O professor e crítico
Décio de Almeida Prado (1917-1986) escreveu um ensaio apaixonante sobre Carlos
Gardel e o tango, esse gênero que há muito tempo escapuliu das terras portenhas,
ganhou o mundo e é reconhecido pela UNESCO como Patrimônio
Cultural Imaterial da Humanidade. Em São Paulo,
os adeptos formam uma confraria que se reúne em tanguerias famosas para dançar
e admirar grandes bailarinos. Eu me juntei a eles há alguns anos no Clube do
Tango, no Jardim Paulista, sob a batuta de dois bailarinos argentinos geniais –
Omar Forte e Carolina Udoviko, um espaço em que dançavam pessoas de todas as
idades; continuei por alguns anos no Tango B’Aires, na Vila Mariana, onde Omar
Forte dá aulas e promove milongas memoráveis.
Há muitas versões sobre a origem do tango, mas há um
consenso de que foi mesmo no bas fond portenho que a dança surgiu e aos poucos
ganhou espaço nas casas respeitáveis de Buenos Aires; mas escolhi o escritor
Jorge Luís Borges (1899-2000) para comentar essa dança fascinante.
“Eu me lembro daqueles primeiros tangos sem
letra ou com letra obscena e me lembro também de ter visto – estou pensando
agora na esquina das ruas Serrano e Guatemala –, de ter visto o tango ser
dançado ao som de um realejo por pares de homens, de homens porque as mulheres
não queriam participar de uma dança cuja origem conheciam muito bem. E me
lembro daquela sentença criada por Lugones: ‘O tango, esse réptil de lupanar’.
Quero elogiar a precisão da palavra ‘réptil’, que contém as figuras do tango,
as "quebradas" e os "cortes", a sinuosidade da dança e,
claro, o desprezo que Lugones, um cordovês, devia sentir por uma dança com
origem – equívoca ou não, mas bastante inequívoca – em Buenos Aires. E depois o
tango cresce, e agora, como acaba de apontar Gancedo, todos nós, para além da
nossa procedência, sentimos que o tango nos exprime, nos confessa. Claro que há
diferenças de épocas: eu sou um senhor já de certa idade, não em vão nasci em
1899, e o tango que eu sinto que me confessa – ou que eu gostaria que me
confessasse, pois já há uma certa nostalgia em tudo isso –, é o tango-milonga,
ou o chamado ‘tango da velha-guarda’.” Jorge Luís Borges.
O vídeo que há anos está no YouTube mostra uma deliciosa apresentação dos irmãos Macana, exemplo do que Borges recorda em sua conferência, publicada pela Folha de S. Paulo e mais tarde inserida em um livro.
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