sexta-feira, 2 de julho de 2021

ODE AO DOUS DE JULHO

Antônio Frederico de CASTRO ALVES (1847-1871)


Era no Dous de Julho

A pugna imensa

Travava-se nos cerros da Bahia…

O anjo da morte pálido cosia

Uma vasta mortalha em Pirajá.

“Neste lençol tão largo, tão extenso,

“Como um pedaço roto do infinito …

O mundo perguntava erguendo um grito:

“Qual dos gigantes morto rolará?! …

 

Debruçados do céu. . . a noite e os astros

Seguiam da peleja o incerto fado…

Era tocha — o fuzil avermelhado!

Era o Circo de Roma — o vasto chão!

Por palmas — o troar da artilharia!

Por feras — os canhões negros rugiam!

Por atletas — dous povos se batiam!

Enorme anfiteatro — era a amplidão!

 

Não! Não eram dous povos os que abalavam

Naquele instante o solo ensangüentado…

Era o porvir — em frente do passado,

A liberdade — em frente à escravidão.

Era a luta das águias — e do abutre,

A revolta do pulso — contra os ferros,

O pugilato da razão — com os erros,

O duelo da treva — e do clarão! …

 

No entanto a luta recrescia indômita

As bandeiras – como águias eriçadas —

“Se abismavam com as asas desdobradas

Na selva escura da fumaça atroz…

Tonto de espanto, cego de metralha

O arcanjo do triunfo vacilava…

E a glória desgrenhada acalentava

O cadáver sangrento dos heróis!

 

Mas quando a branca estrela matutina

Surgiu do espaço e as brisas forasteiras

No verde leque das gentis palmeiras

Foram cantar os hinos do arrebol,

Lá do campo deserto da batalha

Uma voz se elevou clara e divina.

Eras tu — liberdade peregrina!

Esposa do porvir — noiva do Sol!…

 

Eras tu que, com os dedos ensopados

No sangue dos avós mortos na guerra,

Livre sagravas a Colúmbia Terra,

Sagravas livre a nova geração!

Tu que erguias, subida na pirâmide

Formada pelos mortos do Cabrito,

Um pedaço de gládio — no infinito…

Um trapo de bandeira — n’amplidão!...

                                                  São Paulo, junho de 1868.

Castro Alves é o patrono da cadeira nº 7 da Academia Brasileira de Letras por escolha do fundador Valentim Magalhães.


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