Minha
rua quinta-feira. Um luxo só. Inverno chegando ao fim com ares de primavera e
uma lua cheia para lobisomem nenhum botar defeito.
sábado, 6 de setembro de 2025
PAISAGEM
domingo, 31 de agosto de 2025
DOMINGO NO MINHOCÃO
Hoje o
passeio foi pelo Elevado Costa e Silva que, de acordo com a população, é simplesmente Minhocão. Fico com o povo:
fui passear no Minhocão. O elevado tem 2.500 m de extensão; liga
a Zona Oeste a partir da Praça Roosevelt à Zona Leste, terminando na Avenida
Francisco Matarazzo. Os cinco acessos intermediários contribuem com mais 900 m.
O objetivo da obra: desafogar o trânsito da cidade. O projeto do arquiteto Luiz Carlos Gomes Cardim Sangirdadi foi
recusado pelo prefeito Faria Lima; quando o engenheiro Paulo Maluf assumiu a
prefeitura paulistana, construiu o viaduto em onze meses e deu à obra o nome do
seu padrinho: General Costa e Silva. O povo, entretanto, não perdoou e a obra-prima
de Maluf virou Minhocão. A inauguração aconteceu em 24 de janeiro de
1971, com um tremendo congestionamento.
Não
vou contar a história do Minhocão, porque daria uma novela – aliás, a polêmica
foi registrada por Jorge Andrade na novela O Grito (1975/1976), mas ele já apareceu
também em filmes. Passei poucas vezes por lá e, provavelmente, de ônibus; estou
mais familiarizada com os baixos do viaduto – que eu me lembre da Avenida
Amaral Gurgel até a praça Marechal Deodoro. Neste domingo, achei que era tempo
de corrigir essa falha e assim fui até a Praça da República de metrô, segui
pela Avenida Ipiranga até a Rua da Consolação, onde começa o viaduto. Ainda
deu tempo de olhar o velho Teatro de Arena Eugenio Kusnet e a Igreja da
Consolação em restauro.
É
estranho ver o viaduto sem veículos e pessoas caminhando despreocupadas. Parece
verão. Público heterogêneo – jovens, adultos e idosos; alguns sentados de olho
no celular ou conversando com amigos; outros lendo (sim, lendo) livros. Há um
espaço com jogos (dama e xadrez) e brinquedos. Um pai ensina a filha a jogar
xadrez; muita gente toma sol como se aqui fosse o Gonzaga e saboreia água de
coco. Não há vendedores. Em caso de necessidade, não faltam banheiros químicos.
O
que me surpreende? A tranquilidade que paira pelo viaduto. Que bom! Estou
interessada nas ruas lá embaixo – Major Sertório, General Jardim, Marques de
Itu, Santa Isabel, Jaguaribe... De repente uma algazarra. Localizo a origem: uma
enorme feira de domingo lá embaixo na Rua Sebastião Pereira. Uma infinidade de
barraquinhas. Último dia de agosto, último domingo do mês e a freguesia parece
disposta a gastar. Adiante, o Largo Santa Cecília. Hora de voltar.
Gostei muito da experiência e retornarei no sentido contrário – a partir do Largo Padre Péricles, em Perdizes. O lado negativo é a falta de recipientes na entrada do viaduto na Consolação para os vendedores de coco jogarem o lixo.
sábado, 30 de agosto de 2025
DR. FRANKENSTEIN
Hoje é dia do Frankenstein, de acordo com a Microsoft que insiste em me
manter atualizada com essas datas comemorativas tão importantes. Só por causa
disso assistirei hoje o filme “Frankenstein” (1931), dirigido por James Whale. O roteiro, baseado na obra de Mary Sheley, tem
mais seis “colaboradores”: Peggy Webling, John L. Balderston, Francis Edward
Faragoh, Garrett Fort, Robert Florey, John Russell. No papel de monstro, está Boris
Karloff (1887-1969). Não gosto de filmes de terror, mas adorei “O jovem
Frankenstein” (1974), dirigido por Mel Brooks (1926), com Geme Wilder (1933-2016).
Os dois assinam o roteiro. A data é uma referência à criadora do monstro, a escritora
britânica Mary Shelley, que nasceu em 30 de agosto de 1797 e faleceu em 1853.
Ela escreveu o livro aos 19 anos.
AH! OS PSICHÊS!
Na biblioteca,
peguei o livro por causa do tema, o bairro do Brás, nem me preocupei em verificar
a autoria. Em casa, acomodada na poltrona, displicente, folheei o livro, parei
nas páginas ilustradas com fotos antigas e voltei ao Sumário – uma espécie do
cardápio dos livros. Um capítulo me atraiu – “Homenagem ao bucolismo, que não existe,
e ao agente ferroviário, que existiu”, mas o seguinte foi decisivo porque lá
estava o psichê, coisa da minha infância, palavra que não via ou ouvia havia
mais sessenta anos... Fui direto para a página 110, repleta de “Retalhos, psichês,
panos de prato, camisas saco”. Faço uma leitura dinâmica – das lojas de retalhos
que proporcionam a criação de colchas e tapetes coloridos artesanais, criados
por senhoras prendadas, das lojas especializadas em venda de sacarias, ideais
para fazer pano de prato ou pano de chão – e também se faziam camisas com pano de saco –
roupa de trabalho, sem gola... Mais duas página sobre os casamentos (“Casava-se
muito no Brás”) até que fico sabendo que no Brás antigo, além do enxoval, era
fundamental também comprar um psichê.
Eis um móvel que foi expulso dos
dormitórios, quando as famílias trocaram as casas por apartamentos. Para quem não
sabe ou não lembra, o psichê tanto pode ser a tradicional penteadeira com um
grande espelho e várias gavetas para guardar os objetos de toucador como um espelho
de corpo inteiro em moldura com pés e inclinável. No quarto de minha avó tinha
um lindo psichê e no quarto do meu tio havia o psichê de moldura. As penteadeiras mantêm-se em camarins.
Satisfeita com as histórias que
encontrei nessa crônica, iniciei a leitura do livro cuja prosa deliciosa me
conquistou e, quando finalmente, resolvi buscar o nome do autor não me espantou:
Lourenço Diaféria (1933-2008), nascido e criado no Brás. Em “Raízes de uma
Paixão” ele conta a história de Charles Miller (1874-1953) que nasceu no Brás, foi
estudar na Inglaterra, aprendeu a jogar futebol e na volta foi trabalhar na São
Paulo Railway, a “Inglesa”, como era chamada; entretanto, Miller se empenhou em
dois trabalhos: um, no almoxarifado da ferrovia, e o outro, a ensinar e a divulgar
o tal football – no início entre os funcionários da SPR, do London Bank e da
Companhia de Gás que formaram os dois primeiros times de futebol no Brasil... O
resultado desse trabalho todos nós sabemos e a história do Brás segue conduzida
com sensibilidade que caracterizou o jornalista que passou pelos principais
jornais de São Paulo. Ele começou a carreira na Folha da Manhã (Folha de S. Paulo),
passou pelo Jornal da Tarde, Diário Popular e Diário de Grande ABC; escreveu vários
livros e entre eles “BRÁS – sotaques e desmemórias”, Editora Boitempo Editorial,
2002.
PARQUE PRINCESA ISABEL
Achei que o sol ia aparecer à tarde,
como ontem, e fui à antiga Praça Princesa Isabel lá pelos lados dos Campos
Elíseos; porém, o tempo fechou e esfriou, mas fui em frente. O ônibus entra na
Avenida São João e depois desvia pela Alameda Barão de Limeira. Passamos pela
Folha, nº 425. Que tristeza! Dois ou três homens fumando na rua (é proibido
fumar em prédios). Lembrei-me das dezenas de carros amarelinhos na porta, das
pessoas que se aglomeravam na calçada, querendo saber das novidades ou
simplesmente fazendo fofoca; gente entrando e saindo do prédio a qualquer hora
do dia; as máquinas que ficavam na entrada... Do lado, uma construção de portas
cerradas para uma história de sucesso até o triste fim – a famosa casa
Zacharias de pneus da Barão de Limeira, 477. Tudo se foi.
A Praça Princesa Isabel, de princesa
só tem o nome. Agora é Parque! Um imenso parque, quase vinte mil metros
quadrados, muito bem cuidado. Tive que contornar o parque todo para entrar e no
caminho a Guarda Metropolitana enquadrava dois pilantras. Comigo havia oito
pessoas, dois passeando com seus cachorros, um casal de namorados e dois
solitários resistentes ao frio. Alguns garis varriam as folhas que o vento
insistia em espalhar. Tudo impecável. O Duque continua impávido, erguendo a
espada: ontem o monumento completou sessenta anos. A obra que ao todo tem 48
metros de altura é de Victor Brecheret (1894-1955) e estava destinada,
inicialmente, para ser colocada no Vale do Anhangabaú, mas mudaram de ideia e o
Duque até hoje mantém-se sobranceiro na Praça Princesa Isabel.
quinta-feira, 28 de agosto de 2025
CORDISLÂNDIA
O dia
não começou muito bem, mas sempre salva-se alguma coisa boa. Ao sair do Centro
Esportivo, vi o carro oficial estacionado próximo ao Hospital do Servidor e o
nome da cidade chamou minha atenção: Cordislândia. Uma “cidade do coração”?
Nunca havia ouvido falar dela. Lembrei-me
das aulas de Latim de dona Lígia Fava Fonseca, nos tempos do Liceu em Santos. Cor,
cordis = coração – substantivo neutro da terceira declinação. O
município fica no Sul de Minas Gerais e é banhado pelo rio Sapucaí, que tem 240
km e também percorre parte do território paulista. Tudo começou 1860, quando o fazendeiro
pernambucano José Paredes Viana fundou, um vilarejo que (claro!) denominou de
Paredes. O solo fértil atraiu moradores interessados em lavoura. Dois moradores
Joaquim Silvério Grilo e José Máximo doaram áreas para a construção do
cemitério e da igreja; em 1889, o lugarejo ganhou a primeira escola e a
professora era Dona Vitalina Pereira; em seguida veio a agência postal. Somente
em 1911 foi criado o Distrito de Paredes do Sapucaí como parte do município de
São Gonçalo do Sapucaí. Em 1930 a população conseguiu o benefício da iluminação
elétrica e em 1945 foi criada a paróquia do Sagrado Coração de Jesus. Paredes
do Sapucaí foi elevada à categoria de cidade em 1962 e ganhou a denominação de
Cordislândia em homenagem ao padroeiro da cidade.
Cordislândia tem 3.200 habitantes e o gentílico de quem nasce na cidade é cordislandense.
O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é alto: 0,660. A principal atividade
econômica do município é a agropecuária com destaque para café e leite, mas
ultimamente tem se destacado com a produção de vinhos e queijos artesanais,
atraindo turistas.
terça-feira, 26 de agosto de 2025
DIA DO CACHORRO
Hoje é o Dia Internacional do Cachorro, data criada em 2004. Se eu tivesse um animal de estimação, seria um cão vira-lata, embora goste demais do Golden Retriever e do Pastor Alemão.
domingo, 24 de agosto de 2025
PARQUE BUENOS AIRES
O
veranico é um convite para sair sem destino pela cidade. Depois de explorar o
reduto da Sé, expandi minhas caminhadas para Higienópolis, pois há muito tempo
queria ir ao Parque Buenos Aires. Quando mudei para São Paulo ainda era Praça
Buenos Aires, mas em 1987 tornou-se parque e está inserido no quadrilátero formado
pelas Ruas Piauí, Bahia, Alagoas e Avenida Angélica. Visitei o lugar há muitos
anos, passei por lá muitas vezes, mas não me lembrava do interior.
Metrô
até a estação Higienópolis e saída pela Rua Piauí, que no início ainda tem algumas
pequenas casas e prédios antigos com varandas e venezianas de madeira. Boa
parte da quadra é do Mackenzie. Atravesso a Rua Itambé (pedra afiada em Tupi).
Do lado par da Piauí várias casas graciosas resistem à verticalização. A quadra
após a Rua Sabará já não tem casas, com exceção da Casa Rodrigues Alves, na
esquina com a Rua Itacolomy. O casarão foi construído no início do século
passado, pertenceu à família do presidente Francisco de Paula RODRIGUES ALVES (1841-1919), que
governou o Brasil no período de 1902 a 1906. Em algum momento a propriedade
passou para o Instituto Nacional da Previdência Social; entre 1965 e 2003 foi
sede da Divisão de Ordem
Política e Social (Dops) e da Polícia Federal; em 2012 foi tombada pelo Conselho
Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental de São Paulo (Conpresp).
Lá
se encontra também o Edifício Piauí (428), construção de 1952, que foi o primeiro
projeto do arquiteto Artacho Jurado em Higienópolis. Ele morou com a família no
apartamento de cobertura.
Enfim, o Parque Buenos Aires, que foi
inaugurado em 1913 com o nome de Praça Higienópolis, na gestão do Prefeito
Raimundo Duprat, que contratou o paisagista francês Joseph-Antoine Bouvard. O
objetivo era a preservação da vista do vale do Pacaembu. Abundante área verde
em que se destacam sibipirunas, canelas e um enorme jequitibá-rosa, espelhos d’água
e várias obras de arte – entre elas Mãe (Caetano Fraccaroli), Tango (Roberto
Vivas) e Emigrantes (Lasar Segall) – dão um toque especial ao logradouro. Em 1992
o Parque foi tombado pelo Conpresp.
Eis um parque como deveriam ser todos: frequentado por moradores em busca de tranquilidade. Nada de correrias (pelo menos não vi). Alguns casais namorando; amigas conversando; algumas pessoas lendo, outras cochilando; babás cuidam de crianças bem comportadas que aproveitam a tarde quente de agosto.
Na saída vejo a geladeira velha de porta escancarada. Uma “biblioteca” onde se pode depositar livros para doar e pegar o que interessa sem burocracia. Espio as doações – só livros didáticos... Hora de ir embora. Tarde proveitosa.
sábado, 16 de agosto de 2025
ADONIRAN BARBOSA
Adoniran
Barbosa, nome artístico de João Rubinato (1910-1982), foi o tema da Caminhada Noturna
pelo Centro Histórico desta quinta-feira (14). Umas trinta pessoas – jovens,
adultos e idosos; casais ou pessoas sozinhas interessadas em andar pela cidade
e conhecer História e histórias de São Paulo se concentraram às 20h em frente à
Biblioteca Mário de Andrade. Noite fria. Todo mundo bem agasalhado. Começa a
caminhada pela famosa – São João com Ipiranga, onde tem uma escultura simpática
de Adoniran e seu cãozinho Peteleco bem na porta do Bar da Brahma, depois fomos
para a Rua Aurora, onde ele morou de 1949 a 1966, no apartamento do Edifício
Santa Ignez, mas resolvi não continuar, pois minhas sextas-feiras começam às
5h30.
