.

          Dessa aventura sobrou a lenda das Sete Cidades (Cíbola), que resultou em nova expedição para encontrar ouro. Sempre o ouro. Desta vez o enviado da Coroa espanhola foi Francisco Vázquez de Coronado (1510-1544). Ele também falhou em sua missão de encontrar ouro, afinal as sete cidades não passavam de lenda; mas percorreu o sudoeste dos Estados Unidos e foi um de seus homens, Garcia López de Cárdenas, quem descobriu o Grand Canyon. Os americanos construíram o Coronado National Memorial, em local em que o homenageado passou bem distante.


 A expedição de Coronado, óleo de Frederic Remington (1861-1909)












domingo, 11 de setembro de 2016

AS FEITICEIRAS



      Escolher, comprar, preparar, cozer e servir...
      O cotidiano visto pelos pintores:

Jean-Baptiste Chardin (1699- 1779) – francês.  
O retorno do mercado.

DEPOIS DA FEIRA*
Vão vagos pela estrada, 
Cantando sem razão
À última esperança dada
À última ilusão.
Não significam nada.
Mimos e bobos são.


Vão juntos e diversos
Sob um luar de ver,
Em que sonhos imersos
Nem saberão dizer,
E cantam aqueles versos
Que lembram sem querer.
Pajens de um morto mito,
Tão líricos!, tão sós!,
Não têm na voz um grito,
Mal têm a própria voz;
E ignora-os o infinito
Que nos ignora a nós.*
Fernando Pessoa


.Chardin Jean-Baptiste Chardin.   
Natureza morta com pera e perdiz.

Arrenego da perdiz
Depois que passa das dez.
(“Arrenegos”, de Gregório Afonso, um escudeiro português do século XV 
que, parece, vivia de mau humor). 

 Albert Anker (1831-1910) – suíço. 
Descascando batatas.

Morgan Weistling (1964) – americano.
Tradições de família.

Pehr Hilleström (1732-1816) – sueco. 
Mulher ao fogão.



 Anna Anker (1859-1935)  dinamarquesa. 
Moça na cozinha.


Diego Rodriguez Velásquez (1599-1560) - espanhol. 
Idosa fritando ovos.



 Almeida Jr. (1850- 1899) – brasileiro.
Cozinha da roça.

Vincent Van Gogh (1853-1890).
Os comedores de batata.




sábado, 10 de setembro de 2016

A IMPRENSA OFICIAL

Há 208 anos surgia “A Gazeta do Rio de Janeiro”, publicada pela Imprensa Régia, fundada por D. João VI; entretanto, em 1º de junho de 1808, o diplomata e jornalista Hipólito José da Costa (1774-1823) lançara o “Correio Braziliense ou “Armazem Literário”, que fora impresso em Londres e introduzido clandestinamente no Brasil. A publicação teve 175 edições, sendo a última de dezembro de 1823. 

Tela do pintor uruguaio F. Luis Mora (1874-1940).

quinta-feira, 8 de setembro de 2016

O GENOVÊS VIAJANTE
Cristóvão Colombo (1451-1506) partiu da Espanha em 1492 com destino às Índias e deu com os costados no continente que mais tarde seria denominado América. Situação bem diferente do falso perplexo Pedro Álvares Cabral que, como tudo indica, se pôs ao mar em 1500 para tomar posse em nome da coroa portuguesa das terras existentes desde lado do mundo, do que resultou a “descoberta do Brasil”. Afinal, em 1494, Portugal e Espanha haviam assinado o Tratado de Tordesilhas para dividir as “terras descobertas e por descobrir”.
Colombo morreu acreditando ter chegado às Índias. E mesmo morto continuou viajando entre o Velho e o Novo Mundo. O corpo dele foi enterrado em Valladolid, depois transladado para a Catedral de Sevilha; entretanto, a nora dele após ficar viúva de Diogo Colombo decidiu que ele deveria ser levado para Hispaniola junto com o corpo do filho que fora governador da ilha. Em 1795 Hispaniola passou para a França e os espanhóis levaram os despojos do genovês para Havana, onde permaneceram até a independência de Cuba em 1898. Nova mudança. Agora, o destino era a Catedral de Sevilha, onde construíram um belo monumento para Colombo.
A história, entretanto, estava longe de terminar.  Em 1877 descobriu-se na Catedral de Santo Domingo (República Dominicana) uma caixa de chumbo com os ossos do “ilustre y esclarecido varón Don Cristóbal Colón”. A polêmica arrasta-se até os dias atuais. No início do século passado, os dominicanos iniciaram um movimento para a construção de um monumento ao navegador e em 1931 instituíram um concurso internacional, vencido pelo estudante de arquitetura britânico Joseph Lea Gleaves. A construção levou décadas por causa das várias interrupções, mas a obra foi finalmente inaugurada para as comemorações dos 500 anos da chegada de Colombo ao Novo Mundo. Trata-se do Farol de Colombo cuja feiura é inquestionável, mas é lá que se encontra a tal caixa de chumbo.
Os espanhóis até tentaram acabar com a discussão e em 2003 fizeram testes de DNA em amostras dos restos depositados na Catedral de Sevilha e em amostras dos filhos de Colombo – Diogo e Fernando. Os resultados demonstraram que os restos mortais de Sevilha são do navegador. A República Dominicana nunca se interessou em descobrir se alguns dos ossos da caixa pertencem mesmo a Cristóvão Colombo. 

