sábado, 22 de fevereiro de 2025

MACHADO DE ASSIS

 AO CARNAVAL DE 1860

"Morreste, seriedade!

Momo, o deus das zombarias,

Usurpou-te, por três dias,

Teu esplêndido bastão!

De um exílio temporário

Toma a longa e nova rota;

Agora reina a chacota

E o carnaval folgazão!

 

Diante da mais rubra folia,

Cabeça a mais séria não vale um real;

Doidice, festança e alegria,

Tudo isto é fortuna que traz — carnaval.

 

Homem sério e bem formado,

Neste dia é contrabando;

Respeitado e venerando

É coisa que não se diz;

A razão abrindo os lábios,

Onde tem berço o juízo,

Vestiu um chapéu de guizo,

E pôs um falso nariz!

 

Nem pai de família, nem velho empregado,

Doutor, diplomata, caixeiro ou patrão,

Ninguém, ó loucura, no dia aprazado,

Não pode negar-te seu grande quinhão.

 

Tudo a loucura nivela,

Nem há luta de inimigos:

Esqueçam-se ódios antigos

De algum ferrenho eleitor;

Há tréguas por três dias

No campo dos candidatos,

Que o feijão ferve nos pratos

E os guizos falem melhor.

 

Esqueça-se tudo, são todos convivas,

Os ódios se apaguem no abraço comum:

Que doce batalha! Que lutas festivas!

Daqui deste campo não foge nem um!

 

Todas as belas amáveis

Podem ter parte na festa:

Sacerdotisas e Vesta,

Acendei os corações!

Pra sustentar a empresa

Não tendes armas faceiras?

É não tirar as pulseiras

E conservar os balões.

 

Daí das janelas olhando curvadas.

Sem dar um só passo na luta venceis:

Ao fogo, que corre das vossas sacadas

Aquiles se curvam e algemam-se reis.

 

Os reis, conquanto pintados,

Sempre são reis por três dias;

E sabem as galhardias

Das vossas armas leais.

Nós somos a Roma Inerte

Com a invasão peregrina

Que os hunos de crinolina

São mais que os outros fatais."


Machado de Assis (1839-1908).

 

A Marmota, nº 1136, 21-2-1860, jornal fluminense.


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