quarta-feira, 30 de maio de 2018




A DONZELA DE ORLEANS

Caen, França, 2015.
No dia 31 de maio de 1431, Joana D’Arc foi queimada viva na fogueira, vítima da Inquisição e dos interesses políticos da época. Filha de camponeses e extremamente religiosa, aos 17 anos não hesitou em sair de casa para encontrar o delfim de França e anunciar que ele reinaria. Carlos custou a se decidir (e nisso teve participação a igreja), mas entregou-lhe, um estandarte, uma espada e deu-lhe autorização para acompanhar o exército para lutar pela libertação de Orleans, já sob domínio inglês. Eles chegaram à cidade em 29 de abril de 1429 e em dez dias derrotaram os ingleses, que apoiavam os inimigos do futuro monarca. Joana estava muito à frente do seu tempo, levada ou não pelas vozes que dizia ouvir.
 A Donzela de Orleans, como ficou conhecida, levou o delfim Carlos a Reims, onde ele foi coroado rei como Carlos VII. Joana participou de outras batalhas e de conselhos de guerra. Foi presa em 23 de maio de 1430 durante uma batalha em Margny, sob o domínio dos inimigos do rei e  mais tarde vendida aos ingleses, que a levaram para Rouem (que pertencia na época à Inglaterra). A partir desse momento ela caminha para o fim trágico, com as acusações de heresia que a condenaram à fogueira. Joana tinha 19 anos. Vinte e cinco anos após a sua morte, o Papa Calisto III a reabilitou, mas nem por isso foi se tornou unanimidade – inclusive Voltaire a ridicularizou em um poema satírico (La Poucelle d’Orléans).        
Somente no século XIX seu papel ganha reconhecimento, inclusive em outros países, até que em 1909 foi beatificada e em 9 de maio de 1920, canonizada pelo Papa Bento XV. Enfim, em 1922, é declarada padroeira da França.
No teatro, um belo trabalho é do escritor irlandês Bernard Shaw, que escreveu “Santa Joana”. A peça dá uma boa ideia de como se desenvolveu o processo contra a jovem. O cinema francês registrou a vida de Joana em várias ocasiões: a primeira em 1899 – “Jeanne D’Arc”, por George Meliès, e um século depois Luc Bresson dirigiu “The Messenger”. Nos Estados Unidos, a atriz Ingrid Bergman interpretou duas vezes o papel da donzela: em 1948 sob a direção de Victor Fleming e em 1954, dirigida por Roberto Rossellini. Três anos depois foi a vez de Otto Preminger também abordar a vida de Joana, interpretada por Jean Seberg.

Flores para Joana, Paris, monumento junto à rue de Rivoli, Dia da Vitória (II Guerra), 2015.


segunda-feira, 28 de maio de 2018


DIA DE BRINCAR


 Em 2008 encontrei Pinóquio por acaso em uma rua de Berlim. Lindo! Curiosa, entrei na loja e descobri um paraíso só de brinquedos feitos de madeira (Bartolucci). Cada um mais lindo do que o outro. Percebi que a casa estava lotada só com marmanjos (como eu) deslumbrados com os brinquedos. Algumas semanas depois, em Viena, virei uma esquina e lá estava Pinóquio, sentadinho no banco, esperando por mim (faz de conta) à porta da loja de brinquedos. Uma boa lembrança para marcar o Dia Internacional do Brincar, que se comemora hoje.
 

"What I do every day and for many hours a day is not simply a job, but a passion. The creation of every new article excites me just as it did the first time, and just like a child I cannot wait to have it finished; I like to think that my items, carved with my own hands, will go into people’s homes and be loved."  Francesco Bartolucci, o artesão.
Para as crianças todo dia é dia de brincar. Brincar é assunto sério, porque brincar é aprendizado. Ente 3000 e 2000 a.C. os egípcios já faziam bonecas de argila ou entalhadas em madeira, usadas tanto como brinquedo como objeto funerário (acompanhando criança ou adulto em seu sepultamento). Contudo, o costume de enterrar o corpo da criança com a sua boneca era também comum entre etruscos, gregos, romanos e astecas e acabou incorporado pelo cristianismo. O chocalho, que se sacode para as crianças ainda no berço, tem origem em tempos remotos, quando era usado para afastar os maus espíritos dos recém-nascidos. Mas com o tempo os brinquedos evoluíram; eram confeccionados por artesãos ou membros da família criativos e habilidosos. Um mundo em miniatura que encantava crianças e adultos. 
       Brincar inclui o jogo que tanto ajuda o raciocínio lógico da criança como desenvolve as habilidades físicas e promove a interação social. As histórias infantis ou as fábulas contadas pelos mais velhos junto à fogueira ou à lareira nas noites frias ajudavam a passar o tempo em que os folguedos ao ar livre se restringiam. Estimulavam a imaginação da criança enquanto ministravam lições de moral e do papel de cada um na sociedade. 
       O filósofo alemão Walter Benjamin (1892-1940) acreditava que existe uma lei que rege a brincadeira: a lei da repetição. “Sabemos que a repetição é para a criança a essência da brincadeira, que nada lhe dá tanto prazer como ‘brincar outra vez’.” Para ele é da brincadeira que nasce o hábito. “Os hábitos são formas petrificadas, irreconhecíveis, de nossa primeira felicidade e de nosso primeiro terror. E mesmo o pedante mais árido brinca, sem o saber – não de modo infantil, mas simplesmente pueril -, e o faz tanto mais intensamente quanto mais se comporta como um pedante.”

domingo, 27 de maio de 2018

DOMINGO DE BRINCADEIRAS

        Começo com Fernando Pessoa (nem preciso dizer que ele é meu poeta preferido).

CRIANÇA DESCONHECIDA e suja brincando à minha porta, 
Não te pergunto se me trazes um recado dos símbolos. 
Acho-te graça por nunca te ter visto antes, 
E naturalmente se pudesses estar limpa eras outra criança, 
Nem aqui vinhas. 
Brinca na poeira, brinca! 
Aprecio a tua presença só com os olhos. 
Vale mais a pena ver uma coisa sempre pela primeira vez que conhecê-la, 
Porque conhecer é como nunca ter visto pela primeira vez, 
E nunca ter visto pela primeira vez é só ter ouvido contar. 

O modo como esta criança está suja é diferente do modo como as outras estão sujas. 
Brinca! Pegando numa pedra que te cabe na mão, 
Sabes que te cabe na mão. 
Qual é a filosofia que chega a uma certeza maior? 
Nenhuma, e nenhuma pode vir brincar nunca à minha porta. 

Continuo com a visão de alguns pintores sobre a arte de brincar.

Brincadeiras de Criança, da brasileira Georgina de Albuquerque (1885-1962). Obra de 1950. 

"Hall at Shinecock" ,do norte-americano, William Merrit Chase (1849-1916).

"Nos jardins de Luxemburgo", tela de Pierre-Auguste Renoir.

Retrato de Germanine Hosched com uma boneca (1877), tela de Claude Monet.

sexta-feira, 25 de maio de 2018


AINDA OUTONO

Creio que vivem na Faculdade de Economia,
pois os vi por lá a semana toda.












Uma semana bem agitada. Manhãs de outono na Cidade Universitária da Universidade de São Paulo (USP)com sol e neblina. Alunos em classe, como se espera; trânsito leve pelas ruas. Passarinhos ciscando pelos caminhos; bem-te-vis cantando sob o abrigo das árvores; cães vadios no ponto de ônibus à espera do sol. E eu, a caminho do Instituto de Astronomia para ouvir histórias de inventores, passo pelo cofre do Tio Patinhas e pela espaçonave da Politécnica. 


Instituto de Energia e Ambiente, que lembra o
cofre do Tio Patinhas.
Prédio da Engenharia de Produção - a espaçonave. 



À distância o cavaleiro parece emergir da vegetação.

sábado, 19 de maio de 2018

OUTROS OUTONOS




CANÇÃO DE OUTONO 

No entardecer da terra,
O sopro do longo outono
Amareleceu o chão.
Um vago vento erra,
Como um sonho mau num sono,
Na lívida solidão.

Soergue as folhas, e pousa
As folhas volve e revolve
Esvai-se ainda outra vez.
Mas a folha não repousa
E o vento lívido volve
E expira na lividez.

Eu já não sou quem era;
O que eu sonhei, morri-o;
E mesmo o que hoje sou
Amanhã direi: quem dera
Volver a sê-lo! mais frio.
O vento vago voltou.

Fernando Pessoa
Parque de Santana/Praça da República, Rio de Janeiro, 2015. 
Bonn, Alemanha, 2008.
Amsterdam, Países Baixos, 2008.
Berlim, Alemanha, 2008.



Praga, República Checa, 2008.
Jardins de Schönbrunn, Viena, Áustria, 2008.


Rua da Aclimação, São Paulo, 2013.


sexta-feira, 18 de maio de 2018

UM POUCO DE ESCATOLOGIA.
Ou coprologia.
         Há algum tempo, ao visitar uma exposição na Biblioteca Brasiliana – USP, vi uma “obra de arte” feita com fezes de cupim! Nada excepcional, exceto o material. Outro artista nos Estados Unidos não usou cocô de elefante para produzir suas criações? E culminando essa moda descubro que em Castelbosco, província de Piacenza, na Itália, existe o Museu da Bosta. Oh! Céus! Creio que a ideia faz parte do humor corrosivo do italiano, pois o projeto tem um forte cunho ecológico. Lá vai a história. O Sr. Gianantonio Locatelli, de 61 anos, tem 3.500 vacas, que produzem 55 toneladas de leite para fabricação de queijos, enquanto inundam a propriedade com 150 toneladas de esterco. Um problemão, que ele resolveu de forma inteligente: investiu na produção de gás metano usado em motores e geração de eletricidade, que Locatelli vende para terceiros. Atende a cerca de quatro mil pessoas.
       Mas ainda sobra esterco que ele destina à produção de adubo e de objetos como telhas, tijolos, vasos e, pasmem, pratos! De acordo com o portal português SAPO, “os objetos são rústicos e elegantes”.  O empreendedor italiano diz que os produtos são revolucionários, algo “entre plástico e terracota” e que ele chama de “Merdacotta”. Esteja atento onde lhe servem comida. O símbolo da marca é um besouro, inseto que aduba a terra e controla parasitas.  

Mas isso ainda não é tudo. Se tiver tempo sobrando, sempre pode visitar o Museo della Merda (projeto de Luca Cipelletti). Criado por Locatelli em 2005, o museu reúne trabalhos inspirados no tema ou que tiveram esterco ou cocô como matéria-prima.  


   Para os desavisados que acham tudo isso de mau gosto, a coleção Merdacotta já foi premiada pelo Salão do Design de Milão e 2016 pela ideia de “transformar bosta em algo divertido”.
  Só para terminar, lembro-me do filme de Elio Petri (1929-1982) “A classe operária vai ao paraíso”, de 1971. Na cena inicial, o operário Lulu (Gian Maria Volonté – 1933-1994)) constata que somos “uma máquina (de produzir) merda”...  
   Enfim, hoje é o Dia Mundial dos Museus. Uma ótima oportunidade para visitar uma das muitas instituições paulistas como o Museu de Arte Contemporânea (MAC), Museu de Arte Moderna (MAM), Museu de Arte Sacra, Museu da Imigração, Pinacoteca do Estado de São Paulo, Museu de Arte de São Paulo (MASP), Museu do Futebol (Pacaembu) entre muitos outros. 

