domingo, 6 de agosto de 2023

SEMANA COM POESIAS

 

Para começar escolhi Alberto de Oliveira, poeta fluminense que nasceu em 1857 em Palmital de Saquarema e faleceu em Niterói em 1937. Ocupou a cadeira 8 da Academia Brasileira de Letras (fundador). “Nem todos cantam tudo; e o erro talvez da geração nova será querer modelar-se por um só padrão. O verso do Sr. Alberto de Oliveira tem a estatura média, o tom brando, o colorido azul, enfim um ar gracioso e não épico”, opinião de Machado de Assis, num ensaio de 1879.

 

Crescente de Agosto

Alberto de Oliveira

 

Alteia-se no azul aos poucos o crescente,

O ar embalsama, os cirros leva, o escuro afasta;

Vasto, de extremo a extremo, enche a alameda vasta

E emborca a urna de luz nas águas da corrente.

 

Na escumilha da teia, onde a aranha indolente

Dorme, feita de orvalho, uma pérola engasta.

Faz aos lírios mais branca a flor cetínea e casta,

Mais brancos os jasmins e a murta redolente.

 

Faz chorar um violão lá não sei onde... (A ouvi-lo

Na calada da noite, um não sei quê me invade)

Faz que haja em tudo um como estranho espasmo e enlevo;

 

Faz as cousas rezar, ao seu clarão tranquilo,

Faz nascer dentro em mim uma grande saudade,

Faz nascer da saudade estes versos que escrevo.

 

In: Poesias, Quarta série. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1928.

(Observação: ouso esclarecer o significado de duas palavras pouco usadas: cetínea – acetinada, e redolente, aromática.)


                                      "Estrada com cipreste e estrela", de 1890,8 Van Gogh. 

sábado, 5 de agosto de 2023

ANDANÇAS RECENTES

 

Andanças recentes pela cidade, aproveitando veranico sem fim.

Palácio Campos Elíseos – iniciado em 1890 e finalizado em 1899. Av. Rio Branco, 1269. Atualmente, Museu das Favelas.


Passagem subterrânea da estação Sé do metrô: gotículas de água da fonte externa formam uma delicada cortina. (A área foi recuperada após anos com um cheiro horrível.)

As escadarias de mármore do Tribunal de Justiça de São Paulo (Praça João Mendes). Projeto: Ramos de Azevedo; prédio inaugurado oficialmente em 1942, foi sendo ocupado aos poucos desde 1933.

Recepcionistas (por assim dizer) da Turquesa, uma loja com produtos variados - de bijuterias a coisas para decoração.

Parque do Carmo: fazia tempo que não via um bambuzal.

“Vem sonhar”, convite do circo Patati Patatá, no Tatuapé. Dá um colorido especial ao bairro. Pertinho do metrô Belém. Rua Uriel Gaspar, 149. 


sexta-feira, 4 de agosto de 2023

FLORAÇÃO DAS CEREJEIRAS

 

Elas não dão frutos, mas na primavera nos proporcionam o mais puro encantamento porque nada é mais delicado do que as flores das cerejeiras e seu colorido suave entre branco e rosa. Neste e no próximo final de semana, acontece a 43ª Festa da Cerejeira no Parque do Carmo, situado em Itaquera, Zona Leste de São Paulo. O Bosque das Cerejeiras fica próximo ao lago e, ao chegar, o visitante se vê entre 4 mil pés de cerejeiras floridas. O evento tem várias atrações – confira a programação no site da prefeitura.

Não há desculpa para perder a festa: o parque tem estacionamento, mas quem não tem carro pode ir de metrô (Linha vermelha) descer em Itaquera, onde há uma linha especial no terminal de ônibus que sai da Plataforma E: 4050/10 Metrô ItaqueraPq. do Carmo. Outra possibilidade para quem quiser ir mais cedo é a linha 3743/10 São Mateus no mesmo terminal.

