terça-feira, 6 de julho de 2021

O APARECIMENTO DO PAPEL

 

Branco, ele serve para criar ‒ escrever, desenhar, pintar ou que você mais inventar. Se não gostar do resultado, basta apagar ou rasgar; colorido serve para embrulhar pacotes de presentes, embandeirar locais de festa; mais consistente torna-se embalagens. Trata-se do papel que pode ser ele mesmo transformado em obra de arte ‒ origami ou papier mâché. Sem contar que nos dá mais conforto da forma mais prosaica possível ‒ o papel higiênico.

Quando surgiu na Itália no século XII, graças aos árabes que o trouxeram da China, o papel era feito de trapos, não tinha qualidade nem durabilidade e por isso usado apenas para anotações sem importância. Chegou a ser proibido pelo imperador Frederico II (1194-1250) do Sacro Império Romano-Germânico em 1231 na redação de atos públicos. Raro e, portanto, caro, logo ganhou popularidade, impulsionou o desenvolvimento de novas tecnologias para o seu aperfeiçoamento e com isso novas atividades econômicas surgiram no velho continente. Atualmente, quando o papel sobeja (anualmente, são produzidas e consumidas 400 milhões de toneladas métricas de papel*), esquecemos que ele tornou possível a impressão de livros, pois a invenção de Gutenberg não funcionaria com pergaminho usado para a elaboração dos livros até o século XV.  

Na Antiguidade, poucos aprendiam a ler e escrever. O conhecimento ‒ registros religiosos, históricos, tratados de filosofia e literatura em grego e latim ‒ era guardado em livros que tinham como plataforma o papiro e o pergaminho. Com o advento do cristianismo e a queda do Império Romano em 476 os mosteiros, com a participação de outros estabelecimentos eclesiásticos, conservaram o monopólio quase integral da cultura livresca e da produção de livros ao longo de sete séculos. A primeira mudança nesse cenário aconteceu no século XII com as universidades e a expansão da instrução entre os leigos com repercussão na produção de livros que até então eram escritos ou copiados, compostos, difundidos e tinham, naturalmente, um custo elevado.

As universidades criaram bibliotecas para que os professores pudessem dispor de obras de referência para o preparo de suas aulas; entretanto, logo organizaram oficinas para que artesãos copiassem a baixo custo e em menor prazo as obras necessárias. O ensino era oral, mas os estudantes também necessitavam de um mínimo de obras básicas. Assim, teve início nos centros universitários uma corporação de profissionais do livro ‒ clérigos e frequentemente leigos que, entretanto, não podiam trabalhar em seu próprio benefício. E gozavam de certos privilégios, como a isenção de alguns impostos.


O surgimento do papel na Itália originou várias atividades econômicas. Os empreendedores perceberam a importância dele e assim logo apareceram os trapeiros ‒ pessoas que saiam comprando trapos velhos e cordames, vendidos aos papeleiros; adaptaram-se moinhos de trigo para esmagar e triturar os trapos; aprimoram o processo de colagem, substituindo as colas vegetais por gelatinas e colas animais o que deu melhor acabamento ao papel. Surgiram então os trabalhadores especializados.

Os centros produtores eram escolhidos estrategicamente, pois a produção do papel exigia muita água e limpa. A proximidade de portos era importante para a exportação. No princípio, a Itália dominou o mercado, mas à medida que crescia o consumo do papel outros países entraram na competição. No século XIV, o papel já ganhara confiabilidade e a era do pergaminho chegava ao fim. 

E em 1439, o ourives Johann Gensfleish, Gutenberg da Mogúncia, formava uma sociedade com Hans Riffe, André Dritzehn e André Heilmann, para o desenvolvimento de uma “arte nova” pela qual se utiliza uma prensa. A nova arte permitiu a composição de páginas por meio de caracteres móveis independentes. E união dessa nova arte com a arte de fazer papel resultou no livro como o conhecemos até hoje, claro com a evolução que ocorrida durante Revolução Industrial, no século XIX.

Fonte: O Aparecimento do Livro, de Lucien Febvre  Henry-Jean Martin, Editora Unesp/Hucitec, 1992.

 Ilustração: A fabricação do papel de Hartmann Schopffer: De omnibus illiberalibus artibus sive mechanices artibus, Frankfurt, 1574. 

 *A tonelada métrica é o terceiro múltiplo do quilograma e o sexto do grama.

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