quinta-feira, 27 de fevereiro de 2025

ELIZABEHT TAYLOR

 

Na minha opinião, foi a mais bela mulher do século XX e até hoje não tenho visto outra que se compare a ela. E não faltaram mulheres belas circulando pelo mundo desde então. Fez alguns filmes muito bons (“De repente no último verão”, “Assim Caminha a humanidade”, “Gata em teto de zinco quente” e, por que não? “A mocidade é assim”) e outros nem tanto. Hoje faria 93 anos

Foto de publicidade da MGM, 1950.

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segunda-feira, 24 de fevereiro de 2025

PARA SEMPRE MÁRIO

 


Há 80 anos morria Mário de Andrade – doze dias após o Carnaval, que ele tanto amava. Morreu em casa na Rua Lopes Chaves de um ataque cardíaco aos 51 anos. Viveu pouco, mas deixou uma obra extraordinária. Grande nome da Semana de Arte Moderna, ele foi escritor, poeta, músico, pesquisador, fotógrafo e, acima de tudo, um apaixonado por São Paulo. Foi um estudioso do Brasil. De “Macunaíma” a “Turista Aprendiz”, de “Amar Verbo intransitivo” à “Pauliceia desvairada” – há alguma expressão melhor para definir essa cidade fantástica?

Ele não morreu – de uma certa forma o desejo que ele pôs em versos se realizou – há um pedaço dele em vários pontos da cidade: na rua Aurora, no Paissandu, na rua Lopes Chaves, no Instituto de Estudos Brasileiros/ USP, no Centro Cultural São Paulo, na Biblioteca Mário de Andrade...

Pouca gente conhece, entretanto, uma das suas grandes realizações que, sem dúvida, foi a criação dos Parques Infantis, como diretor do Departamento de Cultura, idealizado por ele e implantado em 1935 na gestão do prefeito Fábio Prado (1934-1938).

Os três primeiros parques foram instalados no Parque D. Pedro, Lapa e Ipiranga e atendiam a 1.624 crianças. Em 1936 foi agregada aos parques uma educadora sanitária após a constatação das condições precárias de vida da classe operaria por meio de pesquisas da prefeitura paulistana. Mário “reativou nas praças e parques infantis as danças dramáticas e folclóricas, organizou corais nesses mesmos parques”, de acordo com Oneyda Alvarenga (1911-1984), poeta, musicóloga, folclorista etnóloga, ex-aluna e grande colaboradora de Mário de Andrade.

Os Parques Infantis, destinados às crianças de 3 a 12 anos, filhos de famílias operárias, possibilitavam que vivenciassem a infância brincando em contato com a natureza, conhecessem as manifestações culturais brasileiras, produzindo história e cultura. Em sua tese de doutorado, a professora Ana Lúcia Goulart de Faria, da Faculdade de Educação da Unicamp, explica que “(...) as ideias de Mário de Andrade a respeito da construção de uma identidade nacional englobavam todas as faixas etárias e todas as camadas sociais. Através das manifestações populares, folclóricas, artísticas e estéticas, a infância e o operariado estavam presentes consumindo e produzindo cultura, abrasileirando, portanto, o país”.

Infelizmente, a cultura – música, danças e lendas – brasileira foi engolida por unicórnios, bruxas, fadas, Pocahontas, leões etc., o cardápio oferecido em escolas em geral.

Casa Mário de Andrade. Barra Funda.

                                        

sábado, 22 de fevereiro de 2025

FESTIVAL DO SOL DE ABU SIMBEL

 O FESTIVAL DO SOL DE ABU SIMBEL, Egito, acontece duas vezes por ano - uma em 22 de

fevereiro e outra em outubro. A foto é de setembro de 2009. Uma viagem maravilhosa.




MACHADO DE ASSIS

 AO CARNAVAL DE 1860

"Morreste, seriedade!

Momo, o deus das zombarias,

Usurpou-te, por três dias,

Teu esplêndido bastão!

De um exílio temporário

Toma a longa e nova rota;

Agora reina a chacota

E o carnaval folgazão!

 

Diante da mais rubra folia,

Cabeça a mais séria não vale um real;

Doidice, festança e alegria,

Tudo isto é fortuna que traz — carnaval.

 

Homem sério e bem formado,

Neste dia é contrabando;

Respeitado e venerando

É coisa que não se diz;

A razão abrindo os lábios,

Onde tem berço o juízo,

Vestiu um chapéu de guizo,

E pôs um falso nariz!

 

Nem pai de família, nem velho empregado,

Doutor, diplomata, caixeiro ou patrão,

Ninguém, ó loucura, no dia aprazado,

Não pode negar-te seu grande quinhão.

 

Tudo a loucura nivela,

Nem há luta de inimigos:

Esqueçam-se ódios antigos

De algum ferrenho eleitor;

Há tréguas por três dias

No campo dos candidatos,

Que o feijão ferve nos pratos

E os guizos falem melhor.

 

Esqueça-se tudo, são todos convivas,

Os ódios se apaguem no abraço comum:

Que doce batalha! Que lutas festivas!

Daqui deste campo não foge nem um!

 

Todas as belas amáveis

Podem ter parte na festa:

Sacerdotisas e Vesta,

Acendei os corações!

Pra sustentar a empresa

Não tendes armas faceiras?

É não tirar as pulseiras

E conservar os balões.

 

Daí das janelas olhando curvadas.

Sem dar um só passo na luta venceis:

Ao fogo, que corre das vossas sacadas

Aquiles se curvam e algemam-se reis.

 

Os reis, conquanto pintados,

Sempre são reis por três dias;

E sabem as galhardias

Das vossas armas leais.

Nós somos a Roma Inerte

Com a invasão peregrina

Que os hunos de crinolina

São mais que os outros fatais."


Machado de Assis (1839-1908).

 

A Marmota, nº 1136, 21-2-1860, jornal fluminense.


quinta-feira, 20 de fevereiro de 2025

CARNAVAL DE ARTUR AZEVEDO

 

“O fluminense, na terça-feira gorda, anda, corre, pula, fala, grita, canta, dança e agita-se por todo um ano. Faz a sua provisão de pândega, e vai para casa esperar resignadamente pelo próximo carnaval, rolando, enquanto descansa, a pesada pedra de Sísifo que se chama vida prática.” 

Arthur Azevedo (1855-1908) na coluna “Palanque”, no DIÁRIO DE NOTÍCIAS de 15 de fevereiro de 1888. 


segunda-feira, 17 de fevereiro de 2025

CARNAVAL DE GRAÇA

 

Maranhense, José Pereira da Graça Aranha (1868-1931) formou-se pela Faculdade de Direito do Recife e, depois de passar pela magistratura, fez carreira diplomática. Quando retornou ao Brasil, o movimento modernista estava em pleno desenvolvimento, identificou-se com o grupo paulista e foi um dos organizadores da Semana de Arte Moderna em 1922. Abaixo excerto do romance “A Viagem Maravilhosa” (1929).  Na verdade, é considerado pré-modernista.

CARNAVAL

“Alguns dias depois explode embaixo o carnaval. Maravilha de ruído, encantamento do barulho. Zé Pereira, bumba, bumba. Falsetes azucrinam, zombeteiam. Viola chora e espinoteia. Melopeia negra, melosa, feiticeira, candomblé. Tudo é instrumento, flautas, violões, reco-recos, saxofones, pandeiros, latas, gaitas e trombetas. Instrumentos sem nome inventados subitamente no delírio da improvisação, do ímpeto musical. Tudo é canto. Os sons sacondem0se, berram, lutam, arrebentam no ar sonoro de ventos, vaias, claxons e aços, estrepitosos. Dentro dos sons movem0se as cores, vivas, ardentes, pulando, dançando, desfilando sob o ver de arvores, em face do azul da baía, no mundo dourado. Dentro dos sons e das cores movem-se os cheiros, cheiro negro, cheiro mulato, cheiro branco, cheiro de todos os matizes, de todas as excitações e de todas as náuseas. Dentro dos cheiros, o movimento dos tatos, violentos, brutais, suaves, lúbricos, meigos, alucinantes. Tatos, sons, cores, cheiros que se fundem em gostos de gengibre, de amendoim, de castanhas, de bananas, de laranjas, de bocas e de mucosas. Libertação dos sentidos, envolventes das massas frenéticas, que maxixam, gritam, tresandam, deslumbram, saboreia, de Madureira à Gávea, na unidade do prazer desencadeado. Carnaval. Tudo efemina-se. Gloria da mulher. Ela, para ela e por ela. Inversão universal. Homens-fêmeas. Mulheres-machos, retorno ancestral ao culto lunar, ao mistério noturno. Desforra da fêmea. Ressurreição das bacantes, das bruxas, das diabas. [...]”

"Carnaval", Di Cavalcanti, 1965. Acervo: Itaú.


domingo, 16 de fevereiro de 2025

O CARNAVAL DE LÉVI-STRAUSS

 

PARIS – Num domingo de 1934 em, Claude Lévi-Strauss foi consultado por um professor sobre o possível interesse dele por Etnologia que o informou da existência de uma vaga para lecionar no Brasil numa nova universidade. Sim, o jovem Lévi-Strauss tinha grande interesse pela matéria, quanto à mudança para o Brasil, ele tinha apenas duas horas para decidir. Felizmente, o jovem professor aceitou o desafio. Em 4 fevereiro de 1935, ele embarcou com a esposa Dina no navio misto de passageiros e carga Mendoza com destino ao Brasil. Com eles também viajaram os colegas Jean Maugüe (filósofo) e Pierre Hourcade (literatura francesa) que se juntariam aos outros membros da chamada “missão francesa” da Universidade de São Paulo, que já se encontravam em São Paulo. 

A viagem é demorada porque o navio faz diversas escalas antes de atravessar o Atlântico. A primeira parada é no Rio de Janeiro, depois Santos onde são recebidos por Júlio de Mesquita Filho, proprietário do jornal O ESTADO DE S. PAULO, imprensa e fotógrafos. O grupo sobre a Serra do Mar – um impacto belamente narrado posteriormente por Lévi-Strauss – e em São Paulo é recebido pelo interventor Armando de Salles Oliveira e instalado no Hotel Terminus (R. Brigadeiro Tobias, 576).

Um detalhe: era Carnaval, que em 1935 foi de 3 a 5 de março.  E Lévi-Strauss escreveu:

“Na mesma noite, saímos em exploração pela cidade. num bairro popular, uma casa baixa com janelas verdes emitia uma música tonitruante e viam-se pessoas dançando. Nos aproximamos. Um negro que vigiava a porta disse que podíamos entrar, mas para dançar, não para olhar. Dançamos então com aplicação, mas receio que sem a menor habilidade e causando bastante embaraço às mulheres negras que, numa total indiferença, aceitavam nossos convites.”

Desfile de blocos carnavalescos na rua Brigadeiro Galvão registrado por Claude Lévi-Strauss. (Acervo IMS/Divulgação)

sábado, 15 de fevereiro de 2025

CARNAVAL CARIOCA

 

"Carnaval nos Arcos da Lapa" (1961), Heitor dos Prazeres.

Rio de Janeiro, primeira década do século XX e o Carnaval já dominava a capital da República. Se em São Paulo a festa era discreta, na Capital do país, as coisas eram bem diferentes. Ninguém melhor do que o jornalista e escritor Emílio Cristóvão dos Santos Coelho Barreto (1881-1921), o maravilhoso JOÃO DO RIO, para descrever uma noite carnavalesca na Rua do Ouvidor onde os cordões se sucediam. A descrição é minuciosa – o jogo de luzes, o som estridente dos instrumentos e da multidão que se espremia para ver e participar da festa...  Não falta sequer o odor forte do suor que nos lembra as noites quentes dos verões cariocas.

Excerto da crônica publicada na revista KOSMOS (Rio de Janeiro, fevereiro de 1906) com o título de “Elogio do Cordão”.

