DIA DO MARINHEIRO
O lado bom de não
ser historiador é que se pode brincar com fatos e situações pouco reveladores
de um acontecimento histórico. Lembro-me de um anúncio da VARIG, nos anos 60,
sobre a chegada dos portugueses ao Brasil em que mostrava um solitário
marinheiro na gávea, avisando a tripulação de que havia “Terra à vista!”.
Na carta ao
Rei de Portugal, Caminha escreve “Neste mesmo dia à hora de vésperas, avistamos
terra.” Assim, graças a esse plural oficial, nunca soubemos nem
saberemos quem avistou primeiro as terras a que o capitão foi logo nomeando de
Terra de Santa Cruz. Quem se importou algum dia com esse marinheiro
desconhecido? Este dia do marinheiro é uma boa oportunidade para se
lembrar dele e de todos os outros que servem na Marinha Mercante ou de Guerra
do Brasil.
Sem esquecer três
marinheiros brasileiros: Marcílio Dias (1838? -1865), Antonio Cândido
Felisberto (1880-1969) e Artur Bispo do Rosário (1909?-1989). Três histórias
bem diferentes.
Gaúcho de Rio
Grande, negro, Marcílio Dias entrou na Marinha por força de
uma ordem do juiz municipal para o capitão do porto em 30 de julho
de 1855. Prestou juramento à Bandeira Nacional no quartel-general da Marinha
Imperial, na Ilha de Villegaignon, no Rio de Janeiro para onde fora levado e
como grumete foi embarcou na fragata Constituição. Sempre teve
comportamento exemplar e uma década depois foi promovido a marinheiro de
primeira classe (cabo). Marcílio Dias participou de duas batalhas
decisivas da Guerra do Paraguai e em ambas demonstrou a coragem que o
notabilizaria como herói: a de Paissandu (1864) e a de Riachuelo (1855). Na
batalha de Riachuelo, a bordo da fragata Parnayba, ele morreu
enfrentando os inimigos à espada. No dia seguinte, o corpo “foi sepultado com
rigorosa formalidade no rio Paraná”, segundo o livro de bordo da embarcação.
Antonio
Cândido Felisberto, gaúcho de Encruzilhada, planejou e
protagonizou a Revolta da Chibata com 2.400 marinheiros na baia da Guanabara
entre os dias 22 e 27 de novembro de 1910. Os castigos físicos eram norma na
Marinha do Brasil* e foram abolidos com a República; entretanto,
um decreto de 1890 (não publicado) restabeleceu as punições físicas.
Faltas graves eram castigadas com 25 chibatadas, no mínimo. Ao contrário de Marcílio Dias, ele se alistou
na Marinha e também se destacou no serviço. No final do governo de Nilo
Peçanha, enquanto João Cândido reivindicava o fim das punições e a melhoria das
condições de trabalho dos marujos junto ao governo republicano, já se
organizava um movimento conspiratório.
A punição de um
marinheiro do encouraçado Minas Gerais com 250 chibatadas foi
a gota d’água para a explosão da revolta. A rebelião estendeu-se aos seis
navios da esquadra. João Cândido assumiu o comando do Minas Gerais e de toda a
esquadra e por quatro dias o Rio de Janeiro ficou sob a mira dos canhões. No ultimato dirigido ao recém-empossado presidente
Hermes da Fonseca os revoltosos declararam: "Nós, marinheiros, cidadãos
brasileiros e republicanos, não podemos mais suportar a escravidão na Marinha
brasileira". Foi uma luta e tanto, mas quem quiser saber dos detalhes
pode ler o livro do jornalista Edmar Morel, escrito em 1959: “A Revolta da
Chibata”.
O sergipano Arthur
Bispo do Rosário foi marinheiro entre 1925 e 1933, mas enjoou do mar e
foi trabalhar para uma família tradicional do Rio de Janeiro. Em 1938 teve o
surto que provocou sua internação no Hospício Pedro II;
mais tarde, diagnosticado como “esquizofrênico paranoico”, foi
removido para a Colônia Juliano Moreira, no subúrbio de
Jacarepaguá, onde viveu por mais de 50 anos. Nesse longo período, Arthur
Bispo do Rosário usou lixo e sucata para produzir objetos que foram
reconhecidos como arte e até mesmo comparados à obra de Marcel Duchamp
(1887-1968). A obra mais conhecida é o Manto
da Apresentação, que ele deveria usar no dia do Juízo Final. Quem visitou a
Bienal de São Paulo de 2012 teve oportunidade de ver parte do
fantástico trabalho desse marinheiro enlouquecido, que não esqueceu
as suas origens. A obra dele está reunida no Museu Bispo do Rosário,
na antiga colônia Juliano Moreira.
Obra de Arthur Bispo do Rosário na Bienal de São Paulo, 2012. |
Manto da Apresentação para Bispo se apresentar no Dia do Juízo Final. |
(Publicado originalmente em 13/12/2012.)
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