domingo, 16 de outubro de 2022

TRISTE HISTÓRIA DE MARIE LAFARGE

(1816-1852)

Ela seria apenas mais uma moça a quem a vida prometia muito. Pelo menos parecia prometer. Era prima bastarda do rei Luís Felipe I de França, casou-se aos 23 anos com um mestre de forjas, que lhe prometeu mundos e fundos, mas queria mesmo o seu dote para saldar dívidas. As coisas foram mal desde o início: a casa prometida não passava de uma velha cabana, Lafarge tinha um temperamento difícil e era violento; ela resignou-se a tentar melhor a cabana enquanto ele corria atrás de mais dinheiro.

Um dos problemas de Marie era o batalhão de ratos que infestava a casa e para combater os roedores resolveu usar arsênico, que o administrador dos negócios do marido comprou a seu pedido. Espalhou o veneno com fartura pela casa. Por essa época o marido viaja para Paris e Marie resolveu fazer-lhe uma surpresa: prepara bombas de creme e enviou a delicatesse para Paris com um cartão de Boas Festas. Lafarge comeu um dos doces e começou a vomitar e a sentir violentas dores de cabeça, voltou imediatamente para casa e morreu onze dias depois (14/01/1840). A morte inesperada de Lafarge, levantou suspeitas e, quando a polícia foi interrogar os familiares, encontrou arsênico por toda casa.

Marie Lafarge foi presa, acusada de envenenamento do marido e o julgamento ocorreu oito meses depois. Foram feitas quinze análises toxicológicas do cadáver e apenas uma constatou a presença de arsênico e em quantidade mínima. A acusação recorreu ao renomado químico espanhol Matieu Joseph Bonaventura Orfila (1787-1853), o criador da toxicologia. Na época, Orfila usava um aparelho desenvolvido pelo químico britânico James March (1794-1846) para dosar arsênico e que Orfila aperfeiçoara. O espanhol pediu nova autópsia e depois de usar a máquina algumas vezes afirmou que ela revelara quantidade mínimas, mas incontestáveis de arsênico no cadáver. Surpresa geral. Dois resultados antagônicos. A defesa resolveu pedir uma terceira opinião e convocou para contraperícia o maior químico francês François-Vincent Raspail (1794-1878). Raspail provou que o arsênico existe naturalmente no corpo humano, que o método de Orfila não era confiável porque um dos seus reagentes continha arsênico e que, de qualquer maneira as quantidades reveladas pelo aparelho eram insuficientes para provocar envenenamento.

Pronto! Marie estava salva. Engano. Quando o resultado saiu, o julgamento terminara e ela fora condenada a trabalhos forçados perpétuos. Além das questões científicas e técnicas, o julgamento também sofreu com as disputas políticas da época entre republicanos e monarquistas, já que Marie era prima do rei. A Academia de Medicina exigiu perícia do aparelho de Orfila e descobriu-se que a máquina estava cheia de arsênico, sendo proibido seu uso.

Ninguém soube ao certo o que matou o sr. Lafarge, mas em seu livro sobre a história dos hospitais, o cirurgião Jean-Noël Fabiani (1947), especialista em história da medicina, levanta uma hipótese bem mais provável que o arsênico: intoxicação alimentar causada pelo doce feito por Marie com creme e manteiga, obviamente não pasteurizados, e que viajou durante três dias desde a casa deles até Paris.  

Ilustração: Wikipédia, autor desconhecido.

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