segunda-feira, 12 de dezembro de 2022

UM BANCO À SOMBRA DO ARVOREDO




Praga, República Checa, 2008. Foto: Hilda Araújo.


Passa entre as sombras de arvoredo

Passa entre as sombras de arvoredo

Um vago vento que parece

Que não passou, que passa a medo,

Ou que há porque desaparece.

 

O ouvido escuta o não-ouvir,

A alma, no ouvido debruçada,

Sente uma angústia a não sentir

E quer melhor ou pior que nada.

 

É como quando a alma não tem

Quem ame, quem espere ou quem sinta,

Quando considera(ra) um bem

O próprio mal, des[de] que não minta.

 

E entre onde as sombras do arvoredo

Sequestram sons e brisas prendem,

Este não passar passa a medo

E certas folhas se desprendem.

 

Então porque há folhas que caem,

Volta a ilusão de haver o vento,

Mas elas, caindo hirtas, traem,

Que não há brisa no momento.

 

Oh, som sozinho dessa queda

Das folhas secas no ermo chão,

Oh, som de nunca usada seda

Apertada na inútil mão,

 

Com que terrível semelhança

A qualquer voz feita em bruxedo,

Lembrais a morte e a desesperança,

E o que não passa passa a medo.

18-10-1930

Novas Poesias Inéditas. Fernando Pessoa. Rio de Janeiro, RJ, Editora Nova Aguilar, 1933).

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