segunda-feira, 24 de outubro de 2022

TANGO, SEMPRE APAIXONANTE.

O professor e crítico Décio de Almeida Prado (1917-1986) escreveu um ensaio apaixonante sobre Carlos Gardel e o tango, esse gênero que há muito tempo escapuliu das terras portenhas, ganhou o mundo e é reconhecido pela UNESCO como Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade. Em São Paulo, os adeptos formam uma confraria que se reúne em tanguerias famosas para dançar e admirar grandes bailarinos. Eu me juntei a eles há alguns anos no Clube do Tango, no Jardim Paulista, sob a batuta de dois bailarinos argentinos geniais – Omar Forte e Carolina Udoviko, um espaço em que dançavam pessoas de todas as idades; continuei por alguns anos no Tango B’Aires, na Vila Mariana, onde Omar Forte dá aulas e promove milongas memoráveis.

            Há muitas versões sobre a origem do tango, mas há um consenso de que foi mesmo no bas fond portenho que a dança surgiu e aos poucos ganhou espaço nas casas respeitáveis de Buenos Aires; mas escolhi o escritor Jorge Luís Borges (1899-2000) para comentar essa dança fascinante.

“Eu me lembro daqueles primeiros tangos sem letra ou com letra obscena e me lembro também de ter visto – estou pensando agora na esquina das ruas Serrano e Guatemala –, de ter visto o tango ser dançado ao som de um realejo por pares de homens, de homens porque as mulheres não queriam participar de uma dança cuja origem conheciam muito bem. E me lembro daquela sentença criada por Lugones: ‘O tango, esse réptil de lupanar’. Quero elogiar a precisão da palavra ‘réptil’, que contém as figuras do tango, as "quebradas" e os "cortes", a sinuosidade da dança e, claro, o desprezo que Lugones, um cordovês, devia sentir por uma dança com origem – equívoca ou não, mas bastante inequívoca – em Buenos Aires. E depois o tango cresce, e agora, como acaba de apontar Gancedo, todos nós, para além da nossa procedência, sentimos que o tango nos exprime, nos confessa. Claro que há diferenças de épocas: eu sou um senhor já de certa idade, não em vão nasci em 1899, e o tango que eu sinto que me confessa – ou que eu gostaria que me confessasse, pois já há uma certa nostalgia em tudo isso –, é o tango-milonga, ou o chamado ‘tango da velha-guarda’.” Jorge Luís Borges.

O vídeo que há anos está no YouTube mostra uma deliciosa apresentação dos irmãos Macana, exemplo do que Borges recorda em sua conferência, publicada pela Folha de S. Paulo e mais tarde inserida em um livro. 





(Tango B'Aires: Rua Amâncio de Carvalho, 23.)

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