*Há dois significados para escatologia. Um deles vem do grego skor, skatos, que significa excremento. O outro também tem origem do grego skathos, daí escatologia, que é parte da teologia que trata das últimas coisas(como morte temporal, juízo, céu, inferno). Dicionário Enciclopédico de Teologia, de Arnaldo Schüler.

segunda-feira, 14 de maio de 2018

O CARTEIRO CHEGOU

     No princípio, as pessoas enviavam mensagens por portadores de confiança que faziam longas caminhadas, usavam montarias ou carruagens quando podiam. E quando o destinatário recebia a notícia, ela já era bem antiga para os padrões atuais. Os faraós egípcios usavam o sistema de correio regular para divulgar a legislação nas diversas cidades, os persas aprimoraram o serviço e os romanos, graças à extraordinária rede de estradas que implantaram no império, tinham um ótimo serviço de correio.
     Quem não sabe da lenda do soldado grego que percorreu 40 km entre Maratona e Atenas para informar a vitória dos atenienses contra os persas e que deu origem à prova olímpica dos tempos modernos de 42,195 km? O soldado morreu de exaustão. Os atletas atuais, que não levam mensagem alguma, exceto a da boa forma física, ganham medalhas e dinheiro após a maratona.  A mitologia grega tem um deus que, entre muitas outras atividades, se dedica a ser o mensageiro dos deuses do Olimpo, Hermes.
Apesar de todas as dificuldades, as pessoas continuaram a se corresponder e, evidentemente, urgente tinha outra interpretação. Um bom exemplo é a administração das colônias americanas a partir do século XVI, quando uma carta ou documentos levava cerca dois ou três meses entre a Europa e as Américas, dependendo dos bons ventos, da pirataria e de bons pilotos. Uma decisão poderia levar mais de um ano...
Muitos e muitos séculos se passaram sem que a situação melhorasse. A invenção do telégrafo foi fundamental para a melhoria do sistema de comunicação, do telefone assim como o rádio. Entretanto, foi a aviação que impulsionou o serviço de correios no mundo e os primeiros voos transcontinentais carregavam malas postais.
Folhas de papel e uma caneta ou lápis bastavam para as pessoas derramarem seus sentimentos, preocupações e pensamentos mais íntimos, contar histórias e, sim, fazer fofocas. Bastava um envelope, um selo e o destinatário em algum lugar do mundo receberia a mensagem que leria com ansiedade, prazer e curiosidade. O portador era o carteiro, uma figura familiar para todos, especialmente no tempo em que os prédios de apartamentos ainda eram raros.
No final do século XX, a tecnologia dá novo impulso à era das comunicações que passam a ser em tempo real. As mensagens ganham um jeito de telegrama antigo – tudo abreviado, rápido, fugaz... Tudo sem graça, sem calor, sem paixão. As cartas? Ah! As cartas...


“A mensagem”, de Aldo Cabral e Cícero Nunes. 
Isaurinha Garcia (1923-1993). 

domingo, 13 de maio de 2018


MELHOR DIA DEPOIS DO NATAL 
PARA O COMÉRCIO

A data não poderia ser mais comercial, porém, as pessoas acabam se rendendo aos apelos do mercado e vão às compras. As mães mudaram muito nos últimos anos e a criação dos filhos também. 

Norman Rockwell (1894-1978) foi um dos grandes ilustradores norte-americanos do século passado. Trabalhou por mais de quarenta anos na revista The Saturday Evening Post








ARTE EPISTOLAR


Cena do filme de Stephen Frears.
E por falar em cartas, vários autores escreveram obras sob a forma de cartas, contando histórias bem fascinantes. “Ligações Perigosas”, do escritor francês Choderlos de Lacros (1741-1803), é um clássico da literatura epistolar. De Lacros, que era militar, escreveu sobre um grupo de nobres inescrupulosos que, por meio das cartas que trocavam entre si, estabeleciam planos de manipulação e intrigas para destruir reputações de pessoas que escolhiam ao bel prazer. O livro mereceu várias adaptações para o cinema e entre elas destacam-se as de Roger Vadin, em 1959; de Stephen Frears em 1988 e de Milos Forman, em 1989.


