sexta-feira, 31 de dezembro de 2021

FELIZ ANO NOVO!





Meus únicos compromissos para 2022: continuar usando máscara, consumir muito álcool para desinfetar as mãos, lavar as mãos sempre e evitar aglomerações...  Vacinas? Estarei na fila de todas que forem oferecidas. Na medida do possível, retomar minhas caminhadas por São Paulo. 



quinta-feira, 30 de dezembro de 2021

LÁ VEM O BONDE

 

Há alguns anos vi uma reportagem sobre um rapaz que adorava viajar de ônibus pela cidade. O jornalista, entretanto, não teve sensibilidade para fazer um bom trabalho e preferiu ridicularizar pessoa que poderia dar uma matéria muito interessante. O cineasta Pedro Almodóvar em seu filme “Carne Trêmula” (1997) criou o personagem que nasceu em um ônibus quando a mãe sem dinheiro ia para a maternidade, fato que a empresa de transporte tratou de usar como peça de autopromoção e concedeu ao pimpolho um passe de ônibus vitalício. Algo cruel, como se fosse uma condenação a uma vida sem perspectivas de um dia ter seu próprio meio de transporte ‒ bicicleta, moto, carro...

Se você pensar um pouco os transportes coletivos concentram personagens, que se movimentam pelas cidades, carregando suas histórias simples, rebuscadas, angustiantes e tão fantásticas que muitas vezes parecem ficção. Muitos estão prontos para dividir suas experiências que nem sempre estamos muito dispostos a ouvir envolvidos em nossos próprios problemas. Já ouvi narrativas muito interessantes, muitas esdrúxulas, bizarras e desagradáveis (como a descrição de um procedimento cirúrgico).

Embora não seja fã de conversa com criança, foi um garotinho de uns oito ou nove anos que me proporcionou uma conversa deliciosa numa viagem entre Santos e São Paulo. Quando se sentou ao meu lado no banco da frente não me entusiasmei com a companhia. A família estava mais atrás. Quando o irmão mais velho passou ele perguntou o que era uma “flamula” e apontou o cartaz de vende-se na banca da rodoviária. Corrigi a pronúncia e expliquei o que era  o irmão ignorara a pergunta. Não incentivei a conversa, que ele conduziu com maestria: falou da escola, das brincadeiras, da paisagem da Serra do Mar, que o encantou, da família (o pai passava os fins de semana polindo o carro). Foi nos idos dos anos de 1970 e não me lembro dos detalhes. Ao chegar a rodoviária de São Paulo, disse-me que tinha gostado muito de conversar, nem enjoara, se despediu como um pequeno cavalheiro e seguiu os pais que vieram para a frente a fim de descer logo. Nunca o esqueci pela inteligência e desembaraço... 

Eu ia para escola a pé; só precisei usar transporte quando fui estudar no Instituto de Educação Canadá em 1964. Ia de bonde (32); para ir à Faculdade de Filosofia, ou pegava o trólebus 53 que passava em frente de casa. Até hoje sou fã desses dois veículos por causa da estabilidade e segurança para os passageiros. Em São Paulo, os trólebus resistem e uso o 408 A que vai da Rua Machado de Assis à Rua Cardoso de Almeida ‒ num trajeto cheio de muitas atrações.  

Quanto aos bondes, sempre que viajo para o exterior mato a saudade. Assim já viajei de bonde no Porto (a cidade doou para Santos um veículo de uso turístico) e em Lisboa; Roma e Nápoles, Viena, Berlim e Munique e Praga; nos Estados Unidos, em S. Francisco e S. Diego (CA) e New Orleans (LA). Um veículo parecido com o bonde é o VLT - Veículo Leve sobre Trilhos, que me agrada muito também, e sempre que encontro um pelo caminho embarco sem hesitar.

Alexandria, Egito, 2010.
S. Francisco, Estados Unidos, 2017.

San Diego, Califórnia, 2017.

terça-feira, 28 de dezembro de 2021

WHAT ARE YOU DOING NEW YEAR'S EVE?

Ouvir Ella Jane Fitzgerald (1917-1996) é um grande prazer. Sofreu, sobreviveu e encantou o mundo com sua voz perfeita. Aqui uma pergunta que nos fazemos sempre, não importa o ano, o século...  O americano Frank Henry Loesser (1910-1969) compôs a música em 1947.  A canção é tradicionalmente lembrada nesta época do ano, o que aborrecia muito o compositor que não teve essa intenção de acordo com o que a filha dele contava.

WHAT ARE YOU DOING NEW YEAR'S EVE?

 “When the bells all ring and the horns all blow

And the couples we know are fondly kissing
Will I be with you or will I be among the missing?

Maybe it's much too early in the game
Ah, but I thought I'd ask you just the same
What are you doing New Year's, New Year's eve?

Wonder whose arms will hold you good and tight
When it's exactly twelve o'clock that night
Welcoming in the New Year, New Year's Eve?

Maybe I'm crazy to suppose
I'd ever be the one you chose
Out of the thousand invitations you received

Ah, but in case I stand one little chance
Here comes the jackpot question in advance
What are you doing New Year's, New Year's Eve?

Ah, but in case I stand one little chance
Here comes the jackpot question in advance
What are you doing New Year's, New Year's Eve?
Oh, what are you doing New Year's, New Year's Eve?”




domingo, 26 de dezembro de 2021

PASSEIO DE SEXTA-FEIRA

 

Sexta-feira fui até a Avenida Angélica de ônibus. Desde março do ano passado não ia para aqueles lados e então hoje resolvi caminhar um pouco pela Paulista. Pouca gente e boa parte das pessoas de mala e cuia partindo para o feriado. Na vitrine da estação Trianon do metrô, um gracioso presépio com marionetes do Museu de Arte Sacra de São Paulo. Alguns turistas e uns idosos curtindo a manhã em dúvida entre sol e chuva. Não resisti e entrei na galeria da Livraria Martins Fontes, conferi títulos nas vitrines e fui fotografar o único Papai Noel de máscara que encontrei. Mais adiante visitei a galeria do edifício Winston Churchill, muito simpática. Num bar minúsculo um Papai Noel toca trombone, mas o que me diverte é a casa de câmbio que tem como vitrine um aquário. Isso é que se chama câmbio flutuante? Um peixinho amarelo (ou dourado?) se diverte num cenário sem gosto. No muro da Escola Estadual Rodrigues Alves, pode-se admirar o painel coletivo qual colcha de retalhos que resultou do projeto “Bordando os Sonhos”. A ideia do projeto, que envolveu todos os professores da escola, foi proporcionar aos alunos da instituição do 6º ao 9º ano a oportunidade de expressar “seus sentimentos, ideias, emoções e pensar coletivamente”. E como diz o painel - “Aos poucos eles (os alunos) foram aprendendo a bordar, conquistando a confiança com o material a ser manuseado e conhecendo uma grande virtude: a paciência”. No terreno baldio ao lado da estação Paraíso, alguém registrou seu ponto de vista: “Viver nessa pandemia não é esperar a tempestade passar, é aprender a dançar na chuva”. Manhã chegando ao fim, hora do almoço e novo programa para breve: a exposição sobre Benjamim de Oliveira, no Centro Cultural Itaú.




sábado, 25 de dezembro de 2021

NATIVIDADE

 


Diz a lenda que tudo aconteceu na época do recenseamento determinado pelo imperador romano César Augusto. Nada de recenseadores batendo à porta das pessoas. Nenhuma facilidade para a população que precisava se movimentar às próprias custas até os pontos oficiais para se registrar. Assim, um casal chega à aldeia com um burrinho que leva a mulher grávida; o marido caminha. Uma referência à Maria e José. Na verdade, uma história que pode ter acontecido em qualquer lugar em qualquer época como o pintor flamengo Pieter Bruegel, o Velho (1525-1569) imaginou. Nesta obra, ele transportou a lenda para a sua aldeia de Flandres em um dia de inverno severo e, mais uma vez, ele registra a população envolvida em seus afazeres cotidianos e a chegada dos forasteiros para o recenseamento.