Durante
o passeio acabei conversando com uma senhora que mora no Centro, costuma fazer
as caminhadas. Está curtindo seus 75 anos. Ela me conta que trabalhou num salão
de beleza de propriedade de um francês. Ele exigia que as funcionárias se
trajassem com elegância. Maquilagem caprichada. O uniforme elegante incluía
luvas. “As clientes eram todas da elite paulistana.” Não gosta de ficar em casa e sempre encontra
programas culturais e nos finais de semana vai caminhar no Minhocão. “É muito
bom ver todo aquele movimento de gente para lá e para cá, uns de bicicleta, outros
com seus bichinhos ou correndo ...”. Ela conhece o Centro Histórico muito bem. É
baiana, radicada em São Paulo há longos anos. De repente está falando da beleza
arquitetônica dos prédios antigos e lamenta o fim do glamour que existia na
região.
Pausa
na Praça Júlio de Mesquita, onde o grupo admira a beleza da Fonte Monumental,
que tem várias histórias – foi a primeira obra pública de São Paulo criada por
uma mulher, a artista campineira Nicolina Vaz de Assis Pinto do Couto (1866-1941);
o chafariz estava destinado para a Praça da Sé, mas acabou sendo instalado na
Praça Vitória, antigo nome da Júlio de Mesquita. Ao longo dos anos o monumento
sofreu muitas depredações e Adoniran Barbosa registrou e lamentou o mau
comportamento das pessoas na música ROUBARAM A LAGOSTA: “...é melhor ficar seca
ou molhada/ Do que ser derretida ou roubada”.
Novo
destino: Rua Aurora cuja decadência se acentua. Ah! Lá está o prédio do Cine Áurea,
inaugurado em 1957 e que no final do século exibia apenas filmes “adultos” ou de
sexo explícito. A Rua dos Gusmões, ali perto, também fez parte do repertório de
Adoniran – "Essa mulher sabe que por ela/ Sou
capaz de tudo/ Sou capaz até/ De atravessar a rua dos Gusmões/ LENDO ALI BABÁ E
OS 40 LADRÕES".
O grupo agora vai para o viaduto Santa Ifigênia. Não me chamo
Eugênia, nem nasci ou cresci e muito menos conheci meu primeiro amor por ali,
mas concordo com Adoniran – o Viaduto é muito bonito. Eu me despeço da senhora
baiana, mas ela também vai para os lados da avenida Rio Branco, onde pegarei
meu ônibus e ela prosseguirá.
https://www.youtube.com/watch?v=M-vE6ycLKK8
quinta-feira, 14 de agosto de 2025
DANDO NA VISTA
Estou começando a ficar preocupada. Desde que me
aposentei = tenho me dedicado à dança, andanças e passeios pela cidade. Minha
amiga Sheila, quando me visita e vamos ao Recanto Doce, costuma perguntar se
vou me candidatar a algum posto tal quantidade de “D. Hilda, bom dia!” ou “Olá,
D. Hilda” que ouvimos no trajeto de 300 m. Dou risada. Moro aqui há 42 anos!
Hoje, entretanto, depois de passar por uma
papelaria na Sé, resolvi ir ao supermercado que tem na Rua Conselheiro Furtado
para comprar frutas. Qualquer ônibus me servia. Na fila para subir no primeiro
que apareceu, uma simpática senhora quer me dar passagem. Agradeço, explico que
prefiro ficar no fim. Assim que subo a vejo acomodada no banco junto à janela:
“Não se preocupe, seu banco preferido não foi ocupado” – diz ela e aponta para
trás. Meu banco? “Sim, aquele em que a senhora costuma viajar.” Trocamos
algumas gentilezas e desço logo adiante. O banco preferido é o solitário. E eu
nunca a vi mais gorda.
Frutas compradas, subi a ladeira até a Avenida da
Aclimação, um dos três ônibus que me servem acabara de passar; me estatelei no
banco do ponto dos ônibus. Depois de uma manhã gélida, eu sufocava dentro do
agasalho e gostaria de ficar lá recuperando o fôlego; mas eis que surge o
ônibus que costumo tomar na ida para o SESC, o motorista acena me animando para
subir. Agradeço e ele e o cobrador logo estão num papo entusiasmado e me
incentivam a participar. Despeço-me e desço no “meu ponto”. Nova surpresa. Um
senhora nissei, miudinha e com um delicado chapéu rosa, emparelha comigo, sorri
e comenta:
“A senhora anda muito! Vejo a senhora passando
várias vezes por dia. É muito bom.” Conversamos um pouco até eu chegar ao meu
destino e ela prossegue – mora mais adiante.
E eu achando que sou discreta...
quarta-feira, 13 de agosto de 2025
ARTISTAS MIRINS
O
Macaulay Culkin, o garotinho que estrelou “Esqueceram de mim” em 1990, fará 45 anos
este mês. É, o tempo passa, e os atores infantis de sucesso crescem. Muitos têm
talento suficiente para prosseguir na carreira; outros mudam de profissão como Pablo
Calvo Hidalgo (1948), garoto espanhol que ficou famoso ao estrelar Marcelino, Pão e Vinho, em 1953. Aos 16 anos, deixou o
cinema e formou-se em engenharia. Ao chegar à adolescência John
Leslie Coogan Jr. (1914-1984) já havia faturado US$ 4 milhões. Ele estrelou O Garoto (1921),
dirigido por Charles Chaplin; teve problemas com a família por causa do
dinheiro, mas revelou-se na maturidade um bom ator. Um dos seus últimos papéis
foi Tio Chico na
série Família Adams (1964).