Atenção para os horários diferenciados da linha.4050/10 Metrô Itaquera – Pq. do Carmo.

·         Dia 4 e 11 sexta-feira, das 12h às 18h.   

·         Dia 5 e 12  sábado, das 9h às 18h. 

·         Dias 6 e 13  domingo, das 9h às 18h. 

ônibus de outras procedências.

·         3027/10 CPTM Guaianases Shop. Aricanduva 

·         352A/10 Jd. Helena Terminal São Mateus 

·         3743/10 São Mateus Metrô Itaquera 

·         4002/10 Guaianases Term. Vl.Carrão

 


Organização da Festa das Cerejeiras do Parque do Carmo: Federação de Sakura e Ipê do Brasil.

segunda-feira, 31 de julho de 2023

OS AMIGOS URSOS

O mau comportamento humano em relação à natureza tem sérias consequências para outros seres vivos. A devastação das florestas, por exemplo, causa falta de comida para os animais que acabam se aproximando das áreas habitadas em busca de alimento. Por causa de um vídeo postado pela BBC News neste fim de semana, lembrei-me de alguns fatos que aconteceram décadas atrás.

Vi dois ou três programas de Oprah e não gostei. Em um deles, a convidada do programa contou que, ao surpreender um urso na cozinha, foi atacada por ele. A filha, que teve coragem suficiente para pegar carne na geladeira e lançar para o animal, a salvou. O urso satisfeito com o alimento foi embora. A mulher, levada às pressas para o hospital, passou por várias cirurgias plásticas reparadoras e, felizmente, se recuperara.

Comentei o fato com amigos e um deles contou-me que visitava um familiar nos Estados Unidos (não lembro o local) e uma noite, retornando para casa, o parente cochichou para ele apressar o passo. Por quê? Um urso vinha caminhando logo atrás deles, explicou entrando na rua transversal mais próxima. Um susto e tanto para o visitante!

Eu costumava assistir ao programa do jornalista americano David Letterman. Em uma dessas ocasiões, ele estava voltando de férias nas montanhas e foi logo narrando o susto que levou certa manhã ao acordar com um estrondo. Levantou para ver o que acontecera e viu um urso na sala. Como bom jornalista, foi buscar a máquina fotográfica para registrar a visita; entretanto, parece que o animal não encontrou nada apetitoso e logo foi embora, mas Letterman (cauteloso) fotografou da janela o urso saindo calmamente da cabana. Ele exibiu a foto do flagrante.

Tudo isso porque ontem a BBC News e SIC Notícias (Portugal) publicaram o vídeo de um urso que foi se refrescar na piscina de uma casa em Burbank, Califórnia (EUA). Estava muito feliz. A polícia local aproveitou para orientar a população sobre o que fazer se encontrar um urso por aí – o que não é o nosso problema. Aliás, o único urso que vi foi no Museu de Zoologia da USP, no Ipiranga.

 https://sicnoticias.pt/especiais/mundo-dos-animais/2023-07-29-Urso-filmado-a-refrescar-se-numa-piscina-na-California-e83043af





Zé Colmeia - personagem de Hanna-Barbera e o urso preto do Museu de Zoologia da USP (foto Hilda Araújo).




quarta-feira, 26 de julho de 2023

IMPULSOS

Entrei no trólebus para ir a Higienópolis, mas não fui até lá. Motorista e cobrador jovens parecem ser amigos de longa data. O cobrador conta suas experiências com o celular – compra, venda, programas, APPs e que tais. São gentis com passageiros idosos, aconselham cuidado, e retomam a conversa; dão informações precisas a quem pergunta... Dois raros profissionais. Na praça da República, num impulso, desci. Na calçada, hesito. Resolvo tomar um café e lembro da padaria do Olivier Ankier, atravesso a rua e percebo que a praça está em polvorosa – funcionários da prefeitura varrem e esfregam o chão que brilha. Podaram as árvores, o gramado do jardim foi aparado – passarinhos saltitam por todo lado, aproveitando a comida farta que aparece nessas ocasiões em que insetos ficam sem proteção da vegetação. Os lagos estão limpos e as fontes funcionam.

            Sempre achei a República uma das praças mais bonitas da cidade. Até encontrei Baden Powell por lá – não o músico brasileiro que faleceu em 2000, mas o britânico, idealizador do movimento de escoteiros, morto em 1941. Triste mesmo foi constatar que roubaram a escultura do sabiá-laranjeira; entretanto, uma graciosa garça apareceu por lá, pousou numa mureta, olhou em torno e foi pousar numa plataforma, que transformou num palco e, ali, no meio de um dos lagos, arrepiou as penas, se coçou e se imobilizou, no melhor estilo estátua. Um senhor passa por mim e exclama “Inacreditável!”.

            Há alguns moradores de rua; um sem juízo ronda aqui e ali envolto em seu cobertor “reizinho”, soltando palavras ao vento (aliás, tem muita gente com juízo por aí dizendo palavras ao vento). Hora de ir ao café, mas passo por uma banca de jornal (?) com vários livros em oferta. Nem precisei garimpar – um de Mário de Andrade me atrai de imediato. Compra feita, olho para o edifício Esther e vejo um OXXO onde deveria estar a padaria, que fechou em consequência da pandemia – como me informam. O restaurante continua funcionando na cobertura. 

A vontade de tomar café passou e caminho até a avenida São Luís para tomar o ônibus. (Verbo tomar com sentidos tão diferentes!) Não espero muito e logo aparece um trólebus, mas assim que a porta se abre – surpresa! Lá está a mesma dupla da viagem até a praça. Assim que os passageiros se acomodam e o veículo se movimenta, os dois prosseguem no bate-papo. Agora o assunto são motos, mantenho os olhos na janela em busca de algo interessante de passagem...

Fotos: Hilda Araújo, julho/2023.







terça-feira, 25 de julho de 2023

O HOMEM INVISÍVEL

 


A cena urbana de uma vila na Idade Média é uma pequena mostra de que usos e costumes pouco mudam com o passar do tempo, apesar das inovações que surgem e vão sendo incorporadas pela sociedade. Outono ou primavera, quem sabe? Faz sol. Vê-se pelas sombras, mas pela nesga de céu observam-se nuvens atrás do prédio que ocupa o centro da pintura. O arauto a cavalo lê os proclamas para uma pequena plateia atenta, mas atrás dele a rua fervilha de gente. Um homem carrega suas mercadorias e observa com interesse a chegada de uma família – pai, mãe e filho – e talvez anteveja bons negócios. Do lado direito destaca-se o aguadeiro que também observa os recém-chegados. Gente importante? Quem sabe? Indiferente ao que acontece no entorno, uma mulher escolhe os alimentos acomodados nos cestos presos ao lombo do burrico, enquanto a verdureira se esforça para agradar. Do prédio à direita, onde há uma mulher na sacada, sai uma jovem atenta à vendedora. Pela mão leva a criança animada com o passeio. Três damas escolhem tecidos dispostos no parapeito de uma janela que funciona como vitrine, enquanto na casa ao fundo outras três conversam e fazem compras. No prédio do centro, nos terraços fechados com treliça, duas mulheres observam o movimento na praça. Abaixo da sacada, próximo da porta, o mendigo com uma perna de pau observa o movimento e atrás dele um porco e algumas galinhas se alimentam sob o olhar curioso de um vira-lata. Ainda há mais três ou quatro pessoas proseando sob a sacada.

O surpreendente na cena é a invisibilidade do ladrão falsificador preso ao pelourinho bem no centro da praça.

