Francisca Júlia da Silva foi considerada a maior poeta do parnasianismo
brasileiro do seu tempo, recusou o convite para ingressar na Academia Paulista
de Letras, foi homenageada com um busto na Academia Brasileira de Letras e seu
túmulo recebeu uma escultura de Victor Brecheret (1894-1955). Francisca nasceu em 1871, em
Eldorado Paulista, que na época tinha o nome de Xiririca. Ela era filha de uma
professora que lecionou por alguns anos em Cabreúva, onde Francisca, por sua
vez, dava aulas de piano. Um de seus alunos foi Erotides de Campos*(1896--1945)
que se destacou como compositor embora por profissão fosse professor de química
e física. Em 1908 a mãe de Francisca foi novamente transferida e dessa vez
foram para Lajeado, hoje Guaianases, onde conheceu Filadelfo Edmundo Munster,
telegrafista da Estrada de Ferro Central do Brasil, com quem se casou em 1909. O
padrinho foi o poeta santista Vicente de Carvalho.
Por essa época sua obra poética já era reconhecida pelos grandes nomes da
literatura nacional. As fotografias mostram uma moça bonita, que não sorri. O
cronista José Martins de Sousa diz que ela era alcoólatra, consequência de um
noivado frustrado. Francisca colaborou com O CORREIO PAULISTANO e DIÁRIO
POPULAR e publicou seu primeiro livro “Mármores” em 1895; depois vieram “Livro
da Infância” (1899), ”Esfinges” (1903), “Alma Infantil” (1912, com Júlio César
da Silva) e “Esfinges” (1921), segunda edição ampliada.
Musa Impassível. |
Em 1916 Filadelfo adoeceu. Diagnóstico: tuberculose. Francisca entrou em
depressão e se refugiou no misticismo. O marido morreu no dia 31 de outubro de
1920 e após o enterro Francisca Júlia se suicidou. Ao funeral compareceram
entre outros Mário e Oswald de Andrade, Di Cavalcanti e Guilherme de Almeida. O
governo paulista contratou Brecheret para fazer a escultura tumular. A Musa
Impassível ficou pronta três anos depois. Com o passar dos anos a obra se
deteriorou e, após restauro, foi levada para a Pinacoteca do Estado e uma
réplica a substituiu no Cemitério do Araçá.
RÚSTICA
Da casinha, em que vive, o reboco alvacento
Reflete o ribeirão na água clara e sonora.
Este é o ninho feliz e obscuro em que ela mora;
Além, o seu quintal, este, o seu aposento.
Vem do campo, a correr; e úmida do relento,
Toda ela, fresca do ar, tanto aroma evapora,
Que parece trazer consigo, lá de fora,
Na desordem da roupa e do cabelo, o vento...
E senta-se. Compõe as roupas. Olha em torno
Com seus olhos azuis onde a inocência boia;
Nessa meia penumbra e nesse ambiente morno,
Pegando da costura à luz da claraboia,
Põe na ponta do dedo em feitio de adorno,
O seu lindo dedal com pretensão de joia.
VOZ DOS ANIMAIS
‒ O peru, em meio à bulha¯-
De outras aves em concerto,
Como faz, de leque aberto?
‒ Grulha.
‒ Como faz o pinto, em dia
De chuva, quando se interna
Debaixo da asa materna?
‒ Pia.
‒ Enquanto alegre passeia
Girando em torno do ninho,
Como faz o passarinho?
‒ Gorjeia.
(...)
‒ Quando a galinha deseja
Chamar os pintos que aninha,
Como faz a galinha?
‒ Cacareja.
‒ A rã quando a noite baixa,
Como faz ela a toda hora
Dentre os limos em que mora?
‒ Coaxa.
(...)
‒ Que faz o gato, que espia
Uma terrina de sopa
Que fumega sobre a copa?
‒ Mia.
(...)
‒ A voz tremida do grilo
Que vive oculto na grama
A trilar, como se chama?
‒ Trilo
‒ Mas, escravos das paixões
Que os fazem bons ou ferozes,
Os homens têm suas vozes
Conforme as ocasiões.
*Um dos maiores sucessos de Erotides de Campos foi “Ave Maria”:
“Cai à tarde tristonha e serena
Em macio e suave langor
Despertando no meu coração
A saudade do primeiro amor.”
Em macio e suave langor
Despertando no meu coração
A saudade do primeiro amor.”
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