JOÃO DO RIO

“Era em plena Rua do Ouvidor. Não se podia andar. A multidão apertava-se sufocada. Havia sujeitos congestos, forçando a passagem com os cotovelos, mulheres afogueadas, crianças a gritar, tipos que berravam pilhérias. A pletora da alegria punha desvarios em todas as faces. Era provável que do largo de São Francisco à Rua Direita dançassem vinte cordões e quarenta grupos, rugassem duzentos tambores, zabumbassem cem bombos, gritassem cinquenta mil pessoas. A rua convulsionava-se como se fosse fender, rebentar de luxúria e de barulho. A atmosfera pesava como chumbo. No alto, arcos de gás besuntavam de uma luz de açafrão as fachadas dos prédios. Nos estabelecimentos comerciais, das redações dos jornais, as lâmpadas elétricas despejavam sobre a multidão uma luz ácida e galvânica, que enlividescia (sic) e parecia convulsionar os movimentos da turba, sob o panejamento multicolor das bandeiras que adejavam sob o esfarelar constante dos confetti, que, como um irisamento do ar, caíam, voavam rodopiavam. Essa iluminação violenta era ainda aquecida pelos braços de luz auer, pelas vermelhidões de incêndio e as súbitas explosões azuis dos fogos de Bangala; era como que arrepiada pela corrida diabólica e incessante dos archotes e das pequenas lâmpadas portáteis. Serpentinas riscavam o ar; homens passavam empapados d’água, cheios de confetti; mulheres de chapéu de papel curvavam as nucas à etila dos lança-perfumes, frases rugiam cabeludas, entre gargalhadas, risos, berros, uivos, guinchos. Um cheiro estranho, misto de perfume barato, fartum, poeira, álcool, aquecia ainda mais o baixo instinto da promiscuidade. A rua personalizava-se, tornava-se uma e parecia toda ela policromada de serpentinas e confetti, arlequinar o pincho da loucura e do deboche. Nós íamos indo, eu e o meu amigo, nesse pandemônio. Atrás de nós, sem colarinho, de pijama, bufando, um grupo de rapazes acadêmicos, futuros diplomatas e futuras glórias nacionais, berrava furioso a cantiga do dia, essas cantigas que aparecem no Carnaval:

Há duas coisa

 Que me faz chorá

É nó nas tripa

E o bataião navá!”

 

Para poupar tempo ao leitor aí vai uma ajuda. O Michaelis não

AUER – forma reduzida de auerbachita mineral prismático de diversas cores, geralmente acastanhado ou cinzento, principal fonte de zircônio, usado como refratário.

FARTUM – cheiro desagradável. O popular cecê.

PINCHO – movimento rápido, salto, pulo.

PLETORA – superabundância ou excesso de algo.

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2025

CARNAVAL E CHUVA

 

GUILHERME DE ALMEIDA

“Carnaval em São Paulo é sinônimo de chuva” – escrevia o poeta Guilherme de Almeida (1890-1969) na sua crônica no DIÁRIO NACIONAL de 18 de fevereiro de 1928, sábado de Carnaval. “E mascarado é sinônimo de capa de borracha, galochas, guarda-chuva, escafandro, etc.” É da crônica dele de domingo que quero exaltar.

“Estes três dias de alegria me fazem triste, fazem lembrar o colégio. O colégio interno.

Nos colégios internos há sempre uma campainha onipotente e eterna, que como Deus, cria e dirige a vida. A campainha toca pela manhã: é hora da gente não ter mais sono. Toca para a oração: é hora da gente ter fé. Toca para o estudo: é hora da gente ficar inteligente. Toca para o almoço: é hora da gente ter fome... E assim por diante. E a gente, quer queira quer não, vai na onda: deixa de ter sono, fica piedoso, inteligente, faminto.

O carnaval é assim. Tocou a campainha do recreio: é hora da gente ficar alegre e brincar. É do regulamento. É preciso. São ordens. Senão... Senão vai de castigo! [...]”

O poeta, coberto de razão. Eu não estudei em colégio interno, mas nunca entendi essa coisa de ter três dias para dançar e cantar freneticamente só porque está no calendário ...

 ILUSTRAÇÃO: Arlequim (1915), de Pablo Picasso.


quinta-feira, 13 de fevereiro de 2025

CARNAVAL ANTIGAMENTE...

 


O Carnaval está chegando Compilei lembranças da festança nacional que pessoas importantes da nossa cultura ou para nossa cultura registraram.

Jorge Americano (1891-1969), professor da Faculdade de Direito da USP e quarto reitor da Universidade de São Paulo, foi promotor público e deputado federal na Assembleia Nacional Constituinte de 1939. Ao se aposentar, escreveu três livros sobre usos e costumes da cidade a partir de sua infância em São Paulo: São Paulo Naquele Tempo – 1895 a 1915; São Paulo Nesse Tempo – 1915 a 1935 e São Paulo Neste Tempo – 1935 a 1962, reeditada com novo título: São Paulo Atual – 1935 -1962.

JORGE AMERICANO

“Ali por 1904 os préstitos de carnaval chegavam muito tarde à cidade (Ruas 15 de novembro, Direita e São Bento). Começou então o habito, de havendo já muitos automóveis (uns 100 mais ou menos) fazer-se o ‘corso’ n o centro.

“Ali por 1904 os préstitos de carnaval chegavam muito tarde à cidade (Ruas 15 de novembro, Direita e São Bento). Começou então o habito, de havendo já muitos automóveis (uns 100 mais ou menos) fazer-se o ‘corso’ n o centro.