            O movimento maior acontece do canto esquerdo, uma pousada Corona Verde em que se instalou o escritório do recenseamento, onde pessoas se aglomeram e para aonde se dirige o casal recém-chegado. Em volta, os aldeões carregam e descarregam carroças, um porco é abatido enquanto duas crianças observam; galos e galinhas ciscam por perto. À direita parece que as águas de um riacho congelaram e as crianças aproveitam para brincar. No centro e mais para cima pode-se ver que uma taberna funciona no oco de uma árvore, onde está afixada uma tabuleta. Mais adiante algumas pessoas trabalham na construção de um telhado.  

            Chama atenção a igreja com a torre e os sinos no fundo da aldeia. Seria um anacronismo, já que Jesus ainda não nascera e ainda levaria muito tempo para  surgimento do cristianismo e da Igreja, mas aceitável dentro da proposta do artista.

A pintura (têmpera sobre madeira) chama-se “O censo em Belém” e data de 1566.

sexta-feira, 24 de dezembro de 2021

ADESTE FIDELIS

 “Adeste Fidelis” é uma canção tradicional de Natal, atribuída ao compositor inglês John Wade (c.1711-1886).  








quarta-feira, 22 de dezembro de 2021

PAPAI NOEL IRRESISTÍVEL

A gravura é famosa. Criação de Joseph Christian Leyendecker (1874-1951), ilustrador do Saturday Evening Post. 





Jimmy Boyd - "I Saw Mommy Kissing Santa Claus", 1952.

terça-feira, 21 de dezembro de 2021

VERÃO

 

"Banhistas - Cena de Verão", de Jean-Frédéric Bazille (1841-1870).

"NO ENTARDECER dos dias de Verão, às vezes,
Ainda que não haja brisa nenhuma, parece
Que passa, um momento, uma leve brisa...
Mas as árvores permanecem imóveis
Em todas as folhas das suas folhas
E os nossos sentidos tiveram uma ilusão,
Tiveram a ilusão do que lhes agradaria...


Ah, os sentidos, os doentes que veem e ouvem!
Fôssemos nós como devíamos ser
E não haveria em nós necessidade de ilusão...
Bastar-nos-ia sentir com clareza e vida
E nem repararmos para que há sentidos...

(...)

 Poemas completos de Alberto Caeiro (Fernando Pessoa/ Obra Poética. Rio de janeiro, Editora Nova Aguilar, 1983).

A Sunday Afternoon on the Island of La Grande Jatte” de Georges Seurat.


domingo, 19 de dezembro de 2021

MÚSICA COM SABOR DE INFÂNCIA

É a minha música preferida. 
"Acreditar" em Papai Noel? Acho que nunca acreditei, mas gostava de sentir os adultos da casa empenhados em brincar de faz de conta... 

"You better watch out, you better not cry
You better not pout, I'm telling you why
Santa Claus is coming,
Santa Claus is coming to town

,
He's making a list, he's checking it twice
He's gonna find out who's naughty or nice
Santa Claus is coming to town, yeah

 

He sees you when you're sleeping
He knows when you're awake
He knows if you've been bad or good
So be good for goodness sake…"


sábado, 18 de dezembro de 2021

POEMA DE NATAL

 Vinícius de Moraes (1913-1980).

 

Para isso fomos feitos:

Para lembrar e ser lembrados

Para chorar e fazer chorar

Para enterrar os nossos mortos‒

Por isso temos braços longos para os adeuses

Mãos para colher o que foi dado

Dedos para cavar a terra.

 

Assim será a nossa vida:

Uma tarde sempre a esquecer

Uma estrela a se apagar na treva

Um caminho entre dois túmulos ‒

Por isso precisamos velar

Falar baixo, pisar leve, ver

A noite dormir em silêncio.

 

Não há muito que dizer:

Uma canção sobre um berço

Um verso, talvez, de amor

Uma prece por quem se vai ‒

Mas que essa hora não esqueça

E por ela os nossos corações

Se deixem, graves e simples.

 

Pois para isso fomos feitos:

Para a esperança no milagre

Para a participação da poesia

Para ver a face da morte ‒

De repente nunca mais esperaremos...

Hoje a noite é jovem; da morte, apenas

Nascemos, imensamente.


quinta-feira, 16 de dezembro de 2021

EM QUE ANO O SR. NASCEU?

 

Ontem, escrevi sobre a juventude da cidade de São Paulo e como pretendia publicar o texto em janeiro de 2022, no aniversário de fundação, coloquei 468 anos. Cheguei a publicar, mas percebi a tempo e mudei. O fato fez me lembrar da história que ocorreu nos anos de 1970 em Santos, quando trabalhava no jornal. Fui entrevistar o deputado federal Athiê Jorge Coury. A matéria devia contar a vida dele, fatos curiosos e a carreira política. Nenhum bicho de sete cabeças. Nada muito extenso, umas três laudas no máximo. Athiê era um político acessível, tinha escritório no prédio em frente ao do jornal, frequentava a tradicional barbearia Salão Cristal e estava sempre pelo Café Paulista. Era ex-combatente de 1932 e tinha sido goleiro do Santos Futebol Clube, que dirigiu por muitos anos e sua gestão foi marcada pelos grandes momentos do clube. Tempo de Pelé, Pagão, Pepe, Zito. Entrevista feita, matéria escrita e publicada. Então, no decorrer do período, como costumam dizer os meteorologistas, vejo o editor acenar para mim lá do Aquário. Assim que entrei, ele já foi me cobrando o erro da data de nascimento do Athiê. “Não tem erro”, afirmei. “Foi o que ele me disse e está devidamente anotado.” O editor, com um jeito gaiato, me informa que se aquela fosse a data certa, Athiê teria sido goleiro do Santos aos nove anos. Como a matéria apenas registrava o lado esportivo dele sem detalhes, não percebi que o digno deputado havia me enganado. Afinal, ninguém erra data de nascimento. Deve ter havido uma nota esclarecedora, mas acho que não foi “erramos” nem tampouco desmascarou a vaidade do ilustre deputado. Athiê Jorge Coury (1904-1992) nasceu em Itu e faleceu em Santos. Desde então procuro sempre confirmar as datas de modo sutil, claro. (Foto: site do Santos Football Club.)

 

quarta-feira, 15 de dezembro de 2021

CAMINHAR É PRECISO

 

Estar ao ar livre, sentir a brisa, o vento, o sol na pele; ver pessoas, observar pequenas coisas do cotidiano, uma cortina que se move atrás de uma janela; ouvir as pessoas filosofando sobre banalidades, imaginar quem morou ou mora naquela casa, como seria aquele espaço cem anos atrás e o ramerrão do trânsito fluindo indiferente à vida que vai se esboroando pelas ruas e praças da cidade. É por tudo isso que gosto de caminhar pelas ruas vazias ou cheias, não importa. Deixar o conforto e a segurança da casa para ver as pessoas já trabalhando, indo para o trabalho; apressadas, meio adormecidas, confiantes, já cansadas ou desconfiadas; nas filas do ônibus; paradas no semáforo bebericando o café no copo de isopor sem graça, mordiscando um pão de queijo ou escolhendo o bolo que uma mulher vende à porta do metrô. O que será que faz aquela moça? Recepcionista numa grande empresa como sugere o terninho? E a outra com olhos fixos no farol e com a pasta sob o braço? Estudante? Professora? Aquela parece ser artista, a pintura exagerada, os olhos brilhantes, cabelos arrumados com arte e sensibilidade... Talvez apenas uma garota a caminho de uma entrevista promissora de emprego. O rapaz ouve música, um senhor masca um resto de charuto e o garoto simplesmente vai praticar skate.  Eu aqui vou por ali...

        Costumo sair sem rumo, mas vez por outra tenho um roteiro. Quando não tenho planos, procuro lugares agradáveis, com calçadas em bom estado, prédios interessantes  ou um comércio diferenciado e por onde circulem pessoas ‒ e essa palavra engloba todos os tipos possíveis ‒ do bonito ao feioso, do são ao maluquinho, do pobre ao remediado e mesmo rico (este difícil de se encontrar). Andar sem pressa, sem se preocupar com distâncias que sempre parecem menores se o trajeto for agradável. Nem sempre é fácil caminhar em São Paulo, seja por causa das ladeiras, das calçadas mal cuidadas, pelo uso indevido das calçadas ou pelos ciclistas que invadem o espaço dos pedestres. Nada disso, porém, deve nos impedir de explorar a cidade. Cidade jovem (467 anos) se comparada com cidades europeias ou asiáticas. Uma emoção caminhar pela Via Apia em Roma (todos os caminhos levam a Roma e pela Via Apia) ou pelas ruas de Pompeia onde a vida desapareceu coberta pela lava do Vesúvio e nos deixou uma mostra de um cotidiano não muito diferente do nosso. Sentar no teatro grego de Taormina e admirar o magnífico cenário que superou os séculos...

        Se não acumulamos tantos séculos de história ainda assim temos muitos lugares especiais para conhecer em nossas caminhadas por São Paulo. Uso os livros como ferramenta para escavar histórias paulistanas. Costumo caminhar sozinha e, embora não seja budista nem pratique meditação, concordo com Hanh: “Caminhar une a mente e o corpo. (...) Quando andamos voltamos para casa, para nós mesmos. Se você está ocupado falando enquanto caminha, ou planejando o futuro, você não vai desfrutar de sua inspiração e expiração.” Thich Nhat Hanh, monge budista vietnamita, ativista da paz. (Fotos: Hilda Araújo.)

Praça Coronel Fernando Prestes, Bom Retiro. 




domingo, 12 de dezembro de 2021

VISÕES DAS RUAS

A uma passante

A rua em torno era um frenético alarido.
Toda de luto, alta e sutil, dor majestosa,
Uma mulher passou, com sua mão suntuosa
Erguendo e sacudindo a barra do vestido.

Pernas de estátua, era-lhe a imagem nobre e fina.
Qual bizarro basbaque, afoito eu lhe bebia
No olhar, céu lívido onde aflora a ventania,
A doçura que envolve e o prazer que assassina.

Que luz… e a noite após! – Efêmera beldade
Cujos olhos me fazem nascer outra vez,
Não mais hei de te ver senão na eternidade?

Longe daqui! tarde demais! “nunca” talvez!
Pois de ti já me fui, de mim tu já fugiste,
Tu que eu teria amado, ó tu que bem o viste!

Charles Baudelaire (1821-1867):  "As Flores do mal". Edição bilíngue. Tradução de Ivan Junqueira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.

Paris, 2012.

sábado, 11 de dezembro de 2021

PENÚLTIMO SÁBADO DE PRIMAVERA

Saí para caminhar e pensava onde ir aproveitar o sol, quando o ônibus apareceu na curva. No ponto algumas pessoas que logo começaram a embarcar. Subi e me sentei no banquinho do contra ‒ de frente para o cobrador e de costas para o motorista.  Ainda sem decidir aonde ir, me contentei em observar as vitrines, as pessoas, o trânsito. O cobrador era do tipo falante ao contrário do motorista. Puxou conversa com uma senhora, mas ela desceu logo; então ele se queixou da falta da decoração de natal na Avenida Paulista, passamos pela Casa das Rosas e ele explicou a um auditório indefinido que ela fora construída por poeta que depois morou lá e mais tarde foi vendida. Pelo menos deu para perceber que ele tinha lido alguma coisa, mas embaralhara tudo ‒ o “poeta” é Ramos de Azevedo, que morreu antes que a obra terminasse e quem morou lá foi a filha dele. Agora passamos por um restaurante que informa que a feijoada custa R$ 31. O cobrador aprova o preço, caso ela seja completa. O motorista não se entusiasma. Estamos em frente a um banco que fez uma decoração simples e muito bonita. Novamente, mereceu aprovação do cobrador, que deve ter uns cinquenta anos. Fica encantado com os canteiros de poinsetias (ou bico-de-papagaio?).   

 Algo me chama atenção. Há um enfeite natalino bem engraçadinho para colocar do lado de fora de janelas: um Papai Noel que escala a parede para entregar os presentes (já que não há chaminés...) aos moradores. O que vejo, entretanto, é algo muito engraçado. Em um prédio: o morador colocou o bom velhinho do lado de dentro da varanda do apartamento, fixado na tela de proteção. O resultado foi o oposto do desejado: parece que Papai Noel está fugindo desesperadamente e tenta escalar a rede para escapar. Família Adams?

 Desço no Largo de Santa Cecília. Outra igreja que nunca visitei. Entro e ela está toda decorada para um casório. Tempos de pandemia. Um senhor vai borrifando todo mundo com álcool. Nada de água benta.

Acho um bonde pintado numa porta (espero que não estraguem o trabalho do artista) na velha Alameda Barão de Limeira (estiquei o pescoço e localize ao longe o prédio da Folha da Manhã. Ah! aquelas pastilhas amarelas!). Rua dos Guaianazes esquina com a Alameda Glete, uma montanha de lixo junto ao muro dos fundos do Palácio dos Campos Elíseos, antiga sede do governo do Estado de São Paulo. Prédio de 1899, muito bonito e tombado. Cena vergonhosa para todos: políticos e cidadãos. Uma montanha de lixo se acumula atraindo pragas; ameaça as galerias pluviais de entupimento e as ruas de inundações. Uma visão forte que não combina com os discursos ambientalistas.  

Hora de voltar para a Aclimação. Hora do almoço.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2021

RAMOS DE AZEVEDO.

 170 ANOS DO NASCIMENTO DO ARQUITETO PAULISTA

Se você vem fazer turismo ou mora em São Paulo e não conhece o Centro Histórico, precisa saber um pouco sobre Ramos de Azevedo, afinal, ele foi o responsável pela grande mudança que ocorreu na cidade no limiar do século XX porque projetou e construiu prédios que se tornaram emblemáticos e fazem parte de qualquer roteiro turístico pela Pauliceia.

Francisco de Paula Ramos de Azevedo nasceu em Campinas há 170 anos (8/12/1851). Foi estudar engenharia na Universidade de Ghent, na Bélgica, mas mudou para o curso de arquitetura clássica por orientação do diretor da escola que percebeu o talento do jovem aluno. Graduou-se em 1878 e, ao retornar ao Brasil, estabeleceu-se em Campinas, mas logo resolveu mudar para São Paulo, onde já projetava residências para os notáveis do estado. Aos 35 anos fundou o Escritório Ramos de Azevedo, que se tornou uma referência tanto no âmbito público como privado. Ramos de Azevedo destacou-se como engenheiro arquiteto e como empreendedor; foi um dos fundadores, professor e diretor da Escola Politécnica; dirigiu o Liceu de Artes e Ofícios, sendo responsável pela reformulação do ensino na instituição.

Ao caminhar pelo Centro Histórico é difícil não passar diante de uma obra de Ramos de Azevedo e, o que é melhor, como a maioria dos prédios abriga entidades culturais, pode-se conhecê-las por dentro. Duplo prazer.

Um roteiro para ser feito em dois ou três dias, alternando caminhadas e o uso de metrô ou ônibus.

Um “roteiro Ramos de Azevedo” pode (e deve) começar pelo Pátio do Colégio, onde se encontram dois prédios do jovem arquiteto e que são marcos da modernização da cidade: a Secretaria da Fazenda (1886) e a Secretaria da Agricultura (1895), onde atualmente funciona a Secretaria de Justiça e da Cidadania do Estado de São Paulo. Próxima parada: Palácio da Justiça de São Paulo (1933), na confluência das Praças da Sé e Clóvis Bevilácqua. As visitas são permitidas e a entrada é pelo saguão conhecido como Salão dos Passos Perdidos. Acesso ao Plenário do Júri e a dois pequenos museus.


