Há dias me dedico à limpeza de papel velho, amarelecido e seco, foi quando achei a reportagem e então resolvi fazer a transcrição de parte de uma longa entrevista que fiz com o cantor espanhol Manolo Otero (1942-2011) em 1986. Infelizmente, não lembro se o show foi em Santos ou Guarujá. Ele era filho de artistas – o pai era cantor de ópera e a mãe, atriz; cursou Filosofia e Letras na Universidade de Madri e iniciou a carreira artística em 1975, quando gravou seu primeiro disco "Todo el tiempo del mundo". Na ocasião, reconheceu que tinha no Brasil uma receptividade muito boa, tanto como cantor como pessoa. Anos depois desta entrevista, ele estabeleceu residência em São Paulo, onde faleceu.
“No palco,
o conjunto começa a tocar “I’ve got you under my skin”, enquanto os
casais trajados com uma elegância sóbria vão chegando e se acomodando em seus
lugares á mesa para desfrutar de Una noche madrileña, como o clube
prometia. No terraço, um jovem casal dança à moda antiga. No ar, uma
expectativa: a chegada do astro principal, o cantor madrilenho Manolo Otero (39
anos). O conjunto agora toca uma seleção de Henry Mancini. À mesa, as pessoas degustam
paella, boquerones fritos ou chorizo, enquanto esperam
aquele que é considerado um dos maiores cantores românticos de seu país. O outro*,
sem dúvida, não chega sequer a ser mencionado, por questão de tato.
Manolo e comitiva chegam no horário
previsto e se encaminham para os camarins. Jeito displicente, atencioso, Manolo
Otero se esconde atrás de óculos escuros (apesar de ser quase meia-noite), acessório
predileto de todos os artistas. O diretor social do clube inicia as
conversações sobre a possibilidade de uma entrevista e o cantor concorda
imediatamente.
O problema surge quanto ao lugar
onde vai acontecer. Sai do camarim (sempre com a comitiva que inclui uma zelosa
esposa colombiana) e vai até a sala de carteado, onde um reduzido grupo logo se
entusiasma com a ideia da proximidade de um astro internacional. Quem não gosta
da ideia é Manolo, que pede um lugar mais íntimo. Finalmente, todos se dirigem
à sala de bale. Ele aprova.
Parece à vontade, tanto que ensaia colocar
a perna na barra. Inteiramente desajeitado. Negócio dele é cantar mesmo. Posa
para fotografias, recebe abraços de alguns fãs e finalmente senta para a
entrevista. A esposa se mantém logo atrás, atenta. Começa falando da carreira
no Brasil e então a primeira surpresa: Manolo Otero fala num verdadeiro portunhol,
talvez uma tentativa para se mostrar agradável e demonstrar que está mais
intimo com a vida do país que o vem acolhendo muito bem.
Durante a entrevista é diplomático nas
respostas: não recusa abrir inteiramente o jogo quando se trata de política,
mas confessa que prefere plateias mais maduras ao falar da carreira; diz que não
gosta muito de futebol, entretanto, demonstra perfeito conhecimento do que
ocorreu com a seleção brasileira (embora não perguntado sobre isso). Em nível
pessoal é anarquista, mas parece muito mais um conservador. No final, uma
declaração de amor: ao palco.
Manolo já conhecia o Brasil o
brasil, pois sempre passou férias em Salvador e no Rio, após temporadas argentinas.
Em fins de 1982 fez a primeira investida no mercado brasileiro com um show no
que ele considerava um lugar pequeno, o Maksoud Plaza, já que era desconhecido.
“As pessoas não me conheciam, não sabiam se eu era cantor, futebolista ou
toureiro, por isso escolhemos um local de espaço reduzido.” Mas a verdade é que
o público já lhe havia garantido um disco de ouro, graças à venda do primeiro
elepê, mesmo sem ter visto de perto o cantor. A apresentação foi um sucesso, a
temporada, prorrogada e desde então ele vem todos os anos ao Brasil."
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