Outro clássico da literatura baseada em epistolografia é “Os sofrimentos do jovem Werther”, escrito por Johan Wolfgang Von Goethe em 1784. É uma das primeiras obras do escritor alemão e tem alguns toques autobiográficos. As cartas escritas pelo jovem Werther a um amigo narram o amor trágico dele por uma jovem que está comprometida com outro homem. Há também um filme baseado no livro – “Werther (Le Roman de Werther)”, de 1938, com direção do alemão Max Ophüls (1902-1957).
Ótima leitura. Ótimo cinema.

















Mulher de Azul Lendo uma Carta", de Johannes 
Vermeer (1632-1675). 
Acervo do Rijksmuseum, em Amsterdã.   

sexta-feira, 11 de maio de 2018

VAMOS ESCREVER CARTAS

“Venho por meio destas mal traçadas linhas...” Era assim que os professores ensinavam as crianças a escreverem cartas. O aprendizado incluía preencher o envelope, que sempre dizia muito sobre o remetente. Boa caligrafia era essencial para que o carteiro não se confundisse e o destinatário ficasse vaidoso por ter um correspondente com uma bonita letra. Escrevi muitas cartas em minha vida, felizmente sem o chavão de abertura; porém, enviei poucas por ter preguiça de ir ao Correio. O tempo passava, o assunto perdia o interesse e a carta ia para o lixo em vez de seguir seu destino.
Lembrei-me do fato por causa do Concurso Internacional de Redação de Cartas para Jovens, que é promovido anualmente pela União Postal Universal (UPU), sediada em Berna, na Suíça, para incentivar a criatividade de crianças e adolescentes enquanto melhoram os conhecimentos linguísticos. O público alvo: estudantes de até 15 anos idade. O tema deste ano é desafiador: “Imagine que você é uma carta que viaja no tempo. Que mensagem você quer deixar para seus leitores?”. 

A história do Brasil registra duas cartas fundamentais para a nação: uma escrita por um homem e outra por uma mulher. A primeira é de Pero Vaz de Caminha ao rei D. Manuel em 1500 e que se constitui numa certidão de nascimento do Brasil. A segunda foi escrita pela princesa Leopoldina a D. Pedro (1798-1834), incentivando-o a proclamar a independência do Brasil em setembro de 1822.
Centro Cultural do Correio SP.
Entretanto, as pessoas preferem coisas mais amenas como, por exemplo, as cartas de amor. As cartas de amor, contudo, podem ser muito reveladoras quando lidas por olhos estranhos e curiosos muito tempo depois que o escrevinhador (a) e a amada (o) morreram.

O amor do advogado e político romano Cícero (106 A.C-43 A.C) pela esposa Terência ficou registrado na correspondência: “... eu na verdade desejo vê-la quanto antes, vida minha, e morrer nos seus braços...”
O rei da Inglaterra Henrique VIII, um verdadeiro barba azul, assinou uma carta de amor à Ana Bolena (a amante que transformou em esposa após repudiar a rainha) dizendo que “A mão que lhe escreve é a de um homem que, por vontade própria, foi, é e sempre será seu”. A mesma mão que assinou a sentença de morte por decapitação de Ana algum tempo depois.
Enfim, todos em algum momento expõem os sentimentos (paixão ou amor?) por um homem ou uma mulher. Nada demais. Quem imaginaria um lado romântico em Voltaire cuja paixão de juventude por Olympe o levou a fugir para Paris? Ou no sisudo Franz Kafka, que amou Felice Banes embora não tenham se casado. Olavo Bilac teve sua Amélia com quem não casou. Rui Barbosa (1849-1923), um noivo apaixonado como mostram suas missivas para a jovem Maria Augusta (1855-1947), levou a moça ao altar e viveram felizes (quem sabe?).
Por falar em D. Pedro I em sua correspondência resplandece uma carta (mais um bilhete) à amante Domitila de Castro (1797-1867) que vale a pena transcrever:
“Cara Titília
Foi inexplicável o prazer que tive com as suas duas cartas.
Tive arte de fazer saber a seu pai que estava pejada de mim (mas não lhe fale nisto) e assim persuadi-lo que a fosse buscar e a sua família, que não há de cá morrer de fome, muito especialmente o meu amor, por quem estou pronto a fazer sacrifícios. Aceite abraços e beijos...
Deste seu amante que
Suspira pela ver cá o
Quanto antes,
O demonão.”
O amor também não resistiu aos deveres de Estado e D. Pedro I, viúvo, a repudiou para casar-se com dona Amélia de Leutchtenberg (1812-1873).