Hora de atravessar o viaduto do Chá para admirar o Teatro Municipal (1911) que promove visitas guiadas. Aqui, várias opções para continuar. Vale a pena caminhar até o Palácio dos Correios (1922), atual Centro Cultural Correios e depois se dirigir ao Mercado Municipal (1933) para restaurar as forças e admirar os 55 vitrais do artista alemão Conrado Sorgenicht Filho. O Mercado foi idealizado pelo engenheiro Felizberto Ranzini, do Escritório Ramos de Azevedo.


Energias renovadas é a vez de ir ao Palácio das Indústrias (1924), na outra margem do Tamanduateí no meio do Parque D. Pedro II, sede do Museu Catavento (muito bom). Do conjunto da obra de Ramos de Azevedo, sem dúvida, esse é o edifício mais exótico. Mário de Andrade o chamou de “fortaleza enfeitada”. Esta visita consome uma tarde ou uma manhã.

        Metrô Tiradentes. A região forma um centro cultural importante. Na saída pela Praça Coronel Fernandes Prestes já se vê o prédio da FATEC e mais adiante o Edifício Ramos de Azevedo, sede do Arquivo Público de São Paulo. Ali pertinho fica o prédio da Pinacoteca do Estado de São Paulo (1905) que também leva a assinatura de Ramos de Azevedo. O ideal é reservar uma tarde ou uma manhã para a visita. Do outro lado da avenida pode-se observar outra criação do campineiro: o Quartel da Luz Batalhão Tobias de Aguiar (1892).


Metrô Luz. Da estação é preciso caminhar por um trecho pouco agradável até a Estação Pina do Estado (1914), que é muito bonita. Recomendável perguntar aos funcionários o melhor caminho. Ela foi construída para ser funcionar como armazém da estrada de ferro e há alguns anos é sede do Memorial da Resistência.


O passeio pode se estender por outros pontos da cidade. Na Liberdade: Residência da família Ramos de Azevedo (1891). Na Bela Vista, Teatro Renault. Na Avenida Paulista: Casa das Rosas (1935) e Escola Estadual Rodrigues Alves (1919). Em Cerqueira César, Faculdade de Medicina da USP (1931) e Instituto Oscar Freire (1931). No Ipiranga, o Educandário da Sagrada Família (1895), muito bem conservado.

Ver relação de obras em "Ramos de Azevedo 2".

RAMOS DE AZEVEDO

Aqui as obras por ordem cronológica e sua localização.

1.    

Palácio das Indústrias, sede do Museu Catavento. Parque D. Pedro. 

Aqui as obras por ordem cronológica e sua localização.

·         Tesouraria da Fazenda ‒ 1891.

·       Residência da família Ramos de Azevedo ‒ 1891. Rua Pirapitingui, 111, 141, 159. Liberdade. 

·         Quartel da Luz Batalhão Tobias de Aguiar ‒ Bom Retiro, 1892. Av. Tiradentes, 440 ‒ Bom Retiro.

·         Escola Politécnica ‒ 1894. Conjunto das Antigas Instalações da Escola Politécnica. Praça Coronel Fernando Prestes, Bom Retiro.

·         Colégio Caetano de Campos ‒ 1894. Praça da República.

·         Palácio da Justiça ‒ 1894.

·         Secretaria da Fazenda ‒1895.

·         Educandário da Sagrada Família ‒ 1895. Av. Nazaré, Ipiranga.

·         Hospital Psiquiátrico do Juquerí ‒ 1898.

·         Liceu de Artes e Ofícios (atual Pinacoteca do Estado) ‒ 1905. Jardim da Luz.

·         Teatro Municipal ‒ 1911.

·         Estação Pina do Estado ‒ 1914. Av. Largo General Osório, 24. Luz.

·         Escola Estadual Rodrigues Alves ‒ 1919. Av. Paulista, 227.

·         Edifício Ramos de Azevedo ‒ 1920. Praça Coronel Fernando Prestes, Bom Retiro.

·         Palácio dos Correios ‒ 1922. Atual Centro Cultural Correios: Praça Pedro Lessa, s/nº.

·         Palácio das Indústrias ‒ 1924. Parque D. Pedro II.

·         Teatro Renault ‒ 1929. Av. Brigadeiro Luís Antônio, 441.

