quinta-feira, 19 de dezembro de 2019

O RISO CONTRA A IMPOSTURA

Parece que foi ontem. Cinquenta anos de O PASQUIM! O “tabloide especializado em humor corrosivo” é muito bem lembrado na mostra que acontece no SESC São Paulo, na unidade Ipiranga. Aliás, unidade escolhida bem a calhar, já que o bairro do Ipiranga foi palco da Independência do Brasil registrada por Pedro Américo em quadro muito bem guardado no Museu Paulista da USP e que faz parte da história do Pasquim. 
Houve uma época de festivais de música no Rio e em São Paulo. Em 1970, tempos da ditadura militar, o Festival Internacional da Canção no Rio de Janeiro chegava ao quinto ano com muito sucesso. Concorrentes e vencedores à parte, o maestro Erlon Chaves (1933-1974) e sua Banda Veneno roubaram a cena quando apresentaram a música de Jorge Ben (Jorge Ben-Jor) "Eu quero mocotó!", sem nenhuma chance de classificação. Se a música fez um grande sucesso, a apresentação do grupo constituiu um show especial, que culminou com o maestro beijado e acariciado por um grupo de loiras vestidas com malhas cor da pele. É bom que se explique que mocotó era gíria para joelho feminino, que as minissaias revelavam, e também eufemismo para outras partes da anatomia feminina. Erlon Chaves foi parar na delegacia de polícia, acusado de assédio e pornografia e suspenso de suas atividades por um mês!

O PASQUIM não perdeu tempo. Atacou como só ele sabia fazer: publicou um desenho do quadro “Independência ou Morte”, de Pedro Américo (1843-1905), em que D. Pedro gritava “Eu quero mocotó”. O cochilo da censora de plantão na redação valeu-lhe a perda da função. Foi substituída por um general da reserva (ninguém menos que o pai da Garota de Ipanema) que também acabou despedido por deixar passar entrevista com uma antropóloga americana que afirmava que havia racismo no Brasil. Os militares resolveram transferir a censura para o Centro de Informações do Exército em Brasília.
Esta é apenas uma das muitas e muitas histórias desse semanário que foi sem dúvida “o maior fenômeno editorial da imprensa brasileira”, como afirma, na apresentação da exposição, o jornalista Sérgio Augusto, colaborador do semanário. “E ainda que nos primeiros tempos fosse mais folgazão, gozador, festivo e atento a questões de comportamento, aos poucos se deixou contaminar pelo inevitável: a indignação política. Sem, contudo, abrir mão do velho preceito de Horácio: o riso é a melhor arma contra todas as imposturas” ‒ ainda citando Sérgio Augusto. 
Só para dar água na boca, algumas frases:
Na terra de cego, quem lê o PASQUIM é rei.
Um jornal sem família, sem tradição, sem propriedade.
O Pasquim - sempre em alta graças ao nosso baixo nível.
O avião está caindo, mas a paisagem é ótima.

Os idealizadores do PASQUIM: Jaguar ‒ Sérgio de Magalhães Gomes Jaguaribe (1932) e Tarso de Castro (1941-1991). O primeiro número circulou em 29 de junho de 1969.

Enfim, foi o riso contra a impostura. Uma exposição imperdível.
SESC-IPIRANGA
Rua Bom Pastor, 822.

Entrada gratuita. Fecha às segundas-feiras.

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