COZINHEIRO NACIONAL
Os
programas de culinária na TV fazem sucesso porque praticamente vários canais
têm um de acordo com a audiência – popular ou sofisticada. E todos impulsionam
a indústria alimentícia, vendendo de forma velada ou explícita produtos culinários
ou utensílios de cozinha. Na telinha, Olivier Anquier a bordo de um fusca (re)descobriu
a nossa culinária tradicional, um retrato da miscigenação que resultou na
cultura brasileira.
Nesse
cenário nada é mais irritante do que mestres-cucas de estúdio que dizem bowl ou fouet para lá e para cá. Abaixo o pedantismo. Eu prefiro usar mesmo
tigelas e batedores. É muito entediante quando tentam contar histórias sobre
pratos que elaboram, esbanjando no diet
ou light. Especialmente depois que se
conhece a obra de Câmara Cascudo (1898-1986) ou de Gilberto Freyre (1900-1987) sobre
alimentação. O folclorista e o sociólogo deitam e rolam no tema.
Feijoada,
leitão pururuca, moquecas, vatapá, arroz de carreteiro, tacacá, baião de dois,
sururu... Quem não provou ou pelo menos ouviu falar dessas iguarias? Mas no
princípio as coisas eram bem diferentes.
O Cozinheiro Nacional foi primeiro livro a
reunir pratos e quitutes elaborados apenas com bichos e frutas das matas
brasileiras. A obra publicada em meados do século XIX é atribuída a Paulo
Salles, que trabalhava na Editora Garnier, no Rio de Janeiro. Freyre conta que
o naturalista inglês Hasting Charles Dent (1855-1909), que esteve no Brasil
coletando plantas e insetos, leu o livro e se surpreendeu com a quantidade de
receitas exóticas de assados e guisados de toda espécie de bicho brasileiro. A
obra também assombrou o médico e etnólogo alemão Karl Von den Steinen
(1855-1929), que viajou pelo Brasil.
Hoje
quem se aventurasse a provar a maioria daquelas receitas teria sérios problemas
com o IBAMA e ambientalistas em geral, porque quase toda a bicharada citada
está sob as leis de proteção ambiental. Felizmente. O consumo da carne de
alguns animais é até compreensível em uma época em que os alimentos eram
escassos e a caça ainda uma alternativa para a sobrevivência.
Cascudo
relaciona e comenta algumas receitas publicadas no livro e entre elas
destacam-se: macaco cozido com bananas; irara, onça e tamanduá assados; cobra
frita; anum assado ou ensopado; caramujos recheados e tanajura frita. Da minha
infância, lembro-me de uma amiga da família, que vivera no Amazonas, contando
sobre a popularidade da carne de macaco na região. A simples ideia para mim já
é repugnante.
Anchieta
(1534-1597) apreciava carne de tamanduá; o entomólogo inglês Henry Walter Bates
(1825-1892), que esteve pelo Brasil, provou e achou que parecia com carne de
ganso. Cobra frita é um prato muito apreciado, segundo Câmara Cascudo e “é a
(carne) da cascavel a mais delicada e eficaz”. Interessante é o caso da receita
de anum, ave que vive de carrapatos e cheira muito mal, mas o atrativo desse
prato é a superstição: “para conquistar a moça amada, comer coração de anum”.
Tanajura
(a fêmea da saúva) frita é prato de paulista e que lhe valeu muita zombaria;
porém, quem provou da iguaria diz que o gosto assemelha-se ao do camarão.
“Quase todos os naturalistas que visitaram o Brasil no século XIX provaram a
tanajura com gabos” – afirma o folclorista. O pitéu era comum também em outros
estados.
“Tradições de família” de Morgan Weisting (1964), um pintor californiano que se tornou conhecido por reproduzir cenas do cotidiano dos pioneiros norte-americanos.
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