O jornalista
acorda de manhã, vai para a redação e recebe a tarefa de entrevistar um
cientista ou pesquisador sobre um assunto que despertou o interesse do
pauteiro, do chefe de reportagem ou do editor. Às vezes, embalado pela necessidade
ou vaidade, o próprio cientista ou pesquisador pode ter sugerido a pauta. Invariavelmente,
o jornalista faz a reportagem sem grandes problemas.
Nem sempre, entretanto, a vida é um mar de rosas. Um belo dia o JORNAL DA
USP (anos 1990) recebeu um artigo científico para publicação. A função do jornal era (creio
que ainda é) divulgar o trabalho científico da comunidade acadêmica, mas não
publicá-los na íntegra. Havia um segundo problema: o conteúdo do artigo era
inacessível para leigos. Fui a premiada para procurar o professor e
entrevistá-lo e deslindar os mistérios do trabalho dele em uma reportagem.
Confesso que não me lembro da área de conhecimento em que ele atuava e
muito menos do nome dele. Era magrinho e alto, muito sério. Expliquei a
situação e preparei a caneta e o papel para anotar, quando ele me disse
secamente que não tinha nada a acrescentar. Tudo o que eu precisava saber
estava no trabalho enviado. Argumentei, polidamente, que precisávamos tornar o
texto mais compreensível para as pessoas que desconheciam o assunto. Ele torceu
mais o nariz e deu por encerrada a entrevista. Assim, ele ficou sem a
divulgação do trabalho e eu sem a reportagem.
Mas ele não ficou sem resposta, porque a editora mudou a pauta: “agora vamos
tratar da relação jornalista-cientista”. Uma maravilha! A lista, naquela época,
incluía o geneticista Crodowaldo Pavan (1919-2009); professora Carolina Bori
(1924-2004), do Instituto Psicologia; o físico Ernst Hamburger, o bioquímico
Walter Colli e o astrônomo Masayoshi Tsuchida (atualmente na UNESP) entre
outros.
Era um prazer entrevistá-los. Transmitiam seus conhecimentos de forma
leve, clara e brilhante. Assim como Esdras Vasconcelos (Instituto de
Psicologia), Roberto Macedo (FEA), Antonio Junqueira de Azevedo (1939-2009)
entre tantos outros. Dr. Vicente Amato e o geógrafo Aziz Ab’Sáber eram
acessíveis; lidavam bem com a imprensa e se expressavam de forma compreensível;
mas ambos tinham um poder de concentração tão fantástico, que acabava sendo um
problema. Eles ouviam a pergunta, fechavam os olhos e começavam a falar e o
mundo ao redor desaparecia. Não ouviam nada. Se tivesse dúvida, anotasse e
perguntasse após o verdadeiro “transe” em que eles mergulhavam.
Um problema porque jornalista tem que perguntar, deixar a pergunta para
depois não é uma boa técnica. Não sei qual deles entrevistei primeiro – Ab’Sáber
ou Amato, mas a experiência com um ajudou a enfrentar o problema com o outro. E
foram várias entrevistas ao longo dos seis ou sete anos em que trabalhei no
JUSP.
O jornalista que não é especializado também sofre para fazer entrevistas
com cientistas que, em geral, acham que o profissional deve se preparar antes
de se apresentar em sua sala ou laboratório; o problema é que não há tempo para
se aprofundar no assunto e o repórter tem que enfrentar a situação com bom
senso e sinceridade para que o entrevistado o conduza pelo seu mundo com
segurança. Tipo um mágico revelando o conteúdo da sua caixa.
Os tempos mudaram e, atualmente, a divulgação científica é muito mais
comum.
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