A garotinha Shirley Temple (1928-2014)) manteve uma carreira
regular até 1949 – só em 1932 ela fez nove filmes. Afastou-se do mundo
artístico para concorrer ao Senado dos Estados Unidos – perdeu, mas tornou-se
delegada das Nações Unidas e depois embaixadora americana em Gana e na
Tchecoslováquia (atual República Tcheca). Em 1985, reapareceu nas telas.
Mickey Rooney (1920-2014)) é um exemplo de sucesso. Começou aos 7
anos e foi considerado pelo livro Guiness dos Recordes como o ator com a mais
longa carreira no palco e nas telas. Aliás, por causa da baixa estatura e seu
rosto juvenil continuou interpretando adolescentes por muito tempo (o que não o
agradava). Foi premiado com Oscar, Globo de Ouro e Emmy. Contracenou com as garotinhas Elizabeth Taylor (1932-2011) e
Judy Garland (1922-1969). As pequenas atrizes conseguiram um grande sucesso
profissional, mas tiveram vidas bem diferentes – Taylor uma vida sentimental
atribulada e Garland lutando contra as drogas.
William Aaker (1943) ninguém conhece, mas ficou famoso como o
pequeno Cabo Rusty, parceiro do cão pastor alemão na série Rin tin tin. Ele se manteve em atividade entre 1951 e 1963,
período em que atuou em 18 filmes e 22 séries de TV. Charles William Mumy Jr. (1954), o Will da série Perdidos
no Espaço, é ator e músico. Lucas Daniel Haas (1976)
também mantém uma carreira sólida depois de ter estreado aos 9 anos em A Testemunha (1985)
ao lado de Harrison Ford. Baldes de lágrimas garantiram a fama a Rick Schroder
(1970), o garoto escolhido para o papel de T.J. em O Campeão (1979).
Schroder continua no ramo, também dirigindo filmes. Angus T. Jones (1993) começou cedo a
carreira de ator, mas o sucesso surgiu com a série Two and a Half Man, quando
estava com dez anos. O papel valeu-lhe prêmios e em 2010 era o ator mirim mais
bem pago da tv americana. Por questões religiosas, abandonou a série e pouco
tem atuado desde então.
No Brasil, lembro da turma do Sítio
do Pica-pau Amarelo na década de 1970 cujo elenco era formado
por Júlio César Vieira da Cunha e Silva (1964) no papel
de Pedrinho. Só Rosana Garcia (1964), como Narizinho, e Suzana Abranches (1961),
como Emília, continuam no meio artístico. Outros atores mirins: Samuel
Melo (1990), Xande Valois (2004), André Luís Franbach (1997); Sérgio Malheiros
(1993), Felipe Bragança (2001), José Victor Pires (1999) e João Vitor Silva
(1996).
Não é possível
esquecer o menino de rua Fernando Ramos da Silva (1967-1987), que atuou em Pixote – A Lei do Mais Fraco (Hector Babenco, 1981). Depois de algumas
participações em outros trabalhos, ele voltou para as ruas e foi assassinado.
Lee Aaker com Rin-tin-tin.
sábado, 9 de agosto de 2025
ANDY WARHOL
Quarta-feira,
Andy Warhol teria completado 97 anos. Ele nasceu em Pittsburgh, Pensilvânia e
faleceu em 1987 em Nova York. Warhol se destacou na chamada Pop Art, nos anos cinquenta
do século passado e ainda hoje causa polêmica. Até o final de agosto é possível
visitar a exposição Andy Warhol POP ART! na FAAP, que reúne cerca de seiscentas
obras dele originais, inclusive Marilyn Diptych.
Campbell’s Soup Cans para ele. A obra é de 1962.
“Se você quiser saber tudo sobre Andy Warhol, basta olhar
para a superfície das minhas pinturas e filmes, e para mim, e lá estou eu. Não
há nada por trás disso.” Andy Warhol, O Outro do East Village , 1966.
quarta-feira, 6 de agosto de 2025
PALACETE DO CARMO
Um dia
ele foi o Palacete do Carmo, construído nos anos vinte do século passado na esquina
da Praça Clóvis Bevilacqua com a Rua Roberto Simonsen, no Centro Histórico de
São Paulo. Abandonado há anos, atualmente, ele parece estar se desfazendo aos
poucos e me causa sensação de insegurança cada vez que passo por ali. A revista
VEJA publicou em 14/08/2020 matéria sobre a negociação de um grupo de investidores
com a Arquidiocese de São Paulo, proprietária do Palacete, da reforma do prédio
que tem cerca de 3.900 m². O projeto, que incluiria a restauração da ala
histórica e a construção de um moderno anexo, na época, ficaria em torno de duzentos
milhões de reais, mas parece que não deu certo.