(Quando governou a ilha, Diogo Colombo construiu o Alcácer de Colombo, um palácio que pertenceu à família até 1577. Ainda existe, embora completamente descaracterizado, e é sede de um museu.)
Gravura idealiza do desembarque de Colombo no Novo Mundo.

terça-feira, 6 de setembro de 2016

         HISTÓRIA E TURISMO
          Durante uma viagem a Plymouth (Massachusetts) o jornalista norte-americano Tony Horwitz ficou surpreso com o nível de ignorância das pessoas sobre fatos históricos do próprio país. Plymouth foi o local onde o navio Mayflower aportou em 1620 e os peregrinos desembarcaram. Conversando com um guarda florestal, ele descobriu que muitas pessoas se surpreendem com a data, pois acham que os peregrinos chegaram à América em 1492 com Colombo. Apesar da réplica do navio inglês existente na baía, costumam perguntar se foi ali que as caravelas Santa Maria, Pinta e Niña aportaram.
         Horwitz estudou em escolas particulares, cursou uma universidade cara e especializou-se em História, como ele mesmo conta, entretanto, seus conhecimentos não iam muito além do básico. A descoberta motivou uma pesquisa sobre a ocupação da América que, na verdade, começou muito antes da chegada de Colombo, por volta do ano 1 000 da nossa era. “Como seria explorar esse Novo Mundo, não apenas em livros, mas em campo?” – perguntou-se Horwitz em determinado momento. Assim, ele iniciou uma jornada em busca da história dos primeiros europeus que desembarcaram neste outro lado do mundo até o desembarque dos peregrinos em Plymouth.
         O resultado dessa aventura está no livro “Uma longa e estranha viagem: rotas dos exploradores norte-americanos.” O livro é ótimo e divertido. O jornalista mescla as dificuldades da pesquisa que começou na Terra Nova, Canadá, onde procurou vestígios dos navegadores groenlandeses, com fatos históricos que ele vai alinhavando à medida que os separa das lendas.
         A versão americana da saga dos vikings refere-se a Leif Eiriksson (nada a ver com o ator de “Chaparral”, antigo mas nem tanto) e a versão groenlandesa trata de Bjarni Herjólfsson. O primeiro iniciou uma plantação de uvas e o outro com certeza não gostou da paisagem local; porém, é certo que eles foram os descobridores do Novo Mundo, pois em 1960 foi encontrado um sitio arqueológico com vestígios de uma aldeia viking em L’ Anse aux Meadows, na Terra Nova. A UNESCO reconhece o local como patrimônio da humanidade desde 1978.
A descrição que o jornalista faz da trilha dos vikings não incentiva viagens turísticas tanto pela paisagem inóspita quanto pela “simpatia” dos moradores locais; entretanto, as entrevistas, os fatos que ele recupera e as experiências pessoais – algumas desastradas, como a sauna índia em Conne River, povoado ao sul da ilha – tornam o livro muito agradável.
Quando terminou a pesquisa sobre os vikings, Horwitz iniciou um estudo sobre Colombo e sua herança antes de percorrer a rota do navegador genovês pela América Central. O jornalista encontrou 1.500 títulos relacionados a Cristóvão Colombo em várias línguas (agora deve haver bem mais); cerca de quarenta cidades, vilas e condados e duas capitais estaduais nos Estados Unidos (onde, aliás, ele nunca pisou) têm o seu nome, sem contar o Distrito de Columbia.
A nova jornada de Horwitz começou pela Hispaniola (Ilha Espanhola), hoje dividida entre Haiti e República Dominicana porque ninguém sabe em qual das setecentas ilhas das Bahamas Colombo desembarcou em 1492. O jornalista descartou Cuba por causa da dificuldade para uma excursão decidida com pouca antecedência e pelo fato de Colombo só ter passado ao largo da costa cubana. Como foi em Hispaniola que o navegador estabeleceu o primeiro posto avançado europeu na América (que ainda não tinha esse nome, claro), o jornalista comprou sua passagem para San Domingo. Continua.