        Mas como escreveu o poeta Fernando Pessoa/Álvaro de Campos:

TODAS AS CARTAS de amor são
Ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.

Também escrevi em meu tempo cartas de amor,
Como as outras,
Ridículas.

As cartas de amor, se há amor,
Têm de ser
Ridículas.
(...)


terça-feira, 8 de maio de 2018

DIA DO ARTISTA PLÁSTICO BRASILEIRO

José Ferraz de Almeida Júnior é um dos grandes pintores brasileiros e a data de seu nascimento foi escolhida para homenagear com um dia especial o artista plástico brasileiro. Almeida Júnior nasceu em Itu (SP) em 8 de maio de 1850. O talento do jovem foi percebido pelo sacerdote da igreja de Nossa Senhora da Candelária, onde o rapaz era sineiro. O padre promoveu uma coleta que permitiu que Almeida Júnior fosse estudar no Rio de Janeiro e no final do curso retornou à cidade natal. Em 1876, em viagem pelo interior de São Paulo, o imperador D. Pedro II ao ver a obra do artista ofereceu-lhe uma bolsa de estudos em Paris e no seguinte.
Almeida Júnior então com 27 anos embarcou para a França, onde aprimorou sua arte; nesse período participou de quatro edições do Salon de Paris e realizou algumas de suas obras mais importantes “O Derrubador brasileiro” (1879), “O Remorso de Judas” (1880), “A fuga para o Egito” (1881) e “O Descanso do modelo” (1882). O artista retornou ao Brasil em 1882 e apresentou suas produções parisienses na Academia Imperial de Belas Artes e logo em seguida estabeleceu-se em São Paulo.
Mais tarde Almeida Júnior voltou-se para a temática regionalista, que ele já abordara em Paris com o quadro “Derrubador brasileiro”. Nessa fase se destacam, entre outros, o “Caipira picando fumo” (óleo sobre tela) e “O Violeiro” (óleo sobre tela), ambos pertencentes ao acervo da Pinacoteca do Estado de São Paulo. 
O artista manteve por vários anos um relacionamento com Maria Laura do Amaral, casada com o primo dele que o assassinou em 13 de novembro de 1899. O crime ocorreu em Piracicaba. Almeida Junior tinha 49 anos. 

O VIOLEIRO, óleo sobre tela de 1899. Acervo: Pinacoteca do Estado de São Paulo.

segunda-feira, 7 de maio de 2018


PASSANDO O TEMPO

No sofá, enquanto espero que minha voz retorne e a tosse me deixe em paz, leio sobre as atividades do vulcão havaiano Kilauea e depois assisto ao vídeo que lembra aqueles filmes de monstros comuns nos anos de 1960, com a diferença de serem em preto e branco. Fascinante ver a lava vagarosamente destruindo o carro! Li apenas uma reportagem em que uma das entrevistadas comenta que a erupção do Kilauea provocou o cancelamento de muitas reservas de propriedades destinadas a férias, mas a corretora não está preocupada porque logo chegarão os “turistas da lava”, aqueles que desejam conhecer os vulcões ativos do Havaí. A notícia me fez lembrar a história do advogado e jornalista Antônio da Silva Jardim (1860-1891), que foi com o amigo Joaquim Carneiro de Mendonça a Nápoles, Itália, e aproveitou para conhecer o Vesúvio. Curioso demais para ouvir os alertas do guia, acabou sendo tragado por uma fenda que se abriu na cratera do vulcão. O guia conseguiu salvar o amigo de Silva Jardim. Estive em Pompeia onde se tem uma bela vista do Vesúvio e no Havaí me contentei com a visita ao Diamond Head em Oahu, cratera de um vulcão adormecido a uns 150 milhões de anos... 


O início da jornada. Um belo domingo de setembro de 2017.


domingo, 6 de maio de 2018


 LÁ VEM O BONDE! LÁ SE FOI O BONDE...

Foto: Novo Milênio.
“Naquela manhã de sol, veio gente das ruas vizinhas e muita gente de longe. Inaugurava-se a primeira linha, entre o largo de São Bento e o fim da Barão de Limeira (Chácara do Carvalho). Linha da ‘Barra Funda’[...] No topo da coberta, adiante e atrás, duas pequenas bandeiras brasileiras. Na direção do bonde, o conselheiro Antônio Prado, prefeito da cidade. Ao lado, um instrutor, um motorneiro de boa figura, alourado, com bordados de cor de ouro novo nas mangas do uniforme cinzento e do boné. Conclui de mim para mim que era o presidente da companhia [...] Nalgumas esquinas tocavam bandas de música e noutras soltavam-se foguetes.”*
Essa foi a lembrança que o garoto Jorge Americano (1891-1969) guardou daquela manhã de 7 de maio de 1900, quando foi inaugurada a primeira linha de bondes elétricos de São Paulo, que ligaria o Centro à Barra Funda. O presidente da The São Paulo Railway, Light and Power Co. Ltda, Robert Brown, estava junto do prefeito conselheiro Antonio Prado (1840-1929) na festança, mas certamente não usava o uniforme ataviado. Ao presidente da província de São Paulo Francisco de Paula Rodrigues Alves (1848-1919) coube a tarefa de acionar a usina geradora de energia instalada pela Light na Rua São Caetano.
O trecho inaugurado tinha cerca de dois quilômetros, mas quando a linha estivesse concluída deveria ter, aproximadamente, dez quilômetros de extensão, o que em 1900 seria uma verdadeira viagem para o Oeste. Atualmente, de metrô pode-se ir da estação São Bento ao terminal da Barra Funda em cerca de 20 minutos de carro – caso o trânsito esteja bom.
Foi um dia muito importante para a cidade. A mobilidade da população dependia de carruagens (próprias ou de aluguel), de boas pernas e dos bondes puxados a burro. É verdade que o metrô londrino já era quarentão naquela época, mas no Brasil não se pensa em planejamento (a qualquer prazo). Automóveis, no início do século passado, eram raros e vistos como equipamento esportivo. Sem contar que só milionários (como Álvares Penteado e Santos Dumont) podiam ter carros.
Enfim, por aqui o bonde foi posto de lado em nome do progresso movido a diesel e pneus, empurrado pela indústria automobilística ávida por lucros; interessante é que se modernizou na Europa, incluiu-se entre os transportes que pouco poluem, é confortável e sobe bravamente ladeiras íngremes. Sou fã incondicional de bondes.

*A Capital da Vertigem, Uma história de São Paulo de 1900 a 1954”, obra de Roberto Pompeu de Toledo, Objetiva, 2015.

sexta-feira, 4 de maio de 2018


SEXTA-FEIRA COM MILLÔR

NADA TEM NEXO.
TUDO É APENAS
UM RELEXO.

