quarta-feira, 14 de outubro de 2020

O CÉU É PARA POUCOS

Charles Yeager tem 97 anos. Numa época em que aceitamos todas as novidades sem nos incomodarmos em saber quem foi o responsável por elas, só soube da proeza dele lendo “Os eleitos”, de Tom Wolfe (1930-2018). Wolfe foi um dos grandes jornalistas americanos e nesse livro narra no melhor estilo jornalístico a trajetória dramática da formação dos pilotos que se tornaram astronautas. E lá está Charles Yeager (1923) abrindo as portas para a concretização do programa espacial americano ao ultrapassar a velocidade do som (Mach 1 = 1.200 km por hora ou 1.050 km por hora dependendo da altitude) no dia 14 de outubro de 1947. E o fez com duas costelas quebradas dois dias antes da missão, num acidente cavalgando à noite pelo deserto. Escondeu o fato dos superiores, mas no dia descobriu que não poderia fechar a porta da cabine do avião por causa da dor intensa. Confidenciou o problema para o piloto e mecânico do projeto Jack Ridley, que resolveu a questão com um banal cabo de vassoura para travar a porta da cabine. 
        O projeto desenvolveu-se na Base de Muroc no deserto do Mojave, na Califórnia, atual Base de Edwards. Embora a Força Aérea só tenha divulgado o fato em junho de 1948 por questões de segurança, Yeager tornara-se uma lenda entre os pilotos. Em 1952 os ingleses produziram um filme (“Sem barreira no céu”) sobre o projeto, estrelado por Ralph Richardson (1902-1983) e dirigido pelo cineasta David Lean (1908-1991). O problema é que o filme foi baseado na morte do aviador britânico Geoffrey de Havilland (1910-1946) e as pessoas saiam do cinema acreditando que fora um inglês que rompera a barreira do som. E assim, por muito tempo, o público achou que Yeager fora o primeiro americano a ultrapassar a barreira do som. Apesar de tudo, Wolfe afirma que “Breaking the sound barrier por acaso foi um dos filmes sobre aviação mais absorventes que já se fez”. O livro de Wolf foi adaptado para o cinema em 1983 com o mesmo título (Os Eleitos) e merece ser visto.

        Yeager continuou a carreira militar e em 1962 foi designado diretor de operações dos voos de provas da Escola de Pilotos para Pesquisas Espaciais (ARPS) na Base de Edwards (USAF). Nessa época o programa espacial norte-americano estava em pleno andamento. Em dezembro de 1963 “na qualidade de comandante da ARPS, aproveitou a oportunidade para testar o NF-104”, um superavião que os engenheiros presumiam que poderia atingir uma altitude entre 36.000 e 46 mil metros. Tom Wolf dedica faz uma narrativa de tirar o fôlego sobre o final do voo que terminou na queda e destruição da aeronave, a ejeção do piloto, a sua descida junto com o assento ejetado e a queda no deserto. 

        Um jovem testemunha “a descida”. E o recepciona com um “Nossa!... você está horrível. (...) O Bom Samaritano, versão 1963! E médico! E acaba de anunciar seu diagnóstico! É só isso que o cara precisa... ter quarenta anos de idade, cair 30.000 malditos metros em um parafuso chato, se ejetar, fazer um buraco de um milhão de dólares no chão, conseguir carbonizar metade da cabeça e a mão e ter o olho praticamente arrancado do crânio...” F

        Felizmente, ele se recuperou totalmente, mas naquele dia antes do acidente o programa espacial militar foi cancelado pelo governo. Entrou para a reserva em 1975. Participou de filmes e documentários. Em 14 de outubro de 2012 comemorou o 65º aniversário do seu feito a bordo de um McDonnell Douglas F-15 Eagle como copiloto do capitão David Vincent da Base Aérea de Nellis.

"Correio da Manhã", 1/09/1963. Acervo: Fundação Biblioteca Nacional. 

FONTE: "Os Eleitos". Tom Wolfe. Rio de Janeiro: Rocco, 1991. 


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