segunda-feira, 6 de março de 2023

AS ATREVIDAS

 Não sou feminista nem machista. O importante na vida das pessoas é fazer das dificuldades um desafio e trabalhar para conquistar aquilo que desejam, sempre com ética e respeito ao outro. Se as convenções sociais de épocas passadas mantinham as mulheres em atividades domésticas e submissas, muitas atreveram-se a mostrar seu talento, arcando com as consequências. Umas tinham aptidão para escrever, outras para pintar, muitas para ir à guerra para lutar por seus ideais, algumas buscaram na ciência respostas para os segredos do Universo. E se saíram muito bem. Importa trabalhar para mudar as leia e, na minha opinião, o exemplo é a melhor lição. Minha avó Maria Luísa foi meu exemplo: viúva com cinco filhos pequenos, ela trabalhou, estudou e, como sempre valorizou a educação, proporcionou a todos educação, fundamental no desenvolvimento de cada um.

PINTORA

SOFONISBA ANGUISSOLA (1532-1625) foi uma pintora renascentista italiana, filha de família nobre e pobre de Cremona. Dizem que o talento da jovem foi reconhecido por Michelangelo (1475-1564) e Antoon van Dyck (1599-1641). Esteve em Roma e mais tarde foi convidada pelo rei Filipe II da Espanha para ser dama de honra da rainha Isabel de Valois e se tornou pintora oficial da corte. Após a morte da rainha retornou à Itália, onde continuou a pintar com sucesso. 

ESCRITORAS

Nada como iniciar com a história da Anônima Ilustre, uma distinta senhora paulistana que em 1797 escreveu o drama Tristes Efeitos do Amor, em redondilhas. Essa obra só foi descoberta em Lisboa, em 1953, pelo pesquisador da USP Antônio Soares Amora. Ela também se manifestou sobre o afastamento de São Paulo do Morgado de Mateus no Diálogo entre Prudência e a Pauliceia.

A paulistana Yde Schloenbach Blumenschein (1882-1963) ficou conhecida pelo pseudônimo de COLOMBINA e publicou seus primeiros trabalhos em A Tribuna, de Santos. Ela estudou na Alemanha, era poliglota, pianista e cantora. Casou-se, teve dois filhos e desquitou-se para horror da família e amigos. Vivia sozinha, fumava, organizava saraus literários em casa e frequentava os meios literários, além de escrever poesia erótica, o que só fez aumentar o preconceito contra ela. O seu último livro foi Rapsódia Rubra: Poemas à Carne.

Quando completou 20 anos, ALEXINA MAGALHÃES PINTO (1870-1921) deixou Além Paraíba (MG) e foi descobrir a Europa. Sozinha. Aproveitou a viagem para fazer vários cursos e, quando voltou, trouxe na bagagem uma bicicleta. O veículo só deu aborrecimentos a Alexina, que pedalava por São João Del Rey, usando calças compridas – o que a cidade considerou uma afronta e o bispo de Mariana caso de excomunhão. Ela ingressou no magistério e escreveu vários livros sobre as raízes brasileiras – cantigas de roda e brinquedos.

GUERREIRAS

Século XV. A França guerreia contra a Inglaterra há quase cem anos pelo domínio da área que corresponde à Normandia, sob o domínio inglês.  A jovem Joana D’Arc, camponesa, católica e provavelmente analfabeta, acredita que poderá salvar a França do inimigo e precisa encontrar-se com o delfim (o futuro rei). A idade é incerta, provavelmente, 16 anos. Ela alega que ouve vozes e é guiada por elas. Consegue convencer um oficial que providencia o transporte para a viagem da moça. Não me interessa o lado religioso da questão. O que importa nessa história trágica é a coragem da moça, que vai muito além do campo de batalha. Para realizar a sua missão, ela enfrenta o mundo, tanto laico como religioso, masculino. Veste roupas masculinas, o que a Igreja condena; levada ao príncipe, comporta-se com segurança, defende suas ideias, passa por testes e, enfim, a aceitam nas fileiras do exército francês. Por que não? Certamente, acharam que na situação presente não faria grande diferença.

A juventude, a ingenuidade, aliada à coragem da moça, certamente tiveram um papel psicológico importante nos soldados e, confiantes, as forças francesas ganharam batalhas importantes que levaram à coroação de Carlos VII em Reims. A luta ainda continuou porque o objetivo era a tomada de Paris, mas na primavera de 1430, Joana foi presa e mais tarde vendida aos ingleses. Era o início do martírio que terminou com a condenação à morte na fogueira em 30 de maio de 1431. (Ela foi considerada inocente em 1456, após revisão do processo. Em 1920 foi canonizada.)  


