segunda-feira, 22 de julho de 2024

VESTIDA DE PIRILAMPOS

 

Hoje, o dia é de José Pereira da GRAÇA ARANHA (1868-1931), maranhense (ludovicense), diplomata e escritor pré-modernista, com este texto bucólico e elegante*.

 

"Os primeiros vaga-lumes começavam no bojo da mata a correr as suas lâmpadas divinas... No alto, as estrelas miúdas e sucessivas principiavam também a iluminar... Os pirilampos iam-se multiplicando dentro da floresta, e insensivelmente brotavam silenciosos e inumeráveis nos troncos das árvores como se as raízes se abrissem em pontos luminosos... A desgraçada, abatida por um grande torpor, pouco a pouco foi vencida pelo sono; e deitada às plantas da árvore, começou a dormir... Serenavam aquelas primeiras ânsias da Natureza, ao penetrar no mistério da noite. O que havia de vago, de indistinto, no desenho das coisas transformava-se em límpida nitidez. As montanhas acalmavam-se na imobilidade perpétua; as arvores esparsas na várzea perdiam o aspecto de fantasmas desvairados. No ar luminoso tudo retomava a fisionomia impassível. Os pirilampos já não voavam, e miríades e miríades deles cobriam os troncos das árvores, que faiscavam cravados de diamantes e topázios. Era uma iluminação deslumbrante e gloriosa dentro da mata tropical, e os fogos dos vaga-lumes espalhavam aí uma claridade verde, sobre a qual passavam camadas de ondas amarelas, alaranjadas e brandamente azuis. As figuras das arvores desenhavam-se envoltas numa fosforescência zodiacal. E os pirilampos se incrustavam nas folhas e aqui, ali e além, mesclados com os pontos escuros, cintilavam esmeraldas, safiras, rubis, ametistas e as mais pedras que guardam parcelas das cores divinas e eternas. Ao poder dessa luz o mundo era de um silêncio religioso, não se ouvia mais o agouro dos pássaros da morte; o vento, que agita e perturba, calara-se... Por toda a parte a benfazeja tranquilidade da luz...

Foto: Wikipedia - Criative Commons. 
In: Obra Completa (Canaã). Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro, 1968. 

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