domingo, 19 de agosto de 2018

PESSOAS ESPECIAIS

Às vezes me, por algum motivo, lembro-me de alguém que encontrei apenas uma vez na vida, durante uma viagem ou atravessando uma rua em algum dos lugares por onde passei. Por que será que marcaram tanto a ponto de muitos anos depois ainda nos recordarmos delas?
É fácil lembrar uma senhora de Colônia, Alemanha, que numa manhã de garoa fria, caminhando ao lado da bicicleta me abordou à saída do metrô. Fui logo dizendo que não falava alemão, mas ela abanou a mão livre em sinal de que não havia problema e me pediu com um gesto que abotoasse o agasalho. Percebi então que ela não articulava os dedos. Eu a ajudei e nos despedimos com um sorriso. Continuei meu passeio e, para minha surpresa, mais tarde a reencontrei pedalando em outro ponto da cidade. Ela me reconheceu e acenou sorrindo.
Outra figura inesquecível é o parisiense muito elegante, de casacão e chapéu pretos, a quem recorri depois de não conseguir encontrar a rua do Museu Nacional Picasso. Muito polidamente ele me indicou o caminho para o Museu de “Monsieur Picasso”. Agradeci e enquanto me afastava ainda pensei se havia sido ironia, mas concluí que era respeito ao gênio de Picasso.
Num fim de noite em Prato (Itália), estava na fila de um supermercado quando a moça à minha frente começou uma conversa e fui dizendo que não falava italiano. Ela ficou encantada por encontrar uma viajante que viera do outro lado do mundo. Muito simpática começou a me dar sugestões de lugares da região para visitar – cada uma melhor que a outra. Depois de passar pelo caixa, se despediu calorosamente de mim e foi embora enquanto eu pagava minhas compras. Para minha surpresa, na saída, ela veio correndo em minha direção, me deu a pulseirinha que estava usando para que não me esquecesse dela, Gabrielle. Agradeci e sem ter como retribuir a gentileza nos despedimos. 
Uma figura extraordinária encontrei em Narbonne, sudoeste da França. O tempo estava encoberto e fazia frio por isso adiei a exploração do Canal de la Robine e comecei a flanar pela cidade cuja história remonta aos tempos do Império Romano. Foi assim que descobri a Igreja Notre-Dame de Lamourguier, dessacralizada. Enquanto lia a placa informando que ali funcionava um museu, surgiu um funcionário que começou a me explicar o que era o Musée Lapidaire, me conduziu até a lateral da entrada e falando sem parar sobre a importância e a beleza do lugar. Quando comecei a tremer de frio por causa do vento, ele me fez entrar na cabine do caixa. Falei dos planos sobre o Canal de la Robine. Torceu o nariz e me ofereceu um pacote para visitar quatro museus da cidade. Para me convencer falou do espetáculo de luzes e música que o Musée Lapidaire oferecia. Ele me encantou: lembrava Papai Noel. Em nenhum momento se preocupou em perguntar se eu falava ou entendia francês. Quem resiste? Comprei o ingresso e achei que jamais assistiria ao espetáculo de que ele falara já que era a única pessoa no quarteirão inteiro. Após o pagamento, ele me conduziu para o interior da igreja, foi buscar uma cadeira mal dando tempo para eu descobrir o que era um museu lapidário, me fez sentar e desejou um bom programa. Saiu e fechou a porta. Por um momento me preocupei – e se ele me esquecer aqui? Era quase hora do almoço –, mas então começou o show. Toda a história da igreja e da cidade por meio de obras de arte foi projetada nas paredes nuas enquanto uma belíssima música reverberava no ambiente. O bom velhinho, com cabelos brancos e óculos na ponta do nariz vermelho, apareceu assim que o espetáculo terminou e me perguntou: “Não é maravilhoso?”. Adorei e jamais o esquecerei.








Nenhum comentário: