Mário de
Andrade (1893-1945) não pode ficar fora de uma lista de grandes escritores e
escolhi uma passagem de “Macunaíma, o herói sem nenhum caráter”, um livro
surpreendente a cada página.
“Macunaíma
se arrastou até a tepera (sic) sem gente agora. Estava muito contrariado porque não compreendia
o silêncio. Ficara defunto sem choro, no abandono completo. Os manos tinham
ido-se embora transformados na cabeça esquerda do urubu-ruxama e nem siquer a
gente encontrava cunhãs por ali. O silencio principiava cochilando a beira-rio
do Uraricoero. Que enfaro! E, principalmente, ah!... que preguiça!...
Macunaíma
foi obrigado a abandonar a tapera cuja ultima parede trançada com palha de
catolé estava caindo. Mas o impaludismo não lhe dava coragem nem pra construir um
papiri. Trouxera a rede pro alto dum teso onde tinha uma pedra com dinheiro
enterrado por debaixo. Amarrou a rede nos dois cajueiros frondejando e não saiu
mais dela por muitos dias dormindo caceteado e comendo cajus. Que solidão! O próprio
séquito sarapintado se dissolvera. Não vê que um ajuru-catinga passara muito
afogado por ali. Os papagaios perguntaram pro parente onde que ia.
–
Madurou milho na terra dos ingleses, vou pra lá!
Então
todos os papagaios foram comer milho na terra dos ingleses. Porém primeiro
viraram periquitos porque assim, comiam e os periquitos levavam a fama. Só
ficara um aruaí muito falador. Macunaíma se consolou pensamenteando: “O mal
ganhado, diabo leva... paciência! Passava os dias enfarado e se distraia
fazendo o pássaro repetir na fala da tribo os casos que tinham sucedido pro herói
desde a infância. Aaah... Macunaíma bocejava escorrendo caju, muito mole na
rede, com as mãos pra trás fazendo cabeceiro, o casal de legornes empeirado nos
pés e o papagaio na barriga. Vinha a noite. Aromado pelas frutas do cajueiro o herói
ferrava no sono bem. Quando a arraiada vinha o papagaio tirava o bico da asa e
tomava o café da manhã devorando as aranhas que de-noite fiavam as teias dos
ramos pro corpo do herói. Depois falava:
–
Macunaíma!
O
dorminhoco nem se mexia.
–
Macunaíma! ôh Macunaíma!
–
Deixa a gente dormir, aruaí...
–
Acorda, herói! É de-dia!
–
Ah... que preguiça!...
–
Pouca saúde e muita saúva,
Os
males do Brasil são!...
Macunaíma
dava uma grande gargalhada e coçava a cabeça cheia de pixilinga que é o
piolho-de-galinha. Então o papagaio repetia o caso aprendido na véspera e Macunaíma
se orgulhava de tantas glórias passadas. Dava entusiasmo nele e se punha contando
pro aruaí outro caso mais pançudo. E assim todos os dias.”
MACUNAÍMA,
o herói sem nenhum caráter (XVIII URSA MAIOR) – Mário de Andrade. edição
crítica Telê Porto Ancona Lopez, 1988.~
Nenhum comentário:
Postar um comentário