Gravura de Theodore de Bry (séc.XVI/XVII).
Uma longa e estranha viagem: rota dos exploradores norte-americanosRio de Janeiro: Rocco, 2010. (A Voyage Long and Strange: rediscovering the New World) 

domingo, 4 de setembro de 2016

NAS SELVAS DO BRASIL
“Nas densas florestas tropicais do Rio de Janeiro, em outubro passado – primavera tropical – ouvi o canto de muitos pássaros que não pude identificar. O mais bonito de todos, porém, foi o de um sabiá da mata, de cor escura, que vivia próximo do chão, num tronco de madeira, mas que cantava no alto da ramada. À grande distância poder-se-ia ouvir a nota ressoante, demorada, musical, como de um sino, e de repassada ternura, que ele emitia no intervalo do canto. Pensei a princípio que tais notas fossem o próprio canto, porém, quando me aproximei, verifiquei que eram apenas fermatas, emitidas no intervalo de uma cantiga prolongada, de grande melodia. Nunca ouvi outra que me impressionasse tanto.”
A opinião é do naturalista, explorador, escritor, soldado e político Theodore Roosevelt (1858-1919) que participou da “Expedição Científica Roosevelt-Rondon”, entre o final de 1913 e início de 1914. Quando terminou seu segundo mandato presidencial, Theodore Roosevelt recebeu convites para conferências no Brasil, Uruguai, Chile e Argentina. O lado naturalista dele despertou e o ex-presidente norte-americano aceitou os convites, mas decidiu aproveitar a oportunidade para uma excursão científica pelo interior do continente, subindo o rio Paraguai em direção ao vale do Amazonas.
Theodore Roosevelt entrou em contato com a direção do Museu de História Natural de Nova York para saber se havia interesse da instituição em designar alguns naturalistas para estudar e recolher exemplares da fauna da região ainda pouco conhecida que ele pretendia percorrer. A proposta da excursão foi aprovada. O grupo que partiu dos Estados Unidos era formado pelo padre Zaham, os naturalistas George K. Cherrie e Leo E. Miller, um explorador ártico Antonio Fiala (difícil entender o seu papel nos trópicos) e o secretário particular Frank Harper, além de Jacob Sigg, soldado reformado na função de enfermeiro e cozinheiro. Kemit Roosevelt, filho do ex-presidente, juntou-se aos excursionistas no Brasil, onde já trabalhava na construção de pontes.
           No Rio de Janeiro, Lauro Müller, Ministro das Relações Exteriores do Brasil, propôs que o objetivo da viagem se ampliasse e tivesse um caráter de exploração zoo-geográfica da quase desconhecida região do Oeste de Mato Grosso. Roosevelt aceitou e o grupo recebeu o reforço do então Coronel Cândido Rondon (1865-1958) e de outros auxiliares.
Theodore Roosevelt fez um relatório minucioso da expedição, com informações sobre o sertão brasileiro, a fauna e a flora, os usos e costumes dos índios parecis e nhambiquaras e da população que vivia praticamente isolada naquelas paragens. A narrativa, que foi publicada na forma de livro, nunca é cansativa. Ela revela também muito do que era o naturalista norte-americano, graças às observações pessoais que faz o tempo todo. Não esconde a admiração que sente por Rondon e seu trabalho ao longo de “quarenta e quatro anos explorando o planalto do Oeste brasileiro, como pioneiro do telégrafo e das estradas de ferro”. Ressalta sempre o trabalho pacificador de Rondon – o que não é pouco quando se trata do adepto da política do big stick – e o respeito que ele inspira aos índios.  
Em matéria de culinária, ele prova de tudo e aprecia as carnes mais exóticas; entretanto, se desmancha mesmo em elogios para a canja de galinha. Esporte? Descreve o entusiasmo dos índios para um jogo a que ele dá o nome de headball, pois a única regra do jogo é que “a bola não pode ser tocada com as mãos nem pés ou qualquer outra parte do corpo, a não ser a cabeça”.  
O relato do reconhecimento do rio da Dúvida (atualmente Teodoro), com 1500 quilômetros de extensão, é eletrizante tal os percalços que o grupo enfrenta na floresta. Foram 48 dias isolados na mata cheia de surpresas.
          A expedição geográfica (que começou em Assunção, no Paraguai, em 9 de dezembro de 1913 e terminou em maio de 1914 em Manaus) foi um sucesso e para conferir basta ler “Nas Selvas do Brasil”, de Theodore Roosevelt, publicado pela Edusp/Itatiaia em 1976. 
(Publicado em 15/8/2014.)

Sabiás alvoroçados: temporada de cantoria.


sexta-feira, 2 de setembro de 2016

100 ANOS DA LAVAPÉS

Nos tempos coloniais, a viagem de Santos para São Paulo pelo caminho do Padre José terminava com um pequeno ritual que simbolizava a passagem da área rural para a urbana: a lavagem dos pés num córrego que dividia as duas zonas. Afinal, o caminho não era pavimentado e era de bom tom chegar à cidade de pés limpos e assim chamavam o lugar de “lava pés”. A expressão acabou se popularizando e quando virou uma rua ela não poderia ter outro nome a não ser Lavapés. A Rua Lavapés acabou de completar um século de existência (Lei nº 972 de 24/8/1916). Situa-se no distrito do Cambuci, que pertence à Subprefeitura da Sé.
O Cambuci, por sua vez, herdou o nome tupi (kamu'si) da árvore abundante na região e que significa pote, vaso ou urna por causa da semelhança do fruto com esses objetos indígenas. A árvore é uma Campomanesia phaea da família das mirtáceas, nativa da Mata Atlântica; as flores são brancas e os frutos, comestíveis. (Carne moída com Cambuci é muito saborosa.) No princípio, chamavam de “Pote” o largo que deu origem ao bairro, mais tarde mudaram para Largo do Cambuci, que acabou sendo oficializado em dezembro de 1906.
No início do século passado, indústrias se instalaram na região, atraindo trabalhadores que se instalaram nas imediações. Com a expansão e mudança do perfil da cidade, o bairro decaiu, afastando os moradores mais antigos. Atualmente, o Cambuci é um bairro misto – comercial e residencial. Aos poucos os imóveis antigos vão cedendo espaço aos condomínios de alto padrão.
A Igreja da Glória, situada no ponto mais alto do Cambuci, data de 1893. As obras foram realizadas com o apoio da família Assumpção e Silva, que doou o terreno à Mitra do Arcebispado de São Paulo. Durante a revolta tenentista ocorrida em 1924, quando tropas legalistas bombardearam a cidade, os revoltosos se abrigaram na igreja que foi alvo da artilharia aérea – a torre de ardósia e o altar foram atingidos e as paredes externas foram perfuradas pelos projéteis. Em consequência desse fato, em 1925, a igreja foi reformada e o revestimento da torre foi substituído por zinco que em 1968 foi trocado por alumínio.
O Colégio Marista Nossa Senhora da Glória foi fundado em 11 de fevereiro de 1902 para atender aos filhos dos operários italianos das redondezas. Começou a funcional na Rua dos Lavapés até que em 1955, foi inaugurado o prédio na Rua Justo Azambuja, fruto da doação de Isamel Dias, o que possibilitou a ampliação dos cursos. 
O Hospital Cruz Azul é outro equipamento importante do bairro. Em 28 de julho de 1925 mulheres paulistas lideradas pelo coronel Pedro Dias de Campos resolveram criar a Fundação Cruz Azul de São Paulo para proporcionar assistência permanente às famílias de soldados da Força Pública (Polícia Militar). O terreno do Cambuci para a construção do hospital foi doação do comerciante José Sampaio Moreira.
        Há ainda o Balneário Cambuci, há mais de 50 anos, proporcionando atividades de lazer e esporte para a população e uma tradicional casa de dança de salão – a Casa do Sargento (Rua Scuvero, 195) que promove bailes às quartas-feiras, sextas e sábados.
        O morador mais famoso do bairro foi o pintor Alfredo Volpi (1896-1988), que nasceu em Lucca (Itália). A família imigrou para o Brasil em 1897, estabelecendo-se no Cambuci. Volpe recebeu o premio de melhor pintor nacional da 2ª Bienal de São Paulo (1953). Morou também no bairro o presidente Jânio da Silva Quadros (1917-1992).

Pintura de 1897 exposta na Igreja da Glória.


NOTURNO
Luzes do Cambuci pelas noites de crime. . .
Calor! ... E as nuvens baixas muito grossas, 
Feitas de corpos de mariposas,
Rumorejando na epiderme das árvores...
Mário de Andrade.