Corria o ano da graça de 1958. Ela vivia feliz no Rio de Janeiro e nunca
desconfiou que fosse envolvida em uma grande trama política. Embora tivesse um
nome muito feio – na verdade correspondia ao seu aspecto físico que não a
ajudava em nada–, seu endereço era na Quinta da Boa Vista, bairro digno da realeza.
Certamente, não era supersticiosa, mas seu destino começou a mudar (ela também)
no dia 13 de fevereiro. Mal sabia que logo se tornaria uma celebridade internacional.
Quando o Zoológico do Rio de Janeiro
concordou em enviar Cacareco para o zoo paulistano, que ia ser inaugurado em 16
de março, reacendeu-se a velha rixa entre cariocas e paulistas. Aqueles
descobriram que amavam Cacareco (que eles nem sabiam que era
uma fêmea) e estes caíram de amores pelos encantos do “animalzinho” cuja
permanência na pauliceia foi se estendendo com o apoio da imprensa.
E assim Cacareco acabou se envolvendo em uma trama política sem
precedentes no ano seguinte, durante o processo eleitoral para a renovação da
Câmara de São Paulo. As eleições caíram como luva para a vingança
dos descontentes moradores de um bairro que teve negado pelo Supremo Tribunal o
pedido de emancipação política do município de São Paulo; os paulistanos, em
geral, também não gostaram do perfil de nenhum dos 540 candidatos a vereador. Estava
pronto o cenário ideal para o lançamento da candidatura do rinoceronte a
vereador da Capital por um grupo de jornalistas paulistanos liderados por
Itaboraí Martins.
O jornalista Neil Ferreira (O
Cruzeiro, de 24.10.1959) contou em uma reportagem que “Cacareco – conseguiu empolgar, de maneira
espetacularmente inédita o eleitorado paulistano. Sem prometer nada (êle não
pode prometer: não sabe nem falar), sem partido político definido - sua legenda
poderia ser objeto de confusões: PC (Partido Cacareco) e alguém ainda acabaria
sem visto de saída para países da banda de cá do mundo - enfim, com sua
candidatura lançada sòmente alguns dias antes do pleito, sua eleição está
garantida.”
Cacareco era filha de Britador e Terezinha.
Não há registro da data de nascimento, que foi provavelmente final da década de
1940, no Rio de Janeiro. Ela teve uma irmã mais nova, a Pata Choca.
A jovem pesava 900 kg e, na época, era solteira – uma coisa não estava
relacionada à outra, necessariamente.
O currículo ressalta seu estilo playboy (playgirl seria mais correto) de vida e conta
que ela esperava encontrar o seu príncipe encantado – um rinoceronte africano
negro macho, “talvez uma Cacareca” (?). O material preparado pelo
cabo eleitoral de Cacareco era bem atual: hobby:
comer e dormir; lazer e esporte: não fazer nada; qualidades: carisma e simpatia
(sic). Defeitos? Mudez e pouca visão. (Aqui, se esqueceram de dizer que era
analfabeta.) Sonho: a África.
O rinoceronte pertencia ao PC – sigla de Partido Cacareco e
o slogan da campanha era simplesmente Cacareco para
Vereador. O bicho mobilizou São Paulo (para alegria dos cariocas) de tal
forma, que mereceu até editorial de O Estado de S. Paulo. Às
vésperas das eleições, os dirigentes políticos acharam melhor devolvê-la para o
Zoológico do Rio para evitar comoções maiores. Assim, Cacareco
partiu às pressas para a Capital Federal, no dia 1.10.1959 e uma multidão foi
se despedir do rinoceronte. (Sábio De Gaulle.)
Apesar da ausência, no dia 4 de outubro, a população mostrou sua
desilusão com os políticos, votando em peso (hum!) em Cacareco. O
rinoceronte recebeu quase 100 mil votos, que na época seriam suficientes para
eleger pelo menos seis vereadores, segundo Antonio Costella, autor do
livro Cacareco, o Vereador (Editora Mantiqueira). Cacareco,
que teve uma carreira política sensacional e fugaz, morreu pouco tempo depois
com dez anos, quando a idade média de vida de um animal livre é de meio século.
Provavelmente, desgosto com o cenário político nacional.
(Publicado no antigo blog em 29 de março de 2009 – 50 anos da história.)
2 comentários:
já tinha esquecido essa história que, infelizmente, corre sério risco de repetir-se....
Infelizmente, Nilton, é verdade. Quando amadureceremos?
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