Um dó ver
uma parte da história da cidade se degradar dia a dia... O abandono deu à natureza
um espaço e no topo do prédio observam-se alguns arbustos viçosos.
segunda-feira, 4 de agosto de 2025
VELHICE E SOLIDÃO
Dizem
que santo de casa não faz milagres, caso do filme neorrealista UMBERTO D
(1952), dirigido por Vitorio de Sica e que na época a Itália não soube apreciar. Um filme que, infelizmente, ainda retrata
o tratamento dado à velhice em vários países. Uma história banal de abandono e
solidão narrada e interpretada com extrema sensibilidade e autenticidade. O
próprio De Sica afirmou que o filme foi mal visto na Itália pós-guerra, pela
abordagem dos problemas sociais envolvendo aposentados e idosos. De Sica dedicou o filme ao pai.
Humberto
D foi indicado para a Palma de Ouro do Festival de Cannes de 1952; ganhou o
prêmio de melhor Filme Estrangeiro da Associação de Críticos de Arte de Nova
York em 1955 e indicado ao prêmio
de Melhor Filme Estrangeiro da Academia Britânica de Artes do Cinema e
Televisão em 1957; Carlo
Battisti, que não era ator, mas professor de Linguística, venceu o Prêmio
NBR – National Board of
Review – de Melhor Ator de
1957. Em 2005 foi incluído
na lista ALL TIME 100 Movies da revista TIME.
|Achei
maravilhoso.
quinta-feira, 31 de julho de 2025
BONS DE CONVERSA
Eu já disse e repito. Admiro muito pessoas que estão sempre dispostas conversar não importa quem seja o ouvinte (ou ouvintes). Elas sabem como iniciar a prosa e mesmo que você não tenha a mesma habilidade, isso não as intimida. Ao longo desses anos tenho encontrado muitas dessas pessoas que se sentam ao meu lado na condução e logo estão me contando suas vidas. Nem preciso pesquisar para dizer que ônibus e pontos de ônibus são onde as encontro mais; depois esquinas onde aguardo para atravessar ruas e seguem as salas de espera.
Foi num ponto de ônibus na Avenida
Ricardo Jafet, que encontrei Francisca. Eu pretendia esperar o Jardim Saúde-Parque
D. Pedro II, que deve fazer a mesma rota do cometa Halley. Estava disposta a
esperar uns dez minutos e se ele não aparecesse, minha opção era o metrô.
Quando cheguei ao ponto um senhor estava perguntando a uma senhora baixinha,
cerca de cinquenta anos, pelo tal ônibus e comentei que ele costumava demorar
muito. Ela disse que ele iria passar em
cinco minutos, pois era o horário que costumava sair do emprego. Fiquei mais
animada e, como teria que voltar na semana seguinte, memorizei o horário. Dito
e feito. Uns dez minutos depois surgiu o difícil.
Quando retornei dias
depois, estava pensando na vida quando a senhora apareceu, conversou com a moça
que, por falta de um banco, sentara no meio-fio, mas logo foi premiada com a
chegada do ônibus. A senhora me reconheceu, se aproximou e iniciou a conversa.
Nos cinco ou dez minutos de espera, soube que se chama Fran, trabalha nas
imediações, sai sempre naquele horário para pegar a netinha na escola e de
quebra ainda me recitou todos os horários do Jardim Saúde. O ônibus apareceu.
Ela subiu, foi saudada festivamente pela tripulação, se aboletou no banco da
rainha –nome que dei ao banco da frente que fica no topo de dois degraus – e começou
uma longa conversa bem humorada com motorista e cobrador. Eu a encontrei outras
vezes e ela no meio de uma das histórias comentou que pelo menos o nome ela
sabe assinar. Não resisti e a incentivei
a fazer um curso de alfabetização. Toda sorridente me disse que faz parte dos
planos dela.
Fran é uma daquelas
pessoas que enfrenta as dificuldades da vida sem lamúrias e distribui simpatia
por onde passa.
terça-feira, 29 de julho de 2025
A COBERTURA DO SHOPPING LIGHT
Creio
que nunca a meteorologia foi tão popular. Há algum tempo surgiu a possibilidade
se “seguir” pessoas e sites e sei mais lá o quê. Tempos atrás seguir alguém era
um caso de importunação; porém, de uns tempos para cá virou moda. Confesso que
não sigo nada nem ninguém. Comento isso porque praticamente todas as pessoas
que encontro me informam sobre as condições do tempo para amanhã, para o final de
semana ou do mês, o que me leva à conclusão que “seguem” algum site
meteorológico. Sem contar meu computador que, sem ser consultado, exibe na
barra inferior, a temperatura do momento. No aparelho de TV, o Google exibe a
hora e a temperatura. A Defesa Civil faz um bom trabalho, alertando sobre tempestades
e enchentes.
Abro
a janela e lá está um céu azul, um ventinho gelado... Irei visitar a cobertura
do Shopping Light (Rua Coronel
Xavier de Toledo, 23), porque ontem, passando por lá, vi a placa
com o convite para a visita, mas não quis esperar até o meio-dia, hora em que começam
a funcionar o elevador histórico (pantográfico) e o restaurante (considerado
por dois anos consecutivos como o melhor de São Paulo pela revista VEJA).
Fiz
um caminho diferente da Sé para o Anhangabaú – via Rua Benjamin Constant, que
está com as entranhas abertas – trabalhadores trocam encanamento e fiação do
subsolo. Paro para um cafezinho amigo na Líbero Badaró antes de atravessar o
viaduto. Como ainda faltam cinco minutos para meio-dia vejo algumas vitrines
no shopping.
No
hall do elevador estranhei muito a fila para ir à cobertura, mas descobri que o
pessoal ia mesmo para o quinto andar, espaço gastronômico do shopping. Pensei
com meus botões que teria sido mais rápido se eles tivessem usado as escadas
rolantes.
Enquanto
aguardo o elevador, vejo a placa pedindo aos passageiros paciência com a demora
porque, afinal, o equipamento tem 96 anos. Que ninguém se espante com a idade
dele, pois funciona muito bem. Apenas as luzes do mostrador dos andares por
onde ele passa não funciona, o que deixaria Mr. Mackenzie aborrecido, já que
ali era a sede e ele diretor da poderosa The São Paulo Tramway, Light and Power Co. Ltd., responsável
pelo fornecimento de energia da cidade.
Desembarquei
em um hall muito elegante, atendida por uma jovem simpática e fui até a varanda
ver a paisagem urbana. Não me surpreendi muito com o fato de já ter visto cenários
mais bonitos do centro da cidade – como o que oferece o Edifício Matarazzo,
logo ao lado, com seu jardim suspenso; ou do alto do Sampaio Moreira na Rua Boa
Vista ou ainda do prédio Martinelli na esquina da São João com São Bento. Basta
olhar da Praça Ramos para observar que o Edifício Alexandre Mackenzie,
inaugurado em 1929, está ladeado por prédios mais altos e modernos tanto do lado da Rua
Xavier de Toledo quanto do lado da Praça do Patriarca. Ele tem nove andares e cinquenta
metros de altura – o CBI Esplanada em frente tem 31 andares e 110m de altura.
Como
a visita não demorou muito e o sol estava agradável caminhei até a Avenida São
Luís para pegar condução. Foi um ótimo início de tarde.
Ah!
O acesso ao restaurante da cobertura é pela Rua Formosa, 157. Tem
estacionamento.
sábado, 26 de julho de 2025
Anjos Desavisados
“Anjos
Desavisados”, escultura de bronze do artista canadense Timothy Schmalz (1969),
inaugurada em 29 de setembro – Dia Mundial dos Migrantes e Refugiados, na Praça
de São Pedro no Vaticano. Setembro, 2024.
sexta-feira, 25 de julho de 2025
IVANHOÉ E ROBIN HOOD
Estou
na fase de amenidades. Ontem assisti ao filme americano Ivanhoé, o Vingador
do Rei (1952), uma adaptação do romance de Sir Walter Scott (1771-1832),
que li na adolescência. A direção foi de Richard Thorpe (1896-1991). No elenco
encabeçado por Robert Taylor (1911-1969), tem Elizabeth Taylor (1932-), no
frescor dos seus 20 anos, mas ainda uma atriz imatura. A experiente John
Fontaine (1917-2013) parece mais a mãe aborrecida com o namoro da filha do que
a noiva enciumada.
Dizem
que Walter Scott foi quem criou o romance histórico – ou seja, usou elementos
da história inglesa recheados de paixões e intrigas. No caso, a época é o
século XII. A Inglaterra era governada por João Sem Terra, irmão do rei Ricardo
I, mais conhecido como Ricardo Coração de Leão. Ricardo, após participar da III
Cruzada (1189-1182), no retorno para casa, foi sequestrado pelo rei Leopoldo da
Áustria que o manteve preso. O romance (e o filme) trata apenas do episódio do
resgate – Ivanhoé em busca de Ricardo, já considerado morto, o encontro do
monarca e a luta para levantar a quantia exorbitante estipulada para sua
libertação. O filme mostra os cavaleiros medievais em justas – competições em
arenas (liças), e torneios munidos de lanças bem animados. Tudo promovido pelo
João Sem Terra e seus acólitos.
Ivanhoé é um personagem lendário e, quanto ao rei Ricardo verdadeiro, ele pouco se importou com o fato de que a Inglaterra foi à bancarrota para pagar o seu resgate, pois logo em seguida atravessou o Canal Inglês para cuidar de interesses ingleses na Normandia (França) e nunca mais retornou - o que o filme não conta. É um bom filme para diversão e, quem sabe, despertar o interesse de alguém por História – a real é bem diferente. Assisti à série feita para TV (1958) estrelada por Roger Moore (1927-2017).
Ontem,
foi a vez de outro “capa e espada”: As Aventuras de Robin Hood
(1938), que recebeu três Oscar – melhor trilha musical original, melhor direção
de arte e melhor edição de filme. Errol Flynn interpretou Robin e Olivia de Havilland,
Lady Marian; a direção ficou primeiro com William Keighley, logo substituído
por Michael Curtiz. As cenas das batalhas entre os nobres e os plebeus são
muito boas. O arqueiro responsável pelos lançamentos foi Howard Hill (1899-1975),
o maior profissional de arco e flecha de sua época. Ele interpretou o capitão
dos arqueiros derrotado por Robin Hood, que consegue partir uma flecha ao meio.
Em tempos de fantásticos efeitos especiais é bom saber que, na verdade, foi
Hill quem realizou a proeza. A cena foi feita em apenas uma tomada! Um ótimo entretenimento.