Hoje nas ruas temos os vendedores ambulantes; o burrico foi substituído por carros/ caminhonetes com som insuportável; homens e mulheres fazem compras com pressa, a prosa persiste, mas ameaçada cada vez mais pelos celulares. As janelas perderam o encanto, substituídas pela TV. Quanto ao arauto foi substituído pelos pregadores religiosos, por pessoas contratadas para ficar à porta de estabelecimentos comerciais com megafones atraindo fregueses em potencial...  O pelourinho sumiu, mas os invisíveis continuam ao nosso redor.

Encontrei a gravura sem crédito num texto antigo sobre Lisboa do século XIV, nem sei se a ilustração é da mesma época, mas me chamou atenção.

“Cena da vida quotidiana de uma cidade medieval, Fernão Lopes dá-nos uma descrição muito vívida da cidade de Lisboa no século XIV até 1369: ‘Esta cidade é uma grande estação das mais desvairadas gentes, assim locais como estrangeiros (...) Aragoneses, Franceses, Genoveses e Prazentins (de Piacenza, na Itália), Milaneses, Venezianos. Assim de Ingreses, da Flandres, da Dinamarca e da Livónia (Báltico), (...) assaz uma cidade muito bela, à beira do rio onde toda a indústria se pode encontrar’.” Crónica do rei D. Fernando, capítulo 16.

segunda-feira, 24 de julho de 2023

PRÍNCIPE DOS POETAS

A cousa complicada que é uma cidade qualquer. A cousa complicadíssima que é uma grande cidade moderna.” Foi com este comentário genérico que, na quinta-feira, 14 de julho de 1927, o poeta Guilherme de Almeida abriu sua primeira crônica no Diário Nacional, jornal que estava sendo lançado naquele dia, com respaldo do Partido Democrático em São Paulo. Guilherme de Almeida foi contratado para cuidar (imaginem só!) da seção de queixas e reclamações. Usava o pseudônimo de Urbano, não porque tivesse vergonha, a questão é que ele trabalhava no jornal O ESTADO de S. PAULO, onde escrevia crônicas sobre cinema. 

            Nem é preciso dizer que ele se saiu muito bem. Lendo as crônicas reunidas em um livro publicado pela Martins Fontes, imagino que muitos personagens ele inventava a partir de fatos corriqueiros que observava pela cidade – Guilherme de Almeida viajava de bonde. São crônicas bem humoradas, recheadas de galicismos (substituídos hoje por anglicismos) já que o francês era o idioma da moda.

Em 1961, a Livraria Martins Fontes homenageou o poeta. “Para marcar o tão significativo evento da nossa vida editorial, propositadamente escolhemos essa obra, a significar homenagem nossa ao autor, que ora completa vinte anos de editado, exclusivo na sua produção original.” O livro, que se chama RUA, reúne imagens da cidade em forma de versos, resultado de suas anotações – “Nem de repórter, nem de turista, estes flashes: apenas de transeunte”.

Guilherme de Almeida nasceu no dia 24 de julho de 1890 em Campinas e faleceu no dia 11 de julho de 1961 em São Paulo. Sofri para ler porque o livro é manuscrito e a letra de Guilherme de Almeida... Oh! Céus!




Rua Florêncio de Abreu. Foto: Hilda Araújo, abril de 2013.





RUA, de Guilherme de Almeida, com fotos de Eduardo Ayrosa. SP, 1961, Livraria Martins Editora.

segunda-feira, 17 de julho de 2023

FÉRIAS!

 

"Se escrevo o que sinto é porque assim diminuo a febre de sentir. O que confesso não tem importância, pois nada tem importância. Faço paisagens com o que sinto. Faço férias das sensações. Compreendo bem as bordadoras por mágoa e as que fazem meia porque há vida.” Bernardo Soares  um dos heterônimos de Fernando Pessoa e autor do "Livro do Desassossego". 



sábado, 15 de julho de 2023

MIRANTE DO VALE

 

O belo Viaduto Santa Ifigênia, o "buraco do Ademar". À direita, o prédio centenário do Correio e o CBI Esplanada (o primeiro arranha-céu do Vale, 1948) e o Teatro Municipal. À esquerda, edifícios  Martinelli e Matarazzo (prefeitura) com o jardim na cobertura. 