As serpentinas foram desprezadas, e os rapazes e moças usavam lança-perfumes. Dado o novo gênero, ninguém mais queria ficar nas janelas dos sobrados, e vinham para as portas embaixo. Várias lojas abriam suas portas, faziam uma cancela provisória até um metro de altura, juntavam cadeiras, e alugavam às famílias, essa espécie de camarotes. O corso seguia devagar pelo centro da rua, os automóveis cheios de famílias. Os rapazes nas calçadas, acompanhavam a pé os carros, esguichando lança-perfumes nas moças. Quando os carros aumentavam a velocidade, eles seguiam pelas calçadas e esguichavam lança-perfumes nas moças das portas das casas. Às vezes paravam e ficavam conversando, mas sempre esguichando lança-perfumes.”

A polícia fiscalizava os festejos. O trânsito já era um problema, pois quando “o tráfego entulhava, desciam grupos de uns carros e iam atacar outros com confetes atirados na boca dos que rissem ou falassem”. Americano conta que Cardoso de Almeida, chefe de polícia na época, passeava a pé, usando cartola e fraque, acompanhado de um ajudante para fiscalizar o trânsito.

Em 1910 o corso foi transferido para a Avenida Paulista e, pasmem, começava às 16 horas e terminava às 21 horas! O professor lembra que os carros eram enfeitados com flores e a serpentina tinha voltado à moda. 

“Os rapazes atacantes subiam quase sempre nos estribos externos e assim iam conversando e rindo e jogando confetes e lança-perfumes. As moças ajustavam entre si trocas de lugares, para ficarem mais perto dos preferidos, uns deles no estribo esquerdo, outros do lado direito. As mães, afundadas nos bancos, iam abafadas por aqueles biombos de gente.

Além da munição de combate que levavam (serpentina, confete, lança-perfume), conduziam cestas com munição de boca: sanduíches, bolos, bombons, água mineral, copinhos inquebráveis.

De repente chovia, paravam todos os carros, levantavam-se as capotas, comprimia-se em baixo o monte de gente.”

sábado, 8 de fevereiro de 2025

SÁBADO NO ANHANGABAÚ

Os trabalhadores da prefeitura estavam junto à entrada da passagem subterrânea da Praça do Patriarca para o Vale do Anhangabaú batendo papo no tempo que sobra do almoço. Começo a descer a escadaria e eles me indicam a escada rolante ao lado. “Preciso fazer exercício”, explico. Pela expressão de seus rostos, devem ter me achado excêntrica. A galeria está impecavelmente limpa – o mármore que a reveste brilha. As Graças, de Victor Brecheret, continuam em seus postos; em outro nicho, uma cópia do Moisés de Michelangelo (que está San Pietro in Vincoli, Roma) feita no Liceu de Artes e Ofícios. Há também um busto do pintor Almeida Junior. A galeria foi inaugurada em 1940, na gestão do prefeito Prestes Maia (1938-1945), que encomendou as esculturas. O que destoa é o enorme relógio na parede a que faltam os ponteiros, mas funciona como um enfeite dourado.










Saio no Vale, que na última reforma foi recoberto de cimento. Uma paisagem inóspita. Há poucas pessoas, algumas sentadas nos bancos laterais à sombra, porque é quase meio-dia e o sol, naturalmente, já esquentou o cimento aumentando a sensação de calor. De repente começa a jorrar água das fontes: um homem corre com seu cãozinho e aproveita para dar banho no animal, que parece não gostar da ideia, enquanto do outro lado um pai se diverte com o filho sob o olhar atento da mãe, que preferiu ficar à distância, mas encoraja os dois porque os esguichos duram pouco.



Continuo em direção à estação São Bento. Em poucos minutos o chão está seco. A praça Giuseppe Verdi não existe mais e a escultura em homenagem ao compositor italiano desapareceu. Onde estará? Uma questão para a próxima semana, já que a IA do Google não anda atualizada. Hora de voltar para a Aclimação...


quinta-feira, 6 de fevereiro de 2025

ELA É CARIOCA

 

    Hoje fui atormentar os funcionários dos Correios da agência centenária da Praça Pedro Lessa. Antes de sair de casa eu havia pesquisado sobre o que queria no site. Agência quase vazia. Peguei a senha e mal sentei o painel mostrou meu número. Fui ao balcão:

    Boa tarde! O que me traz aqui é um serviço bem antigo. Nem sei se ainda existe.