Acima o arqueiro Howard Hill.
sábado, 19 de julho de 2025
DIA NACIONAL DO FUTEBOL
Dia Nacional do Futebol: 19 de julho. A data
escolhida refere-se à fundação do Sport Club Rio Grande, da cidade de Rio
Grande (RS), há 125 anos. O “Vovô”, como é chamado, continua firme e forte em
ação.
Com todo respeito ao “Vovô”, eu prefiro
homenagear nesse dia a Seleção Brasileira de Futebol que venceu a Copa do Mundo
em 29 de junho de 1958, na Suécia.
Feola (técnico), Djalma Santos, Zito, Belini, Nilton Santos, Orçando, Gilmar, Garrincha, Didi, PELÉ, Vavá e Zagalo.
Fizeram também parte da seleção: Castilho, De Sordi, Oreco, Moacir, Joel, Dida, Mazzola (86 anos), Moacir (89) e Pepe (90 anos) e Dino Sani (93 anos).
E lá se foram 67 anos ...
terça-feira, 15 de julho de 2025
CERBÈRE E WALTER BENJAMIN
Cerbère
está situada nos Pirineus Orientais (França), na fronteira com a Espanha, em uma região cuja ocupação se
perde no tempo. Há ruínas pré-históricas e, naturalmente, os romanos estiveram
por lá. Aliás, o nome da cidade está relacionado à mitologia greco-romana,
segundo a qual o cão Cérbero é o guardião do Hades (inferno). Mas existe muita
discussão sobre o assunto e outras explicações, mas gosto desta porque me
parece bem óbvia.
A
cidade fica em uma pequena baia no Mediterrâneo e, além da paisagem marítima, o que se destaca
são os arcos da ferrovia, construída em 1880 (Eiffel). A rodovia corta a
cidade, desce o morro por uma plataforma que cobre o cais e a marina. Duvido
que alguém chegue de trem à cidade e desça a pé até a Avenida General De Gaulle
sem que a população toda saiba.
A
economia baseia-se na vinicultura e no turismo – pesca, mergulho submarino e
praias. Cerbère tem 1.560 habitantes* que, tradicionalmente, fazem a sesta. A
vida retoma seu curso depois das 16h30. Da varanda do hotel ouço os sinos da
igreja (que fica na encosta do morro) que chamam para alguma cerimônia; vejo o
pai com o filho aproveitando o fim de tarde na praia, onde um pequeno grupo
pratica mergulho. Aparecem algumas pessoas na praça onde se destacam
hotel, restaurante, loja de lembranças...
Em
um canto da praça há um grupo de esculturas em homenagem aos produtores rurais,
que por longo tempo tiveram de fazer à mão o transbordo dos produtos agrícolas
(especialmente laranjas) comercializados entre Espanha e França. O motivo: a
diferença de bitola das duas ferrovias, que impedia a circulação de trens entre
os dois países.
Há
dois monumentos em homenagem aos cinco ferroviários fuzilados pelos nazistas
durante a II Guerra Mundial (1939-1945). As lembranças do conflito estão presentes
na cidade – Avenue du General De Gaulle, Rue 18 de Juin
1940 (data em que o general De Gaulle deu início à Resistência) etc.
Na
verdade, lembrei-me dessa viagem, ao ler um ensaio de Walter Benjamin sobre os
livros e seus colecionadores.
Crítico,
ensaísta e filósofo Walter Benjamin (1892-1940) teve uma vida atribulada. Judeu
alemão, filho de comerciantes, com a ascensão do nazismo, seu trabalho deixou
de ser publicado na Alemanha e em 1935 refugiou-se na França. Em 1939 havia
perdido a cidadania alemã e estava praticamente na miséria. Com a deflagração
da guerra e a posterior ocupação da França pelos alemães em 1940, Benjamin decidiu
fugir com um grupo de amigos para Portugal, via Espanha, para se estabelecer
nos Estados Unidos.
As dificuldades dessa viagem até Cerères deterioraram ainda mais seu estado de saúde e de espírito de Benjamin. Na última parte da jornada, ele mal aguentou subir os Pirineus e quando jornada clandestina terminou no posto de fronteira da Espanha – Cerbère-Portbou, todos foram barrados porque era essencial o visto francês de saída. Sem cidadania alemã e sem documentação francesa, a situação do escritor era dramática. Os fugitivos conseguiram permissão para ficar aquela noite na aldeia próxima. Benjamin, entretanto, sentiu-se encurralado – não podia sair da França nem voltar – e decidiu que o único caminho era a morte e para isso usou morfina. Foi uma agonia lenta. Horas depois de sua morte, o grupo fugitivo conseguiu autorização para prosseguir viagem. Antes, porém, eles cuidaram dos despojos do companheiro de jornada e pagaram o funeral no cemitério de Portbou (Espanha).
Walter
Benjamin nasceu em 15 de julho de 1892 em Berlim e morreu em 26 de setembro de 1940 em Cerbère.
*Pelo censo de 2018, 1.351 habitantes.
Crônica de 2006, ano em que cheguei à França procedente da Espanha. .