Quando li sobre a instalação do Sampa-Sky no edifício Mirante do Vale, no Anhangabaú, em agosto de 2021, fiquei curiosa. Em que consiste o brinquedo? Eu descreveria como um balcão todo de vidro, fechado como uma grande caixa a que se tem acesso pelo salão localizado no 42º andar. Quem sabe? Talvez vá até lá um dia. Uma amiga propôs a aventura e lá fomos nós pairar sobre a cidade. Dia maravilhoso – céu azul, temperatura de verão. O cenário é perfeito. Aliás, podemos observar duas paisagens diferentes – uma muralha de concreto a partir das duas plataformas – e outra menos atraente, porém, não menos interessante, visível apenas das janelas comuns. 

Três pessoas à nossa frente e um rapaz – que nos cedeu a vez, não porque fôssemos duas senhoras, mas para ganhar tempo e coragem já que dizia ter pavor de altura. Mesmo sem realmente flutuar a sensação é estonteante. Respiro fundo, peço ao funcionário que acompanha a visita que me dê a mão para pisar na primeira plataforma de vidro – tontura nunca tive, mas 150 metros de altura são novidade.

Admirando todos aqueles prédios não pude deixar de pensar em quantas histórias eles têm para contar...São Paulo tem mais de doze milhões de habitantes – e ali se agrupa apenas uma parte deles. Minha destemida amiga não se restringiu a poses convencionais: só não rolou, mas deitou-se sobre o Vale. O rapaz venceu o medo e aproveitou a aventura. Foi um ótimo passeio. E continua em casa onde se pode com calma tentar localizar ruas e prédios famosos da cidade.

Em tempo: li no site o comentário de alguém que reclamou do prédio velho. Acho que não entendeu que o edifício está situado no CENTRO HISTÓRICO.  O mirante do vale foi inaugurado em 1966 e até 2014 foi o maior arranha-céu do Brasil. Projeto de Waldomiro Zarzur (1922-2013) e Aron Kogan (1924-1961).

Edifício Mirante do Vale. Foto: Hilda Araújo.













Foto: equipe do Sampa-Sky.

Mirante do Vale: Praça Pedro Lessa, 22 – Vale do Anhangabaú. Estaçã
o de metrô mais próxima: São Bento, saída direto no Vale do Anhangabaú. O agendamento e os ingressos são feitos apenas pelo site do Sampa Kky. Os preços são diferenciados nos fins de semana. Após a visita, as pessoas podem aproveitar o belo panorama no café. Equipe muito atenciosa.

quinta-feira, 13 de julho de 2023

ARTE NO CAMINHO

Em São Paulo não há desculpa para não se apreciar arte porque é possível encontrar obras artísticas pelo caminho – em ruas, praças e no metrô. Basta erguer os olhos do celular. “A beleza também é uma função”, como Oscar Niemeyer afirmou.



"Mãe e filhos entre arranha-céus": Lasar Segall, 1929, em exibição na vitrine da estação Santa Cruz do Metro (SP).



Museu Lasar Segal: Rua Berta, 111, Vila Mariana. 

terça-feira, 11 de julho de 2023

O JEQUETIBÁ-ROSA

Nenhuma das pessoas a quem perguntei sabia onde era a rua Aspásia. A Sertãozinho desapareceu.

Ela parece perdida no meio daquela floresta de concreto e vidro, que lhe tirou o status de emergente, mas não conseguiu roubar-lhe a beleza, o porte altivo e a grandeza serena que, infelizmente, poucos observam ao passar com pressa de carro ou a pé pela Avenida Brigadeiro Faria Lima. Chama-se Cariniana legalis, mas é mais conhecida por jequitibá-rosa – árvore nativa brasileira e símbolo dos estados de São Paulo e Espírito Santo. Esse jequitibá-rosa foi plantado em 1959 por Irene Lewis, moradora da região, na esquina das ruas Aspásia com Sertãozinho, no Itaim-Bibi. Durante a implantação da Operação Urbana Faria Lima em 1995, o jequitibá-rosa só não foi ao chão por intervenção dos moradores que se mobilizaram a seu favor. Aliás, na ocasião, a Operação Urbana Faria Lima mobilizou ricos, pobres – por motivos bem diferentes, arquitetos e urbanistas – também por motivos diferentes. Os defensores da árvore venceram: o prefeito Paulo Maluf (1931) aprovou e o traçado da avenida foi refeito com um desvio para a construção do canteiro central em torno do jequitibá-rosa. Na ocasião, o arquiteto Júlio Neves, autor do projeto, afirmou que valia a pena a prefeitura gastar mais R$ 800 mil reais para salvar a árvore do corte.* O jequitibá-rosa já tem 64 anos e mais de 15 m de altura.

            A maior coleção de jequitibás conhecida está no Parque Estadual de Vassununga, em Santa Rita do Passa Quatro (SP), onde se encontram as duas maiores árvores de São Paulo: Patriarca, com cerca de seiscentos anos e 45m de altura e a Matriarca com 48m de altura. Ambos fazem parte da lista dos seres mais antigos do planeta.

*Fonte: Folha de S. Paulo, 14/01/1994.




CORDÃO DE POMBOS


Largo Ana Rosa, Vila Mariana (SP). Setembro, 2019.

Quando passo pelo largo, os pombos estão sempre por lá observando o movimento – muito interessados em localizar alimento – e me lembro de “Os pássaros” (1963), filme de Alfred Hitchcock, em que antes dos ataques à cidade as aves se alinham nos fios das ruas. Claro que Hitchcock não usou pombos, mas corvos, mais assustadores e quase sempre associados a mau agouro. (Nunca vi um corvo, exceto em fotos, filmes e desenhos do Faísca e Fumaça.) De pombos gosto muito. Esta foto foi tirada há bastante tempo, mas o ponto de reunião está quase sempre lotado – uns cuidam da higiene, outros parecem morgar; os curiosos observam os vizinhos – indiscretos ou flertando? Há até o adepto do velho provérbio “antes só do que mal acompanhado” e observa os semelhantes de uma luminária. Ou talvez só aguarde um espaço para se juntar ao bando. 

Recentemente, li um livro sobre urbanismo em que o autor faz uma comparação curiosa entre humanos e essas aves. De acordo com ele as pessoas que procuram um banco ou lugar para se sentar deixam um espaço entre si, sem interferir na individualidade do outro. 

https://www.youtube.com/watch?v=zv6JRpSSZB0


"Os pássaros", um clássico! 

terça-feira, 4 de julho de 2023

PORTAS

 

“A porta da casa se abre, deixa-se a privacidade do palco familiar e sai-se para a vida coletiva. Da mais completa identificação de personagens e papéis, passa-se para o anonimato da massa humana da qual, de quando em vez, destacar-se-á esta ou aquela pessoa para adquirir identidade e ser significativa em nossa vida cotidiana. De modo análogo, os objetos e signos constituem elementos de um estoque cenográfico, os quais podem, associados ou isolados, adquirir um papel significativo e constituir o nosso cenário urbano da vida cotidiana. /Que rua é esta a estender-se qual um tapete na frente da porta de cada casa?” Arquiteto e urbanista Jorge Wilheim (1928-2014).


Faculdade de Arquitetura e Urbanismo - FAU/ USP, rua Maranhão, 88.
Vila Penteado, antiga residência de Álvares Penteado, fazendeiro, industrial e comerciante.



