sexta-feira, 3 de dezembro de 2021

O PÃO NOSSO

 

Ninguém esquece a primeira padaria. Na minha infância, ela se chamava Cirilo e vendia apenas pão. Pão de todos os tipos: francês, sovado, de banha, bengala... Com o passar do tempo, as padarias foram mudando. Atualmente, muitas funcionam como locais agradáveis onde se servem refeições e, principalmente as pessoas se encontram com amigos para bater papo, comemorar aniversários e comer pizza ‒ sim, padarias têm de tudo.

Frequentei durante muitos anos uma padaria do bairro, um espaço muito democrático. Logo cedo acotovelavam-se em torno do balcão executivos, operários, taxistas, escriturários, donas de casa, domésticas e toda gente que estava indo ou vindo para o trabalho (como eu). Ninguém sabia dizer qual era o mais antigo freguês da padaria, mas havia um público cativo que chegava cedo: Dagoberto, um cavalheiro elegante, comprava pães e saboreava um cafezinho; Braga corria atrás da empadinha que acabara de sair do forno; Paulo vinha com o copo para levar o primeiro café do dia; Norberto trazia o jornal e pedia o café de sempre; Leandro queria um salgadinho enquanto esperava por um xistudo, um suco de laranja, um café com leite no capricho; Maria José, dona do mais bonito sorriso do bairro, aparecia para buscar um lanche. 

Como nada é perfeito, a dona da pior voz da cidade chegava cansada do Parque e chamava todo mundo pelo diminutivo. O casalzinho costumava estacionar o carro e entrar arrulhando para a primeira refeição. Quando Cida (79) chegava, dirigindo seu possante vermelho sem um grão de poeira, havia um momento de apreensão com as manobras radicais no estacionamento. Ela não ligava para as brincadeiras. E lá estava a Carminha para um dedinho de prosa, enquanto tomava o café antes de subir a ladeira. No canto, eu só observava, enquanto tomava o último dos bons cafés de coador da cidade.

No início da noite, o público era bem diferente, mas fiel também. Grupo essencialmente masculino. Quase todos acima dos 50. Eles faziam uma parada na padaria antes de ir para a casa. Os assuntos iam do futebol, cinema e política até ciência e tecnologia! Vez por outra voavam alguns palavrões e logo se ouvia um psiu de alerta. Tudo isso entre um copo e outro de cerveja, conhaque ou rabo de galo e um prato de petiscos. Quando sussurravam, era quase certo que o tema fosse mulher.

Tudo isso mudou. A padaria fechou há muitos anos (deu lugar a uma farmácia) e vários frequentadores morreram e outros mudaram; revejo alguns em outros endereços das imediações. Atualmente, faço pouso no Recanto Doce, padaria (das melhores), lanchonete, pizzaria que tem um ótimo serviço, mas o ambiente não é nada parecido com o da velha e popular Dengosa. Ela até se denomina “casa de pães”.


Pintura de Salvador Dali: "Cesta de pão" (1945).
Fotos: bancada de pães especiais do Recanto Doce.

Nenhum comentário: