domingo, 12 de julho de 2020

A DESCOBERTA DA PRAÇA

 

Quatro meses é tempo suficiente para nos acostumarmos a várias situações ou, pelo menos, adaptarmos nossa rotina à nova realidade.  No início, estranhei o silêncio que se abateu sobre a vizinhança; as ruas do bairro vazias de carros e de pessoas. Só os ônibus circulando. Sons só de passarinhos e dos sinos da igreja Nossa Senhora do Carmo da Aclimação. Os velhos conhecidos desapareceram de vista, refugiados em seus apartamentos ou casas. 

      Há alguns dias a situação vem mudando aos poucos. Primeiro vieram os helicópteros muito antes do clarear do dia, mas felizmente desapareceram logo. Voltaram os vendedores de pão, frutas e ovos que observo da janela fazendo bons negócios pelo número de compradores mascarados que se aproximam o quanto o distanciamento social permite. O número de veículos por aqui também aumentou um pouco. Bom mesmo foi o trabalho que a subprefeitura fez na região nesse período: recapeou as ruas, refez a sinalização de solo ‒ ganhamos até olho de gato! A pracinha Manouk Koumerian também passou por melhorias. 

Aliás, a praça esteve abandonada por mais de trinta anos e Isaías, zelador de um dos prédios, cuidava dela da melhor forma que podia, reclamava na subprefeitura e ainda enfrentava a zombaria dos moradores, que nada faziam. Entretanto, quando começaram a construir edifícios de alto padrão, uma das construtoras providenciou junto à subprefeitura para que a praça fosse recuperada: as escadarias foram reformadas, refeito ajardinamento e colocados bancos e equipamentos de ginástica (inúteis).

As benfeitorias com a devida manutenção periódica melhoraram o visual do entorno, mas a praça continuou vazia - exceto pelos apreciadores de cannabis que se reuniam por lá de vez em quando para desfrutar o momento. Entretanto, nesse período de pandemia, os moradores descobriram a praça. Dois ou três idosos acordam cedo para caminhar; mais tarde, outros se revezam no banco onde bate o sol; alguns jovens aparecem com os treinadores para se exercitar e pais levam filhos pequenos para um passeio rápido; mas é no final da tarde, contudo, que a situação muda radicalmente. Lá pelas 16 horas a praça é tomada por várias mães que trazem os filhos para brincar e aproveitam para pôr a conversa em dia. Uma algazarra que lembra a hora do recreio escolar...  

Enfim, foi preciso a pandemia para que as pessoas descobrissem a função social de uma praça... É a mesma praça, pequena, modesta, sem guarda, sem romantismo, mas um espaço importante para o encontro de pessoas e brincadeiras inofensivas. Um espaço muito utilizado em outros países, onde sempre vi praças lotadas de pessoas tomando sol, conversando, e com bancos convidativos para momentos de repouso, leitura ou simples observação...



 


“A praça”, 1967. Compositor?  Carlos Imperial (1935-1992) ou João Nilo Peixoto.



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