 

Paris: Place des Pyramides, maio de 2012. 



A catarinense Ana Maria de Jesus Ribeiro (1821-1849) ficou conhecida como a “guerreira de dois mundos”. Ela era adolescente quando estourou a Revolução Farroupilha ou Guerra dos Farrapos, promovida pelos republicados. A guerra contou com a participação de Giuseppe Garibaldi (1807-1882), que depois de ser condenado à morte por participar de uma revolta em Gênova acabou no Brasil e envolvendo-se na Guerra dos Farrapos ao lado dos republicanos. Foi quando conheceu Ana que, abandonada pelo marido monarquista lutava no exército imperial, juntou-se a Garibaldi.  Começa em 1839 sua vida de amante e guerreira. Em 1841, quando a situação se tornou insustentável, Garibaldi parte para Montevidéu (Uruguai), onde se casa com Anita, que já tem um filho. No Uruguai nascem outros três. Em 1848, Anita e as crianças vão para Nice onde ficaram com a família do marido, até que ele mais tarde se reúna a eles. Em 1849 o casal assiste à proclamação da República italiana, mas logo se vê envolvido em nova guerra. Anita (grávida) e Giuseppe lutam pela Itália, só que a saúde dela vai piorando até que ela e a criança morrem perto de Ravena, em 4 de agosto de 1849.  Garibaldi não pôde comparecer ao enterro da mulher. Logo depois partiria para novo exílio. O corpo de ANITA GARIBALDI está sepultado no Janículo, em Roma, onde há um belo monumento em sua homenagem.


CIENTISTAS

Marie-Anne Pierrette Paulze (1758-1836) pertencia à nobreza francesa; quando a mãe morreu foi mandada para um convento e incentivada a estudar. Saiu aos 13 anos para casar com um senhor de 50 anos, mas recusou-se. O pai conseguiu fazer um acordo, sugerindo que o casório fosse com um jovem da família do idoso. Ela gostou da ideia, casaram-se. O jovem era Antoine Lavoisier (1743-1794), o pai da química moderna. Marie Lavoisier não viveu à sombra do marido. Interessou-se pelo trabalho de Lavoisier, estudou e tornou-se assistente dele, participou dos trabalhos e das experiências. Estudou inglês e latim – para fazer traduções de obras para o francês – e pintura com Jacques-Louis David, grande pintor da época, para ilustrar as publicações de Lavoisier. 

Embora Lavoisier fosse um grande cientista. a Revolução Francesa (1789) acabou por atingi-lo: em novembro de 1793 ele foi preso junto com o sogro. Marie lutou bravamente para libertar o marido. Em vão. Os dois foram guilhotinados em maio do ano seguinte. Após a morte dele, ela continuou a trabalhar para preservar o nome do marido: publicou com recursos próprios obras, inclusive as que ele produziu na prisão.

         

Retrato de Lavoisier e sua esposa  (1788). Acervo: Metropolitan Museum of Art, NY.


CAROLINE HERSHELL (1750-1848) brilhou como astrônoma. Nasceu em Hanover, Alemanha, mas aos 22 anos mudou para a Inglaterra onde vivia o irmão, o músico e astrônomo William Hershell (1738-1822). Aprendeu matemática com o irmão e astronomia sozinha, passando a atuar como assistente dele – com o cargo tornou-se a primeira mulher a ser remunerada por um trabalho científico. (O salário era pago pela Coroa.) Caroline, entretanto, envolveu-se com o trabalho, iniciou suas próprias observações e, entre 1786 e 1797, ela descobriu oito cometas. Em 1797, William Hershell notou várias discrepâncias no catálogo estelar do astrônomo real John Flamsteed, fundador de Greenwich publicou um catálogo, e propôs a elaboração de um index para explorar as diferenças e recomendou que a tarefa fosse atribuída à Caroline. O novo catálogo incluiu as observações de Flamsteed, a lista de errata e mais 560 estrelas não incluídas no relatório anterior. O trabalho foi publicado pela Royal Society no ano seguinte. Em 1828 Caroline Herschel recebeu uma medalha de ouro da Astronomical Society of London por catalogar as 2.500 nebulosas descobertas por seu irmão e em 1835 ela foi eleita membro honorário da Royal Astronomical Society e da Academia Real Irlandesa, em Dublin. Na verdade, 1828 foi o ano das mulheres, pois, além de Caroline Herschel, Royal Astronomical Society abriu suas portas para a cientista e escritora escocesa Mary Sommerville, (1780-1872), que também remunerada pelo trabalho. (Ilustração: Wikipedia.)


  

Nenhum comentário: