quinta-feira, 16 de maio de 2019

LIVROS, SEMPRE LIVROS.

Arrumar as estantes de livros é um problema. Agradável, certamente e, em geral, demora dias. O problema é que acabo encontrando meio escondido nas últimas fileiras um amigo que não via fazia tempo; outro de que quase me esquecera e alguns que esperam este encontro com a paciência que só eles têm. Desse modo acabo parando para ler, reler ou folhear os livros, o que torna a tarefa mais suave, porém, sem data definida para terminar.
Foi assim que reencontrei este texto que transcrevo, propondo até uma adivinhação: quem é o autor dele?
I - “Na verdade (...), nada me agrada tanto como praticar com pessoas de idade; pois as considero como viajantes que percorreram um longo caminho, o qual eu talvez tenha de percorrer também. Por isso acho necessário informar-me com elas se a estrada é lisa e fácil ou áspera e cheia de dificuldades.”
(...)
II – “Os homens da minha idade reúnem-se muitas vezes; somos pássaros da mesma plumagem, como diria o velho provérbio; e nessas reuniões o tom geral da conversa é: não posso comer, não posso beber; lá se foram os prazeres da mocidade e do amor; outrora se vivia bem, mas isso já passou e a vida já não é a vida. Alguns se queixam das desconsiderações que recebem dos próprios parentes e desfiam tristemente a cantilena de todos os males que a velhice lhes traz. Mas quer me parecer (...) que essas pessoas culpam a quem realmente não é culpado. Porque se a velhice fosse a causa eu, que também sou velho, e todos os demais que o são sofreríamos a mesma coisa. (...).  A verdade é que essas queixas, bem como as que são feitas contra parentes, devem ser atribuídas à mesma causa; e esta não é a velhice, e sim o caráter dos homens; pois aquele que tem um natural tranquilo e bem humorado não sentirá o peso dos anos, e ao que não é assim não só a velhice, mas a própria juventude é pesada.”
      Octogenária e de bem com a vida. Ela é risonha, enfrenta as limitações que a idade traz, acompanha com interesse renovado as mudanças sociais e tecnológicas do mundo e tem um grande amor pela família que formou e vê crescer com carinho. É um prazer encontrá-la porque transmite prazer de viver e, embora tenha problemas de saúde, estes nunca são o tema da conversa, apenas uma ligeira menção porque logo está falando da  programação cultural da cidade, de uma comidinha diferente e de algum assunto do momento.
Ah! O autor do texto transcrito é Platão (428-348 A.C), que narra em A República um diálogo entre Sócrates (469-399 A.C.) e o seu anfitrião em ceia que antecede a um festival. O texto I é de uma conversa de Sócrates e o II é a resposta do anfitrião. E a gente acha que o mundo mudou...
Platão – Diálogos – A República, tradução de Leonel Vallandro. Coleção Universidade.


 (Adaptação do original publicado em blog antigo, em meados de 2011, aproveitando nova arrumação das estantes. Neuza está ótima, com a mesma disposição em 2020.)
Ilustração: J. Pierpont Morgan's Library, Nova York (www.themorgan.org/)





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