domingo, 28 de novembro de 2021

CENAS DO COTIDIANO

Primavera chegando ao fim. Manhã de sol. Um ponto de ônibus em frente a um prédio de apartamentos. Algumas pessoas aguardam entediadas. O funcionário do condomínio lava a calçada. A água jorra da mangueira estendida ao longo do passeio. Duas crianças, talvez cinco ou seis anos, se entretêm espiando os jardins quando veem o esguicho de água. Parece novidade. Ombro a ombro observam, cochicham, riem e se abaixam para sentir a força da água. Gostam da experiência. Então colocam os pés junto ao esguicho, saltam e correm ao redor da mangueira. Livram-se das havaianas. O rapaz volta com o balde e incentiva a brincadeira e mostra para as crianças o borbulhar da água enchendo o recipiente. Risadas de descobertas. Cochichos. O rapaz leva o balde cheio, mas deixa a mangueira no chão. Uma das crianças se afasta e vê uma poça. Salta com os dois pés. Os respingos o envolvem e o irmão se junta à nova experiência. Muitas risadas. Caem sentados sobre o que restou da poça. Voltam ao esguicho da mangueira. Os pais conversam tranquilamente ‒ nada de recriminações ou proibições. 

“Children-at-the-basin” (1886), obra de Berthe Morisot (1841-1895). 

Na entrada da livraria, um belo cachorro malhado observa a vitrine enquanto a dona olha o entorno. Não pude deixar de imaginar se ele procurava “Marley e eu” ou a biografia do Rin-Tin-Tin (gostei muito). Bobagem, claro. Entrei para pegar os livros encomendados, mas o vendedor não os conseguia localizar. Enquanto procurava, eu passeava pela loja. Já nem me lembrava do cachorro quando o vi entre as estantes, seguido pela dona indiferente ao ambiente. Nunca havia visto cães em livrarias, mas... O vendedor conferenciava com um colega sobre a possível localização dos livros. O rapaz até me indicou um lançamento de autor russo que me era completamente desconhecido. Ele havia lido. “Gostou?” E ele: “É russo”. Ri e dispensei. Numa última tentativa de achar os fugitivos, me vejo ao lado do cachorro que agora farejava uma escada de acesso a um porão que eu nunca vira. Então pergunto à acompanhante qual a raça dele. Ela responde que é um vira-lata e já vai explicando que ele procura o marido dela e por isso está tão ansioso. Elogio a beleza dele e me despeço dos vendedores, que ainda não acharam os livros encomendados, mas saio com dois outros que me interessaram muito. (À noite recebi mensagem da livraria informando que os fujões foram localizados e estão à minha disposição.)

"Tama, the Japanese Dog", c. 1876, óleo sobre tela de Pierre-Auguste Renoir. Acervo:  The Clark Art Institute, Williamstown, MA.
 

Surpreendi o passarinho na sala. Ele se assustou, tentou sair, mas na pressa bateu no vidro da janela e, desesperado, começou a se debater. Quando cheguei perto para ajudar, ele foi para o chão e ficou paralisado ao pé da estante. Com jeito consegui pegá-lo e levá-lo para a janela onde o liberei. Para minha surpresa permaneceu na minha mão, me olhando até que voou para a sibipiruna, onde vive. Muito engraçadinho.

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