E
sem desembolsar um tostão! Ah! Quem não quer essa receita? Foi por isso que o
barão de Empésé resolveu escrever a biografia de seu tio, que viveu “de fato como
um homem que tem 50 mil libras de renda, se bem que nunca tivesse
possuído de direito nem um tostão”. Aproveitou para divulgar o
sistema que o parente criara e testara ao longo de sua existência. O último
pedido do tio aos 222 credores reunidos a seu pedido para explicar o não pagamento
das dívidas foi de que não deixassem de comprar o livro do sobrinho, pois a
obra lhes serviria de guia para futuros negócios. (Quem avisa, amigo é.)
Claro
que nada disso é verdade. “A arte de pagar suas dívidas e satisfazer seus
credores sem desembolsar um tostão” é uma obra satírica escrita,
presumivelmente, por Émile Marco de Saint-Hilaire (1796-1887), e editada por
Honoré Balzac, que pode ter sido mesmo autor ou coautor do livro.
O
sistema criado pelo tio espertalhão não passa de um manual para a prática de
estelionato a partir da conquista da confiança do credor. Dois exemplos. Ele
aconselha que se compre sempre de fornecedores ricos porque eles têm tudo de
excelente qualidade e porque, se eles têm demais e você não tem o bastante, “é
um favor que se lhes presta, e ao senhor também, o de procurar restabelecer o
equilíbrio e ninguém tem mais interesse nisso do que o senhor”. O cínico tio
diz que o prejuízo será coberto pela clientela pagante que virá atraída pelo
que viu o tratante consumir.
O
espertalhão recomenda até mesmo a escolha do bairro para morar em Paris (século
XIX), levando em conta a visita dos credores – quanto mais longe deles, melhor.
Na escolha, devem ser levados em conta os porteiros que, segundo ele, exercem
um grande poder sobre o destino dos devedores (dizendo que estamos em casa
quando não estamos ou que não estamos, quando estamos).
O
tio também afirma que é melhor dever 100 mil francos a uma só pessoa do que
dever mil francos a mil pessoas. E para terminar, um dos aforismos do cavalheiro:
“Fazer dívidas com pessoas que não têm o bastante é aumentar a desordem, é
multiplicar os infortúnios; dever para pessoas que têm demais é, ao contrário,
compensar as misérias e tender para o restabelecimento do equilíbrio social”.
Um
livro divertido e crítico. Se você está cheio de más intenções, lembre-se que o
sistema foi “criado” no século XIX e a sociedade, a economia e as leis mudaram
muito desde então; portanto, o ideal é não usar o manual para se dar bem.
“A arte de pagar suas dívidas e satisfazer seus credores sem
desembolsar um tostão”, de Émile Marco de Saint-Hilaire. São Paulo, Editora
UNESP, 2011. R$ 36.00.
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