A COMILANÇA DO NATAL
É
tudo culpa dos portugueses. Pelo menos é o que Luis da Câmara Cascudo garante: “Festa
portuguesa sem comida e bebida é uma anomalia inconcebível”. E arremata: “Até o
Menino Jesus come e dá que comer”.
Oh,
meu Menino Jesus,
Sua
boquinha de requeijão!
Dai-me
de vossa merenda,
Que
minha mãe não tem pão.
[...]
Oh,
meu Menino Jesus,
Inda
tenho mais para vos dar
Esta
pequena lembrança
Uma
chouriça para assar.
Em
Portugal, diz o folclorista brasileiro, “Até as alminhas vão comer as migalhas
da mesa, na noite de Natal de tão familiar, essencialmente familiar, que a
festa é”. E assim, quando desembarcaram no litoral brasileiro, trouxeram na
bagagem e no sangue essa mania que herdamos e desenvolvemos com tanto cuidado. O
Natal tropical mantém a tradição do Natal setentrional com as castanhas, as
nozes, avelãs e amêndoas. Não faltam as rabanadas. Comida de pobre elevada à
iguaria: pão amanhecido embebido no leite (prefiro vinho), passado no ovo,
frito e salpicado de açúcar e canela – ah! as especiarias que vieram com as
caravelas, cravo, pimenta-do-reino (claro!), noz-moscada...
Mário
de Andrade dá uma ideia do paladar nacional em seu conto “Peru de Natal” (1942)
em que retrata uma singela ceia familiar na primeira metade do século passado e
que termina em “uma felicidade gustativa”.
“Era
costume sempre, na família, a ceia de Natal. Ceia reles, já se imagina: ceia
tipo meu pai, castanhas, figos, passas, depois da Missa do Galo. Empanturrados
de amêndoas e nozes (quanto discutimos os três manos por causa dos
quebra-nozes...) empanturrados de castanhas e monotonias, a gente se abraçava e
ia pra cama. Foi lembrando disso que arrebentei com uma das minhas ‘loucuras’:
- Bom,
no Natal, quero comer peru.
[...]
Não,
não se convidava ninguém, era um peru pra nós, cinco pessoas. E havia de ser
com duas farofas, a gorda com os miúdos, e a seca, douradinha, com bastante
manteiga. Queria o papo recheado só com a farofa gorda, em que havíamos de
ajuntar ameixas pretas e um cálice de xerez, como aprendera na casa da Rose,
muito minha companheira. Está claro que omiti onde aprendera a receita, mas
todos desconfiaram. E ficaram logo naquela de incenso assoprado, ai não seria
tentação do Dianho aproveitar receita tão gostosa. E cerveja bem gelada, eu
garantia quase gritando. É certo que com meus ‘gostos’ já bastante afinados
fora do lar, pensei primeiro meu vinho bom, completamente francês. Mas a
ternura por minha mãe venceu o doido, mamãe adorava cerveja.”
Os
pratos do Natal lusitano variam entre bacalhau, polvo, peru e cabrito. O peru não fez parte dos natais de minha
infância, que incluía sempre pernil e roast
beef, saladas, muitas frutas naturais e secas e rabanadas – inesquecível o delicioso
perfume da canela que inundava a sala de jantar nas manhãs de Natal. Num tempo pré-panetones,
não me lembro de bolos nesta festa. O panetone, aliás, chegou ao Brasil com os
imigrantes italianos do pós-guerra, na segunda metade do século passado. Fez
muito sucesso e, naturalmente, passou por várias modificações para atender a
todos os gostos.
Nesse
feriado em que se celebra a família, vale cozinhar aquilo que se tem à mão e ao
gosto de todos, pois o importante são os temperos cheios de carinho, recheados
d e boa vontade.
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Ceia de Natal: cartão polonês. |
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Carl Larsson (1853-1919). |