BRASIL DESCONHECIDO
Em
meados do século XIX, moradores do entorno de Recife promoviam, no primeiro domingo depois da Páscoa, uma concorrida festa ao deus Baco que culminava com uma procissão até a pequena Igreja de Nossa Senhora dos Prazeres dos Montes Guararapes. O fato
é narrado por Luis da Câmara Cascudo em sua História
da Alimentação no Brasil (Editora Global).
Em 19 de abril de 1648, nas proximidades do Recife, os holandeses
foram vencidos por combatentes das três
raças formadoras da nacionalidade brasileira na primeira Batalha de Guararapes.
No dia 19 de fevereiro de 1649, aconteceu a segunda batalha, que culminou com nova vitória brasileira. Mais tarde, o mestre de campo Francisco
Barreto de Menezes, que comandou o exército de patriotas, pediu que fosse construída
uma capela junto à Igreja de Nossa Senhora dos Prazeres, conhecida
também como Nossa Senhora das Vitórias, em agradecimento à vitória conseguida contra os holandeses.
As comemorações da Festa de Nossa Senhora estenderam-se para oito
dias: o primeiro dedicado a Nossa Senhora do Rosário; o segundo, a
Nossa Senhora dos Prazeres; o terceiro, à Senhora Santana; o quarto, a São
Gonçalo; o quinto, ao Bom Jesus de Bouças; o sexto, a Nossa Senhora da
Soledade; o sétimo, a Nossa Senhora da Conceição; o oitavo – não por falta
de nomes na hagiografia - a Baco.
A festividade dedicada
ao deus pagão começava após o ritual litúrgico convencional. Uma multidão
dirigia-se a um lugar chamado Batalha, próximo ao riacho Jordão cujas águas
vermelhas eram atribuídas ao sangue dos guerreiros da Batalha dos Guararapes.
Ali, formava-se um cortejo e depois do batizado de Baco nas águas do Jordão
pernambucano, saiam todos em procissão. Cada participante levava um galho de
árvore e encerrando o cortejo surgia Baco, montado em uma pipa conduzida aos
ombros pelos participantes, que iam se revezando na tarefa.
O papel do deus pagão
(?) era representado pelo juiz da festa, eleito todos os anos pelos foliões. Baco
usava uma coroa de folhas, levava uma garrafa de vinho na mão direita e um copo
na esquerda e, naturalmente, bebia durante todo o percurso do séquito em
direção aos Prazeres. Pereira da Costa, citado por Câmara Cascudo, diz que
desfilava “então o préstito, entoando um cântico tirado por uns tantos e
respondido em coro por toda a gente”.
O estribilho era
convidativo: “Bebamos companheiros, /Bebamos companheiros, /O suco da uva,/ O
vinho verdadeiro.” O folclorista
brasileiro imagina que seria um belo espetáculo aquele “enorme e compacto
arvoredo a descer pela colina, cuja verdura resplendia como esmeraldas aos
raios solares”. Essa incrível procissão entrava por um dos lados da capela,
dava uma volta pelo pátio e se desfazia.
Câmara Cascudo diz que o
costume foi tolerado por autoridades civis e religiosas até 1868, quando chegou
o novo bispo, D. Francisco Cardoso Aires.
Culto e meticuloso, ao saber da história, o religioso chamou o presidente da
Província, Braz Carneiro Nogueira da Costa e Gama, o conde de Baependi, e acabou a festa.
Baependi (mais tarde
senador do império) mandou a infantaria para a Igreja dos Guararapes e a cavalaria
para as barrancas do Riacho Jordão. Assim, os devotos desse Baco batizado não
se animaram a continuar com os festejos que, no entanto, permaneceram na
lembrança da população local.
A Igreja de Nossa Senhora
dos Prazeres dos Montes Guararapes, construída nas primeiras décadas do século
XVII, fica no município de Jaboatão dos Guararapes.
Bacco, de Caravaggio (1571-1610),
Galeria Uffizi, Florença.
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