"Claudine dans le mirroir", óleo sobre tela do francêsMarcel Dyf (1899-1985).

quinta-feira, 3 de maio de 2018

CEMITÉRIO DA CONSOLAÇÃO
Arte tumular
O guia Francivaldo Almeida Gomes (Popó) contando história com muito talento. Foto sem crédito, site da Prefeitura de São Paulo.
Domingo de sol. Imagino um passeio tranquilo, sem muita gente. Aonde ir? Então me lembro de um lugar ao ar livre, que certamente terá pouca gente: Cemitério da Consolação. Mórbido? Nem um pouco. Lido bem com a morte. É inevitável. E o Cemitério da Consolação reúne História e arte da cidade de São Paulo, além ser uma demonstração de que a vaidade humana, por mais vã que seja, pode incentivar o estudo e a pesquisa sobre as pessoas que contribuíram de alguma forma para a formação desta megacidade.
Não sou a única a pensar dessa forma: há dez anos a Prefeitura mantém um programa de visitas guiadas; contudo, fui disposta a fazer meu próprio caminho a partir de um mapa com o roteiro do que vale a pena ver nessa necrópole – não se esqueça de que depende de você encontrar a beleza, que pode estar em qualquer lugar.
O cemitério da Consolação completará em breve 160 anos – (o famoso Père Lachaise de Paris, tem 214!). Depois de percorrer sem rumo as alamedas sombreadas, felizmente, encontrei Francivaldo Almeida Gomes (Popó) que, não me deixou partir sem ver o que eu queria – os túmulos de Mário e Oswald de Andrade, Monteiro Lobato e Eduardo Prado – e muito mais, como as obras de Victor Brecheret, Nicola Rolo, Luigi Brizzolara, Gelileo Ugo Emendabili,entre centenas de escultores anônimos, mas não menos interessantes.
Tumba da Marquesa de Santos. 
Popó, cearense de Crateús, conhece praticamente tudo sobre o cemitério da Consolação e seus ocupantes – antigos e recentes. Eu achava que a marquesa de Santos, Domitila de Castro Canto e Melo, doara o terreno para a cidade, mas Popó me esclareceu que a área de 76.340 m² já era da cidade e a marquesa contribuiu com uma doação generosa para as obras. A campa de Maria Domitila é bem simples, contrapondo-se a verdadeiros monumentos como o Mausoléu da família Nami Jafet – uma obra em bronze do escultor italiano Materno Giribaldi (1870-1935), que viveu três anos em São Paulo; ou do Mausoléu da família Francesco Matarazzo, ambos empresários; os do presidente Campos Salles (1841-1913). Em matéria de simplicidade e elegância, destaca-se o Mausoléu de Ramos de Azevedo, desenhado por ele mesmo.
O Sepultamento, de Brecheret, 1923.
Belíssima a obra de Victor Brecheret (1894-1955) – O Sepultamento, no túmulo de Olivia Guedes de Penteado (1872-1934), sobrinha de Yolanda Penteado (1903-1983). A escultura foi premiada no Salão de Outono de Paris de 1923. Ela é vizinha de Tarsila do Amaral (1886-1973) – um túmulo simples onde alguém colocou flores numa garrafinha. Discreto, mas criativo, o túmulo do presidente da Província de São Paulo Washington Luis (1859-1957), que tem uma bandeira nacional dobrada. José Alves de Cerqueira César (1835-1911), que governou São Paulo entre 1891/1892 e após ser eleito senador renunciou antes de assumir, também tem um belo mausoléu, que ficou pronto muitos anos depois da morte dele por causa da I Guerra Mundial (1914-1918), que impossibilitou a importação do material para a obra.
Mausoléu do presidente Campos Salles.

Mausoléu de Cerqueira César. 
Autor desconhecido.
As visitas guiadas devem ser agendadas com um dia de antecedência por e-mail (assessoriaimprensa@prefeitura.sp.gov.br) e na mensagem devem contar: nome completo, telefone de contato e o nome do interessado e dos acompanhantes, se houver. Em caso de escolas, pedimos que no mesmo e-mail envie também o nome da instituição de ensino, responsável que acompanhará o grupo e faixa etária dos participantes.


. Fotos: Hilda Prado Araújo, 2018.