“Um espírito malicioso definiu a América como
uma terra que passou da barbárie à decadência sem conhecer a civilização. Poder-se-ia,
com mais acerto, aplicar a fórmula às cidades do Novo Mundo: elas vão do viço à
decrepitude sem parar na idade avançada. Uma estudante brasileira voltou-me em
lágrimas após sua primeira viagem à França: Paris lhe parecera suja, com seus
prédios enegrecidos. A brancura a limpeza eram os únicos critérios à sua
disposição para apreciar uma cidade. Mas essas férias fora do tempo a que
convida o gênero monumental, essa vida sem idade que caracteriza as mais belas
cidades, transformadas em objeto de contemplação e de reflexão, e não mais em
simples instrumentos da função urbana – as cidades americanas nunca chegam a
tal. Nas cidades do Novo Mundo, seja Nova York, Chicago ou São Paulo, que
muitas vezes lhe foi comparada, o que me impressiona não é a falta de vestígios:
essa ausência é um elemento de seu significado. Ao contrario desses turistas
europeus que torcem o nariz porque não podem acrescentar a seus troféus de caça
mais uma catedral do século XIII, alegro-me em me adaptar a um sistema sem
dimensão temporal, para interpretar uma forma diferente de civilização. Mas é
no erro contrário que caio: já que as cidades são novas e tiram dessa novidade
sua essência e sua justificação, custo a perdoá-las por não continuarem a sê-lo.
Para as cidades europeias, a passagem dos séculos constitui uma promoção; para
as americanas, a dos anos é uma decadência. Pois não são apenas construídas recentemente;
são construídas para se renovares com a mesma rapidez com que foram erguidas,
quer dizer, mal.”
“São Paulo” – in “Tristes Trópicos” (1955), do antropólogo Claude Lévi-Strauss (1908-2009). Claude Lévi-Strauss lecionou na recém-criada Universidade São Paulo de 1935 a 1936 e não achou São Paulo uma cidade feia.
Foto: UNESCO/Michel Ravassard.
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