~
Vila Maria Zélia, Belenzinho.
Fotos: Hilda Araújo.


quarta-feira, 28 de junho de 2023

PESADELOS DE UM SEDUTOR

 

Como as pessoas se veem? Como elas relatam sua existência? Tanto as biografias quanto as autobiografias são gêneros literários, que não aprecio muito. Li poucas. O que têm de verdade? Não faço ideia. Há tempos publiquei textos autobiográficos de pessoas famosas, na tentativa de mostrar como elas encaram suas vidas. E aqui segue mais uma: Woody Allen.

Woody Allen conta que por pouco não nasceu. “Definitivamente, eu nasci, e coloco dessa forma porque houve três riscos iminentes de eu não ter tido vida. O primeiro foi quando meu pai foi um dos únicos três nadadores que fizeram o longo percurso até a praia quando seu navio afundou. O segundo também o envolveu, mas não de maneira tão heroica.” Seus pais já eram noivos e o casamento foi cancelado porque ele roubou a aliança de diamantes de uma prima dela. A situação foi remediada com intervenção do pai do larápio. “(...) Meu terceiro flerte com a não existência veio logo após o nascimento. Pelo menos eu já havia entrado”. A mãe era caixa de uma floricultura e ele ficava com babás – as que ela encontrava disponíveis. Uma delas o enrolou em um cobertor explicando como seria fácil para ela o sufocar e então colocar o cobertor com ele morto na lata de lixo. “Por sorte a empregada pertencia àquela variedade de louca que não leva seus planos a cabo (...)”.

“(...) Finalmente, eu adentro o mundo. Um mundo no qual nunca me sentirei confortável, que nunca compreenderei, nunca aprovarei ou perdoarei. Allan Stewart Konigsberg, nascido em 1º de dezembro de1935. Na verdade, nasci no dia 30 de novembro, bem perto da meia-noite, e meus pais empurraram a data para que eu pudesse começar num primeiro dia. Isso me deu zero de vantagem na vida, e eu preferia bem mais que eles tivessem me deixado uma poupança enorme. Só menciono isso porque, numa ironia inútil, minha irmã nasceu oito anos depois exatamente no mesmo dia.

            Eu fui o sol das cinco irmãs de minha mãe, o único varão, o queridinho dessas doces fofoqueiras que babavam sobre mim. Nunca fiquei sem uma refeição, nem careci de roupas ou abrigo, nunca fui acometido por nenhuma doença séria, como a pólio que assolava a cidade. (...) Eu era saudável, popular, bem atlético, sempre o primeiro a ser escolhido nas equipes esportivas. Jogava bola, corria e, ainda assim, acabei me tornando nervoso, medroso, um caco emocional, mantendo a compostura por um fio, um misantropo, claustrofóbico, isolado, amargurado, um pessimista impecável. Algumas pessoas veem o copo meio vazio; outras o veem meio cheio. Eu sempre vi o caixão meio cheio. (...) Minha mãe falava que não conseguia entender. Dizia que eu era um garotinho doce e animado até uns cinco anos, quando mudei para um moleque feio, azedo, chato e de ovo virado.

Mas não há trauma na minha vida, nada de terrível que tenha ocorrido e me transformado de um garotinho sardento sorridente vestindo calções e sempre com uma vara de pesca em uma das mãos num lorpa cronicamente insatisfeito. Especulo que, por volta dos cinco anos, eu tenha tomado consciência da mortalidade e percebi, afe, que eu não pedi isso. Nunca concordei em ser finito. Se você não se importar, quero meu dinheiro de volta.

(...) é incrível a frequência com que sou descrito como um ‘um intelectual’. Essa é uma concepção tão tola quanto o Monstro do Lago Ness, já que não tenho um neurônio intelectual em minha cabeça. Iletrado e desinteressado por questões acadêmicas, eu cresci como o protótipo do palerma que se senta diante da tv com uma cerveja na mão assistindo empolgado a uma partida de futebol, com a pagina central da Playboy presa com fita adesiva na parede, um bárbaro vestido de tweed, com um paletó com protetor nos cotovelos.

Eu provoco meus pais neste relato de minha vida, mas cada um deles me forneceu conhecimentos que me serviram bem, no passar das décadas. Do meu pai: quando comprar jornal de uma banca, nunca pegue o de cima. De minha mãe: a etiqueta sempre fica atrás."

(...)

O que eu mais invejo? Quem escreveu Um bonde chamado desejo. A coisa que menos invejo? Saracotear no campo." Woody Allen (1935).

Woody Allen – a Autobiografia. Rio de Janeiro: Globo Livros, 2020.


 

 

segunda-feira, 26 de junho de 2023

SEMPRE SÉ...



Nada mais fascinante do que ouvir sinos tocando. Outro dia entrava na estação Sé do metrô quando eles começaram a tocar. Parei e fiquei ouvindo, mas dois funcionários apareceram para saber se eu precisava de ajuda. “Obrigada, parei para ouvir os sinos.” O carrilhão da Sé tem 61 sinos de bronze – cinco deles pesam cinco toneladas cada um, o que permite que o som seja ouvido a dois quilômetros de distância. Meio-dia. Segui meu caminho, quando eles se calaram. Desde 1978, quando a área passou por uma grande reforma para a inauguração da estação do metrô, a praça da Sé tem um belo relógio JW Benson, fabricado em Londres em 1910. A procedência dele é misteriosa. De acordo com a prefeitura foi encontrado entre o espólio de um prédio desapropriado pela Empresa de Municipal de Urbanização – EMURB, extinta em 2009. O relógio tem quatro mostradores e um sino; a engrenagem mecânica é movida por dois pesos de ferro suspensos por cabos de aço – um responsável pelos ponteiros e outro pelo toque do sino. Não está funcionando no momento.

A Praça da Sé me atrai. Paro para tirar uma foto. Uma mulher se aproxima e quer saber o que estou fotografando. “O prédio do Tribunal de Justiça” – explico, mas creio que ela não entendeu. Continuou parada, olhos perdidos na distância. Mais adiante um homem apregoa a bíblia, mas ninguém o ouve, nem mesmo músicos que observam o entorno e parecem aguardar um momento de tranquilidade para começar a tocar. Os instrumentos descansam no chão. As pessoas passam rapidamente para lá e para cá preocupadas com seus problemas. 


A catedral e a escultura de Bruno Giorgi: o "Condor".

Vou caminhando. Paris é logo ali. Basta atravessar a rua. Passo pela rua Barão de Paranapiacaba: a rua do ouro. Dezenas de pessoas tentando convencê-lo a comprar ou vender ouro numa das lojas dessa rua temática. Hora de dar uma espiada na Livraria da UNESP. 


terça-feira, 20 de junho de 2023

AS PREGUIÇOSAS

 Véspera do inverno de 2023.

"Ai que preguiça!" – como diria Macunaíma.

"Guanabara", obra de João Batista Ferri: Anhangabaú.

"Depois do banho", Victor Brecheret: Largo do Arouche.

"Tão natural quanto a luz do dia, mas que preguiça boame deixa aqui à toa” – CÉU  AZUL, de Alexandre Magno Abrão, Chorão (1970-2013).

Sem título: obra de Alfredo Ceschiatti, Estação da Sé.

"Diana Adormecida", obra do italiano Giuzeppe Mazzioli   MASP.

Musas da Escultura e da Engenharia, Praça Luís Carlos Paraná, no Itaim. Obra: Galileu Emendabili (1898-1974).

                                   Sem título: obra de Alfredo Ceschiatti, Pinacoteca do Estado.


sábado, 17 de junho de 2023

Donald , meu querido mal-humorado.

O personagem fez sua estreia em 9 de junho de 1934 como coadjuvante no curta-metragem The Wise Little Hen (A Galinha esperta), no qual Donald já mostrava sua personalidade arisca ao dar as costas a uma galinha que necessitava de ajuda para plantar e colher milho.