Estar ao ar livre, sentir a brisa, o vento, o sol na pele; ver pessoas, observar pequenas coisas do cotidiano, uma cortina que se move atrás de uma janela; ouvir as pessoas filosofando sobre banalidades, imaginar quem morou ou mora naquela casa, como seria aquele espaço cem anos atrás e o ramerrão do trânsito fluindo indiferente à vida que vai se esboroando pelas ruas e praças da cidade. É por tudo isso que gosto de caminhar pelas ruas vazias ou cheias, não importa. Deixar o conforto e a segurança da casa para ver as pessoas já trabalhando, indo para o trabalho; apressadas, meio adormecidas, confiantes, já cansadas ou desconfiadas; nas filas do ônibus; paradas no semáforo bebericando o café no copo de isopor sem graça, mordiscando um pão de queijo ou escolhendo o bolo que uma mulher vende à porta do metrô. O que será que faz aquela moça? Recepcionista numa grande empresa como sugere o terninho? E a outra com olhos fixos no farol e com a pasta sob o braço? Estudante? Professora? Aquela parece ser artista, a pintura exagerada, os olhos brilhantes, cabelos arrumados com arte e sensibilidade... Talvez apenas uma garota a caminho de uma entrevista promissora de emprego. O rapaz ouve música, um senhor masca um resto de charuto e o garoto simplesmente vai praticar skate. Eu aqui vou por ali...
Costumo sair sem rumo, mas vez por outra tenho um roteiro. Quando não tenho planos, procuro lugares agradáveis, com calçadas em bom estado, prédios interessantes ou um comércio diferenciado e por onde circulem pessoas ‒ e essa palavra engloba todos os tipos possíveis ‒ do bonito ao feioso, do são ao maluquinho, do pobre ao remediado e mesmo rico (este difícil de se encontrar). Andar sem pressa, sem se preocupar com distâncias que sempre parecem menores se o trajeto for agradável. Nem sempre é fácil caminhar em São Paulo, seja por causa das ladeiras, das calçadas mal cuidadas, pelo uso indevido das calçadas ou pelos ciclistas que invadem o espaço dos pedestres. Nada disso, porém, deve nos impedir de explorar a cidade. Cidade jovem (467 anos) se comparada com cidades europeias ou asiáticas. Uma emoção caminhar pela Via Apia em Roma (todos os caminhos levam a Roma e pela Via Apia) ou pelas ruas de Pompeia onde a vida desapareceu coberta pela lava do Vesúvio e nos deixou uma mostra de um cotidiano não muito diferente do nosso. Sentar no teatro grego de Taormina e admirar o magnífico cenário que superou os séculos...
Se não acumulamos tantos séculos de história ainda assim temos muitos lugares especiais para conhecer em nossas caminhadas por São Paulo. Uso os livros como ferramenta para escavar histórias paulistanas. Costumo caminhar sozinha e, embora não seja budista nem pratique meditação, concordo com Hanh: “Caminhar une a mente e o corpo. (...) Quando andamos voltamos para casa, para nós mesmos. Se você está ocupado falando enquanto caminha, ou planejando o futuro, você não vai desfrutar de sua inspiração e expiração.” Thich Nhat Hanh, monge budista vietnamita, ativista da paz. (Fotos: Hilda Araújo.)
2 comentários:
Alô Hilda, boa tarde
invejo a sua disposição, em caminhar (sem rumo), pelas ruas e alamedas dessa Pauliceia Desvairada, captando o pulsar inquietante de seus transeuntes, verdadeiros atores do caos urbano. Também concordo com a frase profética do monge budista vietnamita, que se encaixa nas minhas caminhadas silenciosas, não tanto extensas quanto as suas.
Um fraternal abraço
Bom dia, José Carlos. Que bom que você também caminha, não importa as distâncias que percorremos, mas o que observamos no trajeto. Passo frequentemente por uma rua, sempre pela mesma calçada, e, outro dia, por causa de algum obstáculo, atravessei a rua e descobri como ela era diferente daquele novo ângulo. Há sempre coisas para se descobrir. E faz muito bem para a saúde Um forte abraço, meu amigo.
Postar um comentário