sexta-feira, 22 de maio de 2020

JANELAS E A VIDA LÁ FORA...

 
Sou uma pessoa repleta de contradições. Neste período imprevisto que vivemos, meu lado nômade já se acostumou ao sedentarismo, o que não significa que deseje continuar em casa indefinidamente. Longe de me sentir presa desfruto o tempo que antes dedicava às caminhadas e passeios em atividades que relegava para amanhã.
Há sempre o conforto dos livros, da música e da mídia que me dá acesso ao mundo exterior, ao passado e ao futuro. E, naturalmente, as janelas que sempre abro logo cedo para ver se chove, faz sol, frio ou calor... Melhor do que consultar o site de meteorologia. Antes, via as pessoas caminhando para o trabalho, para correr no parque ou ir simplesmente à padaria ou à banca de jornal; peruas escolares apanhando as crianças e os funcionários dos prédios varrendo calçadas; depois começava o congestionamento ‒ no céu, helicópteros; na terra, ônibus, motos e carros por quase toda a manhã. Agora, silêncio, quebrado pelo caminhão dos ovos e pelo vendedor de pamonhas que aparecem à tarde. O homem das frutas comparece de vez em quando. Os carros continuam estacionados ao longo das calçadas, com jeito de abandono. Os taxistas abandonaram o ponto e só recentemente o mais jovem reapareceu, mas desistiu por falta de freguesia. Hoje ouvi algo estranho e fui investigar: um helicóptero! Até mesmo o excêntrico atleta e seu treinador sumiram. Talvez porque as Olimpíadas tenham sido adiadas...

O bairro é basicamente residencial. As casas estão desaparecendo dando lugar a enormes prédios de apartamentos. O comércio é, basicamente, de serviços: padarias, restaurantes, lavanderias, farmácias, supermercados e mercadinhos, que permanecem em funcionamento dentro das novas regras sanitárias.  O movimento, entretanto, é mínimo, porque prevalecem as entregas domiciliares. Nesse novo panorama noto a ausência dos idosos que encontrava diariamente, nos pontos de ônibus, nas esquinas conversando fiado; muitos que vivem sozinhos procuravam companhia para uma boa conversa, na pracinha, na banca de jornal, na loja do jogo do bicho ou em uma das lavanderias; afinal, televisão não é companhia. Nesses locais privados há até banquinhos para que eles fiquem confortáveis. Quase todos sumiram. Exceto um idoso cadeirante que vive sozinho. Todos os dias vai até a banca onde passa as horas. Um esforço imenso porque somos muito bem servidos de ladeiras. Bem poucos encontro quando vou ao supermercado ou ao banco.
Estranhos e tristes tempos. Essa é uma visão da minha janela, da minha rua... Não sou indiferente ao sofrimento que não vejo. Sofrimento pela doença, sofrimento pelo desamparo econômico, a falta de perspectivas ou perspectivas ruins...

Ilustrações: telas do pintor belga Henri de Braekeleer (1840-1888).

2 comentários:

Nilton Tuna disse...

Adorei! Eu frequento muito minha janela agora. É gostoso tomar uma cerveja no fim de tarde olhando a pracinha e o arvoredo atrás do MASP, vendo os tons do céu tarde escurecendo aos poucos. Beijos.

Hilda Araújo disse...

Bom dia, Nilton. Um belo panorama você desfruta. Cerveja? Boa pedida. Cuide-se. Um abraço virtual.