quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

DO ENTRUDO AO CARNAVAL


Eu não gosto de carnaval. Não entendo essa sofreguidão que se estende por três dias durante os quais as pessoas saem dançando, cantando e fingindo ser o que não são. Ele é um forte componente da cultura brasileira, cultivado desde os tempos de colônia, quando atendia pelo nome de entrudo. E o entrudo era realmente uma festa transgressora que deixava muitas vezes as autoridades em desespero – espalhava-se pelas ruas e era violenta. No entrudo podia-se ser alvo dos limões-de-cheiro, receber na cabeça o conteúdo dos penicos dos sobrados e pancadas de capoeiristas.
Debret: escrava vendendo limões-de-cheiro, 1823.

A terça-feira gorda de 1854 ficou bem murcha com a decisão da polícia de proibir o carnaval nas ruas do Rio de Janeiro. Aquele dia 28 de fevereiro entrou para a história, mas a luta da igreja e dos cidadãos pacíficos contra a desordem já era antiga e o jeito era apelar para alvarás e decretos “para inserir pudores onde não havia” (Revista da Biblioteca Nacional). Os jesuítas tiveram até a brilhante ideia de propor a adoração do Santíssimo Sacramento durante os festejos, mas o povo não levou a sério e ainda estendeu a festança para além da Quarta-feira de Cinzas. Não somos nem originais!
 O historiador e cientista político Luiz Felipe de Alencastro conta que em 1840 uma trupe italiana falida organizou no teatro São Januário “um carnaval veneziano de máscaras”. A novidade agradou aos cidadãos pacatos. Anos depois um editorial do JORNAL DO COMMERCIO aprovava a nova festa: “O Carnaval [...] é mil vezes preferível ao entrudo de nossos pais, porque é mais próprio de um povo civilizado e menos perigosos à saúde”. Alencastro lembra que foi considerado mais civilizado por ter procedência europeia; mais saudável porque se podia andar mais tranquilamente pela cidade. Surgiram os desfiles de carros alegóricos com entrada paga e organizaram-se bailes de máscaras. Diretamente da commedia dell’arte Arlequim, Pierrô e Colombina entram na brincadeira nacional. A festa popular de rua separa-se da festa de salão: o entrudo e o Carnaval. O povo parece que continuou com o entrudo (bem mais barato e, provavelmente, mais divertido para quem não era a vítima das brincadeiras), pois catorze anos depois a polícia teve que interferir na farra!

Augustus Earle (1793-1838): cenas  do entrudo no Rio, c. 1822. 

Vida Privada e ordem privada no Império”, in História da Vida Privada no Brasil, vol. 2.

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