·         Faculdade de Medicina da USP ‒ 1931. Rua Dr. Arnaldo, 455 ‒ Cerqueira César.

·         Instituto Oscar Freire ‒ 1931. Rua Teodoro Sampaio, 115 ‒ Cerqueira César.

·         Mercado Municipal de São Paulo ‒1933. Rua da Cantareira.

·         Palácio da Justiça de São Paulo ‒ 1933. Praças da Sé e Clóvis Bevilácqua.

·         Casa das Rosas ‒ 1935. Av. Paulista, 37.

  • Arquivo Histórico de São Paulo, Bom Retiro. 


Residência da família Ramos de Azevedo, na Liberdade.

domingo, 5 de dezembro de 2021

AO PASSADO TIRA-SE O CHAPÉU

Fotos da década de 1970 feitas durante viagens pelo Norte e Nordeste do Brasil. Quando não gostava resultados, guardava as fotos sem me preocupar em identificar os locais. Agora, esvazio as caixas e me livro das piores, mas percebi algo interessante: fotografei vários trabalhadores e me chamou atenção os chapéus. Nenhuma tem qualidade, mas valem pela curiosidade, já que o chapéu não foi o objetivo da fotografia. (O título é um provérbio português.)






O FIM DA LEI SECA

Há 88 anos os Estados Unidos revogaram a chamada Lei Seca, também conhecida como Prohibition, que vigorou de 1920 a 1933, com resultados exatamente opostos aos esperados por seus defensores, ou seja, o aumento da violência e de crimes em decorrência do uso abusivo do álcool. Durante treze anos a fabricação, transporte e venda de bebidas alcoólicas para consumo foram proibidas, abrindo espaço para a produção ilegal e agravando os problemas sociais. Organizações criminosas se fortaleceram com a produção e o contrabando de bebidas alcoólicas, criaram os speakyeasies, bares clandestinos que funcionavam em porões ou subsolos, onde havia ainda jogo e prostituição. O cinema explorou bastante o assunto, mas há um documentário muito bom na Netflix sobre esse período conturbado da história americana, que merece ser visto. “ “A História da Lei Seca” tem três episódios: “Uma nação de bêbados”; “Uma nação de foras da lei” e “Uma nação de hipócritas”.  Sempre é possível aprender com o erro alheio.

A Lei foi refogada pelo presidente Franklin Roosevelt.
Foto: Wikimedia.org/

sábado, 4 de dezembro de 2021

"PAPAI NOEL ÀS AVESSAS "

 Carlos Drummond de Andrade

Papai Noel entrou pela porta dos fundos
(no Brasil as chaminés não são praticáveis),
entrou cauteloso que nem marido depois da farra.
Tateando na escuridão torceu o comutador
e a eletricidade bateu nas coisas resignadas,
coisas que continuavam coisas no mistério do Natal.
Papai Noel explorou a cozinha com olhos espertos,
achou um queijo e comeu.

Depois tirou do bolso um cigarro que não quis acender.
Teve medo talvez de pegar fogo nas barbas postiças
(no Brasil os Papai-Noéis são todos de cara raspada)
e avançou pelo corredor branco de luar.
Aquele quarto é o das crianças
Papai entrou compenetrado.

Os meninos dormiam sonhando outros natais muito mais lindos
mas os sapatos deles estavam cheinhos de brinquedos
soldados mulheres elefantes navios
e um presidente de república de celulóide.

Papai Noel agachou-se e recolheu aquilo tudo
no interminável lenço vermelho de alcobaça.
Fez a trouxa e deu o nó, mas apertou tanto
que lá dentro mulheres elefantes soldados presidente brigavam por causa do aperto

Os pequenos continuavam dormindo.
Longe um galo comunicou o nascimento de Cristo.
Papai Noel voltou de manso para a cozinha,
apagou a luz, saiu pela porta dos fundos.

Na horta, o luar de Natal abençoava os legumes.                   


Alguma Poesia”, Carlos Drummond de Andrade. Rio de Janeiro: Editora Pindorama, 1930.