segunda-feira, 17 de fevereiro de 2025

CARNAVAL DE GRAÇA

 

Maranhense, José Pereira da Graça Aranha (1868-1931) formou-se pela Faculdade de Direito do Recife e, depois de passar pela magistratura, fez carreira diplomática. Quando retornou ao Brasil, o movimento modernista estava em pleno desenvolvimento, identificou-se com o grupo paulista e foi um dos organizadores da Semana de Arte Moderna em 1922. Abaixo excerto do romance “A Viagem Maravilhosa” (1929).  Na verdade, é considerado pré-modernista.

CARNAVAL

“Alguns dias depois explode embaixo o carnaval. Maravilha de ruído, encantamento do barulho. Zé Pereira, bumba, bumba. Falsetes azucrinam, zombeteiam. Viola chora e espinoteia. Melopeia negra, melosa, feiticeira, candomblé. Tudo é instrumento, flautas, violões, reco-recos, saxofones, pandeiros, latas, gaitas e trombetas. Instrumentos sem nome inventados subitamente no delírio da improvisação, do ímpeto musical. Tudo é canto. Os sons sacondem0se, berram, lutam, arrebentam no ar sonoro de ventos, vaias, claxons e aços, estrepitosos. Dentro dos sons movem0se as cores, vivas, ardentes, pulando, dançando, desfilando sob o ver de arvores, em face do azul da baía, no mundo dourado. Dentro dos sons e das cores movem-se os cheiros, cheiro negro, cheiro mulato, cheiro branco, cheiro de todos os matizes, de todas as excitações e de todas as náuseas. Dentro dos cheiros, o movimento dos tatos, violentos, brutais, suaves, lúbricos, meigos, alucinantes. Tatos, sons, cores, cheiros que se fundem em gostos de gengibre, de amendoim, de castanhas, de bananas, de laranjas, de bocas e de mucosas. Libertação dos sentidos, envolventes das massas frenéticas, que maxixam, gritam, tresandam, deslumbram, saboreia, de Madureira à Gávea, na unidade do prazer desencadeado. Carnaval. Tudo efemina-se. Gloria da mulher. Ela, para ela e por ela. Inversão universal. Homens-fêmeas. Mulheres-machos, retorno ancestral ao culto lunar, ao mistério noturno. Desforra da fêmea. Ressurreição das bacantes, das bruxas, das diabas. [...]”

"Carnaval", Di Cavalcanti, 1965. Acervo: Itaú.


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