Às vezes me, por algum
motivo, lembro-me de alguém que encontrei apenas uma vez na vida, durante uma
viagem ou atravessando uma rua em algum dos lugares por onde passei. Por que
será que marcaram tanto a ponto de muitos anos depois ainda nos recordarmos delas?
É
fácil lembrar uma senhora de Colônia, Alemanha, que numa manhã de garoa fria,
caminhando ao lado da bicicleta me abordou à saída do metrô. Fui logo dizendo
que não falava alemão, mas ela abanou a mão livre em sinal de que não havia
problema e me pediu com um gesto que abotoasse o agasalho. Percebi então que
ela não articulava os dedos. Eu a ajudei e nos despedimos com um sorriso.
Continuei meu passeio e, para minha surpresa, mais tarde a reencontrei
pedalando em outro ponto da cidade. Ela me reconheceu e acenou sorrindo.
Outra
figura inesquecível é o parisiense muito elegante, de casacão e chapéu pretos,
a quem recorri depois de não conseguir encontrar a rua do Museu Nacional
Picasso. Muito polidamente ele me indicou o caminho para o Museu de “Monsieur
Picasso”. Agradeci e enquanto me afastava ainda pensei se havia sido ironia,
mas concluí que era respeito ao gênio de Picasso.
Num
fim de noite em Prato (Itália), estava na fila de um supermercado quando a moça
à minha frente começou uma conversa e fui dizendo que não falava italiano. Ela
ficou encantada por encontrar uma viajante que viera do outro lado do mundo.
Muito simpática começou a me dar sugestões de lugares da região para visitar –
cada uma melhor que a outra. Depois de passar pelo caixa, se despediu
calorosamente de mim e foi embora enquanto eu pagava minhas compras. Para minha
surpresa, na saída, ela veio correndo em minha direção, me deu a pulseirinha
que estava usando para que não me esquecesse dela, Gabrielle. Agradeci e sem
ter como retribuir a gentileza nos despedimos.
Uma figura extraordinária encontrei em Narbonne, sudoeste da França. O
tempo estava encoberto e fazia frio por isso adiei a exploração do Canal de la
Robine e comecei a flanar pela cidade cuja história remonta aos tempos do
Império Romano. Foi assim que descobri a Igreja Notre-Dame de Lamourguier, dessacralizada. Enquanto lia a placa
informando que ali funcionava um museu, surgiu um funcionário que começou a me
explicar o que era o Musée Lapidaire, me conduziu até a lateral da
entrada e falando sem parar sobre a importância e a beleza do lugar. Quando
comecei a tremer de frio por causa do vento, ele me fez entrar na cabine do
caixa. Falei dos planos sobre o Canal de la Robine. Torceu o nariz e me
ofereceu um pacote para visitar quatro museus da cidade. Para me convencer falou
do espetáculo de luzes e música que o Musée Lapidaire oferecia. Ele me
encantou: lembrava Papai Noel. Em nenhum momento se preocupou em perguntar se
eu falava ou entendia francês. Quem resiste? Comprei o ingresso e achei que
jamais assistiria ao espetáculo de que ele falara já que era a única pessoa no
quarteirão inteiro. Após o pagamento, ele me conduziu para o interior da
igreja, foi buscar uma cadeira mal dando tempo para eu descobrir o que era um
museu lapidário, me fez sentar e desejou um bom programa. Saiu e fechou a
porta. Por um momento me preocupei – e se ele me esquecer aqui? Era quase hora
do almoço –, mas então começou o show. Toda a história da igreja e da cidade
por meio de obras de arte foi projetada nas paredes nuas enquanto uma belíssima
música reverberava no ambiente. O bom velhinho, com cabelos brancos e óculos na
ponta do nariz vermelho, apareceu assim que o espetáculo terminou e me
perguntou: “Não é maravilhoso?”. Adorei e jamais o esquecerei.
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