    A moça ficou curiosa e riu quando disse que precisava passar um telegrama.

    “Sim, passamos.” E foi me explicando que bastava eu preencher o formulário e escrever a mensagem. Enquanto ela procurava o formulário, percebi um ambiente descontraído no guichê ao lado e olhei. Uma jovem muito bonita conversava com a funcionária e, ao meu olhar, me incluiu na conversa.

    “Desculpe-me, mas não ouvi o que vocês falavam.”

    E ela resume numa linguagem cheia de expressões jovens que não guardei, mas traduzo: “Quem não iria a um lugar para fazer um penteado lindo e uma maquiagem super bonita de graça e ainda tirar uma foto para o Instagram? A senhora não iria?”

    “Ih! Não iria – não uso pintura e meu cabelo desaba duas horas depois do penteado...” A moça ri gostoso. “Se fosse no Rio, o lugar estaria lotado de gente.” Aí eu elogiei a mulher carioca, elegante e vaidosa e acrescentei, não por bajulação, mas por causa do sotaque inconfundível: “E você é carioca, não é?  Ela riu com vontade. Claro que era!

     Chegam os formulários, vou preencher (em letra de forma! Oh! Céus!) e retorno ao balcão. O sistema está lento. A carioca continua por lá distribuindo simpatia. Agora em outro guichê. Soube que ela abrira empresa em São Paulo em sociedade (acho que ela é representante de produtos de beleza), mas agora estava por conta própria. Ela foi embora, mas sua juventude, personalidade descontraída e o entusiasmo continuam agindo sobre o grupo no balcão. Aproveito para tentar resolver um problema com o meu celular (a operadora é Correios). O funcionário chama a supervisora e vai explicando: “Dona Hilda (cruzes!) precisa de ajuda com o chip.”

   Não lembro de ter sido atendida numa repartição pública com tantos funcionários sorridentes. E ainda dizem que não há diferença entre Rio e São Paulo... Tom, Vinicius e Lúcio que o digam.


"Ela é carioca" também é o título de um livro de Ruy Castro.

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2025

PASSEIOS E CHUVA

Está difícil passear. Espio pela janela, tempo encoberto, mas agradável. Desço e ao abrir o portão do prédio, está começando a chuviscar. Volto para pegar o guarda-chuva. Saio e ao chegar na esquina constato que era apenas uma nuvem passageira. Sou obrigada a carregar o peso inútil. Para evitar futuras “pancadas de chuva ocasionais” tenho ido a exposições: tomei cafezinho na casa de Mário de Andrade, fui ver Oswald de Andrade para saber se havia algo de novo sobre ele, e quis conhecer o trabalho da fotógrafa japonesa Tokuko Ushioda (1940) sobre geladeiras de que gostei muito. 

Ainda há muito o que ver e fazer entre uma chuvarada e outra. No fim de um compromisso, aguardo um documento numa varanda simpática, coberta e por onde sopra um vento que ameniza o calor e ajuda as nuvens a se agruparem de forma ameaçadora e ainda acompanhadas por trovoada. Não demora e despenca o aguaceiro. Acomodo-me para esperar a chuvarada estiar. Lá fora o trânsito é pouco – tanto de veículos quanto de pedestres. Os pombos voam de um telhado para outro aproveitando o aguaceiro. Nem cinco minutos e já se veem nesgas de azul que vão crescendo.

Aproveito a chance e lá vou eu ladeira acima. É um caminho agradável. Passo apressada (por assim dizer) pelo Conjunto dos Bancários, formado por 44 prédios de dois andares, construídos pelo extinto Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Bancários – IAPB para trabalhadores do setor bancário nos anos de 1940. O projeto, fui pesquisar depois, é do arquiteto Marcial Fleury de Oliveira. Os prédios são servidos por ruas particulares ajardinadas e arborizadas. Em 2019, o Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo – Conpresp aprovou estudo para tombamento do conjunto. Depois do INSS, passo por uma sorveteria que me atrai faz tempo, mas resisto bravamente. O Parque Modernista já visitei várias vezes – é a sede da primeira casa modernista de São Paulo e que fica em frente ao Hospital Japonês Santa Cruz. Enfim, chego à estação do metrô. Nada de chuva. 

Eu mesmo, Carnaval  Exposição na Casa de Mário de Andrade.