O garoto
alagoano José Maria tinha 16 anos quando mudou para o Rio de Janeiro para fazer
um curso preparatório para a Escola Naval. Após três anos desistiu, arrumou
emprego e logo ingressou na Escola Politécnica. Em 1906 recebeu o diploma de
engenheiro geógrafo e foi trabalhar na Prefeitura. José Maria Goulart de
Andrade (1881-1936), entretanto, era aspirante a poeta e frequentava a boemia carioca
que, na passagem do século XIX para o XX, reuniu alguns dos maiores nomes da
literatura brasileira. A roda de amigos incluía entre muitos outros, Olavo
Bilac, Martins Fontes, Emílio de Menezes, Guimarães Passos...
O grande amigo era
o poeta santista José Martins Fontes (1884-1937), médico sanitarista formado
pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro em 1908. Na biografia de Goulart
de Andrade para a SÉRIE ESSENCIAL da Academia Brasileira de Letras, o professor
Sânzio de Azevedo (UFC) relata algumas histórias dessa amizade que se prolongou
por toda a vida, apesar dos caminhos diferentes que eles trilharam.
Em “Nós, as abelhas” (1936), Martins Fontes conta que: “Houve tempo em
que às seis horas da manhã, Goulart, engenheiro da Prefeitura, e eu como
auxiliar de Oswaldo Cruz, nos encontrávamos sem nunca, nunca faltar, a caminho
dos subúrbios iniciando a faina [...]. Acordávamos ao alvorar, entrávamos pela
noite, fazendo literatura. Fantástico! Para nós o domingo era o dia útil do
sono equivalente ao de uma semana. A ninguém dediquei maior admiração que a que
consagro ao grande Goulart de Andrade”.
A casa em que vivia Martins Fontes no
Rio era bem peculiar e todos a conheciam como “Navio da Lapa”. Sânzio de
Azevedo convoca Luis Edmundo (“O Rio de Janeiro do meu tempo”, 1957) para
descrever o lugar famoso.
“Navio porque o assoalho da casa balança, como o dos
barcos sobre as águas do mar, as vigas que suportam as tábuas onde se pisa,
comidas aqui e ali, pelo cupim, dão aos que sobre elas caminham a impressão do
roulis ou do tangage [...] Fontes é o oficial-maior do Navio. Usa um pijama com
alamares, feitos de ligas velhas, Oscar Lopes é o imediato. Serve, às vezes de
piloto, o Goulart de Andrade”.
Contudo, uma brincadeira específica do grupo que chama atenção porque a
história se repetiu recentemente. Os jovens foram a casa de Olavo Bilac
(1865-1918), como conta mais uma vez Martins Fontes (“O Colar Partido”, 1927):
“Bilac recebeu-nos sem saber do que se tratava, mas
porque tinha o dom divinatório, friamente interrogou: - De que se trata, meus
caros senhores? Goulart de Andrade então lhe disse: – Caro chefe, o nosso Partido
vem oferecer-lhe a presidência da República, para salvarmos a pátria. Bilac
aceitou o posto de sacrifício. E começaram os trabalhos para a organização do
ministério”.
No final da
brincadeira, o “ministério” teve Coelho Neto, na Marinha; Alberto de Oliveira, na
Agricultura; e Goulart de Andrade, na Viação.
Goulart de Andrade conquistou seu lugar
na literatura brasileira como poeta parnasiano. O trabalho de Sânzio de Azevedo
reúne diversas críticas à obra do poeta alagoano. Escolhi a manifestação de
Nelson Werneck Sodré: “Sua estreia, com Poesias (1907), incorporou-o às
fileiras parnasianas, de que foi um dos mais frisantes exemplos, pela correção
formal”. E da pequena antologia no final do livro, escolhi “Cosmos” (1934).
COSMOS
Tens a aurora na boca e a noite escura
Nos olhos; no cabelo, em desalinho,
O mar bravo, a floresta, o torvelinho;
Possuis na voz a música e a frescura
Da água corrente; o sussurrar do ninho
Na surdina sutil do teu carinho,
Em que o calor ao travo se mistura...
Cheiras como um vergel! Tens a tristeza
De uma tarde
hibernal, em que anda imerso
Teu Amor – meu algoz e minha presa –
Em tua alma e teu corpo acha meu verso
Todas as convulsões da natureza
E as harmonias do universo.
GOULART
DE ANDRADE: Cadeira 6. Ocupante 3/Sânzio de Azevedo. Rio de Janeiro: Academia
Brasileira de Letras. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2012.
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