“No mesmo
instante, o vento deixou de soprar. Era como se o ar em volta de nós tivesse se
imobilizado. É que havíamos partido, e a corrente de ar que atravessávamos nos
comunicava sua própria velocidade. Eis o primeiro grande fato que se observa
quando se sobe num balão esférico. Esse movimento imperceptível de marcha
possui um sabor infinitamente agradável.
A ilusão é absoluta. Acreditar-se-ia, não que é o balão que se move, mas
que é a terra que foge dele e se abaixa. No fundo do abismo que se cava sob
nós, a 1.500 metros, a terra em lugar de parecer redonda como uma bola,
apresentava a forma côncava de uma tigela, por efeito de um fenômeno de
refração que faz o círculo do horizonte elevar-se continuamente aos olhos do
aeronauta [...] Tive medo, não me sentia cair, mas via a terra aproximando-se velozmente
e sabia o que isso significava [...].” (Santos-Dumont, 1897)
Alberto Santos-Dumont era filho de milionário. Aos 18 anos, ele
acompanhou os pais em viagem a Paris, onde o pai doente ia consultar médicos especialistas.
Numa tarde em que se viu sozinho, resolveu realizar seu sonho de voar. Nessa
época, o balonismo era moda na França e havia até catálogo com nome e endereço
dos principais balonistas da cidade. O profissional que ele procurou mediu o
jovem baixinho e magro e tentou dissuadi-lo, mas diante do entusiasmo do rapaz
concordou e informou que o valor do passeio de duas horas lhe custaria 1.200
francos, além de um contrato assinado responsabilizando-se por acidentes,
pagamento das passagens de volta a Paris dos acompanhantes e pelo transporte do
balão com a cesta de ferro por trem até Paris já que o vento os levaria sabe lá
para onde.
Santos-Dumont se espantou diante do alto custo da aventura: “Para um
rapaz de 18 anos, 1.200 francos era uma grande quantia. Como justificar-me de
tal despesa perante os meus?”. Se não gostasse do passeio, teria perdido o
dinheiro; se gostasse, ficaria com vontade de repetir e não teria dinheiro. “O
dilema mostrou-me o caminho a seguir. Renunciei não sem magoas à aeroestação e
fui buscar consolo no automobilismo”.
O primeiro voo de Santos Dumont em balão só aconteceu no outono de 1897. Durante
a viagem para a Europa, leu o livro de Henri Lachambre e Alex Machuron, construtores
do balão Eagle para o cientista sueco
Salomon August Andrée (1854-1897), que desejava fazer a primeira expedição de
balão ao polo Norte. Entusiasmado, Santos-Dumont visitou Lachambre e Machuron
no Parque da Aerostação próximo de Paris. Foi surpreendido pelo preço: uma “ascensão
de três ou quatro horas, com todas as despesas pagas, incluindo o transporte de
volta do balão em caminho de ferro“ lhe custaria 250 francos! Aceitou na hora.
E essa experiência resultou no relato acima que registrou em livro.
(Andrée morreu em seu balão a caminho do polo Norte naquele ano.)
(ASAS DA LOUCURA ‒ A extraordinária vida de Santos-Dumont, de Paul Hoffman, Editora Objetiva, 2004.)