NAS SELVAS DO BRASIL
“Nas densas
florestas tropicais do Rio de Janeiro, em outubro passado – primavera tropical
– ouvi o canto de muitos pássaros que não pude identificar. O mais bonito de
todos, porém, foi o de um sabiá da mata, de cor escura, que vivia próximo do
chão, num tronco de madeira, mas que cantava no alto da ramada. À grande
distância poder-se-ia ouvir a nota ressoante, demorada, musical, como de um sino,
e de repassada ternura, que ele emitia no intervalo do canto. Pensei a
princípio que tais notas fossem o próprio canto, porém, quando me aproximei,
verifiquei que eram apenas fermatas, emitidas no intervalo de uma cantiga
prolongada, de grande melodia. Nunca ouvi outra que me impressionasse tanto.”
A opinião é do
naturalista, explorador, escritor, soldado e político Theodore Roosevelt
(1858-1919) que participou da “Expedição Científica Roosevelt-Rondon”, entre o
final de 1913 e início de 1914. Quando terminou seu segundo mandato
presidencial, Theodore Roosevelt recebeu convites para conferências no Brasil,
Uruguai, Chile e Argentina. O lado naturalista dele despertou e o ex-presidente
norte-americano aceitou os convites, mas decidiu aproveitar a oportunidade para
uma excursão científica pelo interior do continente, subindo o rio Paraguai em
direção ao vale do Amazonas.
Theodore Roosevelt
entrou em contato com a direção do Museu de História Natural de Nova York para
saber se havia interesse da instituição em designar alguns naturalistas para
estudar e recolher exemplares da fauna da região ainda pouco conhecida que ele
pretendia percorrer. A proposta da excursão foi aprovada. O grupo que partiu
dos Estados Unidos era formado pelo padre Zaham, os naturalistas George K.
Cherrie e Leo E. Miller, um explorador ártico Antonio Fiala (difícil entender o
seu papel nos trópicos) e o secretário particular Frank Harper, além de Jacob
Sigg, soldado reformado na função de enfermeiro e cozinheiro. Kemit Roosevelt,
filho do ex-presidente, juntou-se aos excursionistas no Brasil, onde já trabalhava
na construção de pontes.
No
Rio de Janeiro, Lauro Müller, Ministro das Relações Exteriores do Brasil,
propôs que o objetivo da viagem se ampliasse e tivesse um caráter de exploração
zoo-geográfica da quase desconhecida região do Oeste de Mato Grosso. Roosevelt
aceitou e o grupo recebeu o reforço do então Coronel Cândido Rondon (1865-1958)
e de outros auxiliares.
Theodore
Roosevelt fez um relatório minucioso da expedição, com informações sobre o
sertão brasileiro, a fauna e a flora, os usos e costumes dos índios parecis e
nhambiquaras e da população que vivia praticamente isolada naquelas paragens. A
narrativa, que foi publicada na forma de livro, nunca é cansativa. Ela revela
também muito do que era o naturalista norte-americano, graças às observações
pessoais que faz o tempo todo. Não esconde a admiração que sente por Rondon e
seu trabalho ao longo de “quarenta e quatro anos explorando o planalto do Oeste
brasileiro, como pioneiro do telégrafo e das estradas de ferro”. Ressalta
sempre o trabalho pacificador de Rondon – o que não é pouco quando se trata do
adepto da política do big stick –
e o respeito que ele inspira aos índios.
Em matéria de
culinária, ele prova de tudo e aprecia as carnes mais exóticas; entretanto, se
desmancha mesmo em elogios para a canja de galinha. Esporte? Descreve o
entusiasmo dos índios para um jogo a que ele dá o nome de headball, pois a única regra do jogo é
que “a bola não pode ser tocada com as mãos nem pés ou qualquer outra parte do
corpo, a não ser a cabeça”.
O relato do
reconhecimento do rio da Dúvida (atualmente Teodoro), com 1500 quilômetros de
extensão, é eletrizante tal os percalços que o grupo enfrenta na floresta.
Foram 48 dias isolados na mata cheia de surpresas.
A
expedição geográfica (que começou em Assunção, no Paraguai, em 9 de
dezembro de 1913 e terminou em maio de 1914 em Manaus) foi um sucesso e
para conferir basta ler “Nas Selvas do Brasil”, de Theodore Roosevelt,
publicado pela Edusp/Itatiaia em 1976.
(Publicado em 15/8/2014.)
Sabiás alvoroçados: temporada de cantoria. |
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